Autor: Maria Andrade
Nascido e criado na Ilha Terceira, Gualter Silva não teve de escolher a música, ela sempre esteve presente na sua vida. Cresceu num ambiente familiar fortemente ligado ao meio musical: o pai estava envolvido na filarmónica, no ensino e no folclore; a mãe dedicava-se ao canto, tanto em grupos populares como em espetáculos tradicionais. “Costumo dizer em tom de brincadeira: comecei a ter aulas de música desde que nasci”, recorda o músico em entrevista ao Açoriano Oriental.
“Claro que viver da música não se resume a gostar dela, há muitas barreiras, tanto anímicas como de resiliência, que têm de ser superadas. Porque o trabalho não se faz apenas na hora do concerto: são centenas de horas passadas fechado num quarto a estudar e a planear, para que, no momento da apresentação, tudo esteja ao nível que desejamos”, afirma.
Apesar da juventude, Gualter Silva já soma três prémios internacionais, bandas sonoras exibidas na RTP, ballets escritos para o Conservatório Nacional de Dança e arranjos para artistas de renome a nível nacional.
“Costumo dizer que, sempre que alcanço algum reconhecimento internacional, tenho uma semana de festa. Recebo imensas mensagens, inclusive de colegas compositores que competem comigo, onde trocamos impressões sobre as obras e até partilhamos ideias”, disse.
Destaca a obra “No Ventre da Mátria” como aquela que mais o marcou. “Em primeiro lugar, pelo trabalho intenso de quase um ano em torno da obra. Em segundo, pelos vários contratempos enfrentados até à sua apresentação, muitos deles devido à falta de apoio por parte dos nossos governantes, que, em vez de apoiar, tantas vezes travam. E, por fim, porque esta obra representa já uma evolução e uma maturidade que outras procuravam alcançar: uma convicção clara na linguagem que queria explorar”, explicou.
A sua versatilidade é algo evidente: compõe obras de música clássica contemporânea e temas para marchas populares, bem como temas de raiz tradicional, muitas da vezes destinadas às festividades açorianas.
Inspirado por nomes como Olivier Messiaen, R. Murray Schafer, Fernando Lopes-Graça e Joly Braga Santos, Gualter encontra na paisagem sonora açoriana um campo fértil para a criação. “O meu objetivo, com a integração do conceito de paisagem sonora na minha arte, é dar nova vida a esses sons naturais: explorá-los e revelá-los ao público — sons que muitos nem se apercebem que têm mesmo ao seu lado. O mesmo se aplica à música tradicional. Uma paisagem sonora é composta por todos os sons que identificam um lugar, sejam eles de origem humana ou natural”, afirmou o músico terceirense.
Quando questionado sobre o estado da música nos Açores, manifesta esperança, mas também deixa alertas. Admite que cada vez mais existem músicos açorianos a serem reconhecidos e acredita que “esse mérito deve-se, em grande parte, a um ensino que nos dá esperança em dias melhores, com um acesso cada vez mais alargado à educação musical em todas as ilhas”.
No entanto, afirma que “há ainda muito por fazer”. “Por exemplo, da parte dos nossos conservatórios, especialmente no grupo central, poder-se-ia apostar mais na realização regular de concertos e no funcionamento ativo de orquestras. Isso seria extremamente benéfico, não só para estudantes, músicos e compositores, mas também para o público em geral, que se tornaria mais instruído e envolvido culturalmente”, afirmou ao AO.
Por outro lado diz que “os nossos governantes devem ser sensíveis à arte e saber apoiá-la. E nem me refiro apenas ao apoio financeiro, falo sobretudo da importância de serem impulsionadores da criação artística, em vez de a travarem ou condicionarem, como infelizmente tantas vezes acontece”.