Açoriano Oriental
Ucrânia: Pressão de Trump é "muito dolorosa" para Putin

O primeiro vice-presidente do parlamento ucraniano, Oleksandr Kornienko, avalia que a pressão da Casa Branca sobre a Rússia é “muito dolorosa” para o líder do Kremlin, embora avise que todas as partes precisam de tempo para alcançar a paz.

Ucrânia: Pressão de Trump é "muito dolorosa" para Putin

Autor: Lusa

Desde a cimeira dos presidentes norte-americano, Donald Trump, e russo, Vladimir Putin, no Alasca em agosto passado, Washington “aumentou muito o ‘stress’ em relação à Rússia”, segundo Oleksandr Kornienko, em entrevista à agência Lusa em Lisboa, onde participou na sexta-feira na conferência internacional “Recuperação da Ucrânia”.

O responsável da Verkhovna Rada (parlamento) aponta “sinais de nervosismo” em Moscovo em resultado da pressão dos Estados Unidos e das suas ameaças de sanções secundárias aos países importadores de bens russos e sobretudo a perspetiva de fornecimento de mísseis de longo alcance Tomahawk a Kiev.

“Se alguém perguntar ao ChatGPT, vai encontrar uma resposta muito clara e próxima da verdade e perceber por que Putin tem medo dos Tomahawk”, afirma o deputado, no dia do encontro de Trump com o homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, que terminou, porém, sem os mísseis norte-americanos.

O político do Servo do Povo (o mesmo de Zelensky) destaca também a degradação da economia russa, ao fim de mais de três anos da invasão da Ucrânia, e a situação na linha da frente.

“Hoje em dia somos muito bem-sucedidos, no campo de batalha, começamos a contra-atacar, a libertar terras e localidades”, destaca Kornienko, avisando que “um dos principais sinais de nervosismo” de Moscovo é denunciado pela sua mudança de tática.

Nas últimas semanas, relata, a Rússia “substituiu todos os seus esforços por ataques diários contra civis”, visando infraestruturas, mesmo de pequena dimensão e em locais remotos, com dezenas de mísseis, bombas planadoras e drones Shahed.

Somados todos os sinais, o vice-presidente da Verkhovna Rada observa uma situação “muito dolorosa para a Rússia”, na medida em que “não consegue planear” a sua estratégia em relação à Ucrânia, que, por sua vez, não está sozinha: “Também temos parceiros, podemos lutar durante muito tempo e eles sabem disso”.

Após o anúncio de um novo encontro de Trump com Putin, no seguimento de uma chamada entre ambos na quinta-feira, Oleksandr Kornienko adverte que o processo de paz na Ucrânia “precisa de tempo” e é nessa análise que enquadra os últimos desenvolvimentos diplomáticos, que são “certamente muito úteis” e fazem parte da “pressão passo a passo” sobre Moscovo.

“A Rússia não é um país que concorde com algo muito rapidamente, é preciso tempo”, insiste, a propósito de uma eventual mudança do Kremlin em relação a uma solução para o conflito, que, desde a data da invasão, em fevereiro de 2022, esteve sempre distante.

A alteração desde cenário, porém, “é possível, há exemplos disso na história”, e a liderança russa pode tornar-se “flexível se começar a sentir algo perigoso junto dela”.

Nesse sentido, o deputado do partido maioritário recorre ao sarcasmo quando diz que os ucranianos até podem “ficar muito gratos à propaganda russa, quando promove tudo o que Putin quer”, da justificação para a invasão e reivindicação do Donbass ao recrutamento para o Exército, sugerindo que um dia também poderá ouvir-se o contrário.

A Ucrânia continua a defender um cessar-fogo incondicional como ponto de partida para negociações de paz, mas “Putin não quer um cessar-fogo, quer condições para obter território”, critica o parlamentar ucraniano, ainda que “o tenha tentado durante três anos e não conseguiu”.

Oleksandr Kornienko observa que o conflito na Faixa de Gaza também foi interrompido por um cessar-fogo, antes de as partes iniciarem o aprofundamento do acordo, ao mesmo tempo que destaca a evolução do apoio dos parceiros de Kiev desde o começo da guerra, altura em que seria “impensável ver a Alemanha doar milhares de milhões de euros” em equipamento militar.

“Mudámos a posição da Alemanha. Mudámos muitas coisas na União Europeia e muitas coisas na atitude dos pequenos países”, refere, adicionando que “não se trata apenas de elites, mas também d o apoio das populações”, como diz ser o caso da alemã e até dos próprios Estados Unidos.

Entre as causas desse apoio, o vice-presidente da Verkhovna Rada elenca “um trabalho de todas as partes”, desde logo dos líderes norte-americano e ucraniano, das suas administrações, elites e outras entidades, como as igrejas, e ainda a diplomacia cultural.

Kornienko considera no entanto que os apoiantes da Ucrânia podem fazer mais, embora veja como “bons sinais” os investimentos militares dos aliados, ou os passos para uma estratégia europeia comum de defesa.

Do mesmo modo, assinala que há “muitas possibilidades de coprodução” de equipamento militar na Ucrânia, que diz estar ainda aquém do seu potencial.

“Pedimos aos vossos investidores, às vossas empresas, para aumentarem a sua capacidade”, apela, dando o exemplo de dispositivos não tripulados, mísseis e intercetores de drones Shahed, mas também de veículos e equipamento de artilharia.

O deputado ucraniano compreende que cada parceiro terá a sua agenda política, mas avisa que “alguns países deveriam compreender melhor que estamos em tempo de guerra”, aludindo à resistência de aliados como a Espanha em assumir o compromisso no âmbito da NATO de 05% do PIB em defesa.

“Quem vive em Espanha pode pensar que um ataque contra a Estónia não lhe fará mal. O nosso povo da região da Transcarpátia [sudoeste da Ucrânia], que fica a mil quilómetros do campo de batalha, também pensou que [a invasão russa] não seria dolorosa”, comenta, mas, no final, acabou por sentir “o sopro da guerra”, por via de bombardeamentos, cortes de energia e dificuldades económicas.

De acordo com o vice-presidente do parlamento, as recentes violações territoriais atribuídas à Rússia de países-membros da NATO são ainda “um teste” às suas capacidades de reação, numa repetição da história que a Ucrânia conhece bem.

Como exemplo, recorre aos anos que se seguiram à invasão russa da Geórgia, em 2008, recordando várias explosões em depósitos de armamento na Ucrânia, “que não foram vistas na altura como uma agressão”.

De resto, Kornienko acredita que as intenções de Moscovo em relação ao país vizinho tiveram origem na Revolução Laranja e numa possível viragem do país para o Ocidente e para a NATO, em 2004, uma década antes dos grandes protestos Euromaidan e da imediata resposta de Moscovo no apoio aos levantamentos pró-russos no Donbass e anexação da Crimeia.

Da mesma forma, sugere que a Europa estava distraída e não soube interpretar os sinais enviados pelo Kremlin, tal como é hoje “bastante claro que a Rússia começou a destruir os paióis ucranianos dez anos antes da invasão”.

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