Autor: Lusa/AO Online
O líder da Igreja Católica reuniu-se com um grupo de vítimas de abuso que pertencem à Ending Crime Abuse (ECA), uma rede que opera sobretudo nos Estados Unidos, indicou a ECA Global.
Este é o primeiro encontro, pelo menos divulgado, entre Leão XIV e vítimas de abusos de clérigos católicos.
A Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores apresentou a 16 de outubro o seu relatório anual, chamando a atenção para a lentidão no combate ao flagelo dos abusos em algumas dioceses de Itália.
No documento, sublinhou também que a Igreja Católica tem a obrigação moral de ajudar as vítimas de abusos sexuais por clérigos católicos, defendendo reparações financeiras – para que estas possam ter acesso à terapia necessária e a qualquer outra assistência complementar para ajudar a lidar com o trauma - e sanções para os agressores, “tangíveis e proporcionais à gravidade do crime”.
O relatório, relativo a 2024, antes da eleição do Papa Leão XIV, apresenta relatos de 40 vítimas em todo o mundo e dá voz às queixas sobre a forma como a Igreja lidou mal com os casos e as exigências de quem sofreu abusos.
Leão XIV reconheceu que o escândalo dos abusos, que manchou gravemente a credibilidade da hierarquia católica nos Estados Unidos, em partes da Europa e na América Latina, continua a ser “uma crise” para a Igreja.
Fez questão de assinalar o compromisso com a comissão criada em 2014 pelo seu antecessor, Francisco, e que aconselha a Igreja sobre as melhores práticas para impedir abusos sexuais.
“A Igreja tem a obrigação moral e espiritual de curar as feridas profundas infligidas pela violência sexual perpetrada, permitida, mal gerida ou encoberta por qualquer pessoa que ocupe uma posição de autoridade na Igreja”, salientou.
O documento, elaborado com as vítimas num grupo de discussão, identificou a necessidade de responsabilização dos líderes da Igreja, de informação sobre os casos e de uma verdadeira reforma das estruturas da Igreja Católica, para punir adequadamente abusadores e facilitadores e criar estratégias de prevenção eficazes.
“A comissão está empenhada em dizer às vítimas e aos sobreviventes: queremos estar ao vosso lado”, disse o novo presidente da comissão, o bispo francês Thibault Verny, numa conferência de imprensa no Vaticano.
Significativamente, o relatório de 2024 afirmou que a forma como a Igreja lida com os casos de abuso e o “padrão de décadas de tratamento incorreto das denúncias, incluindo o abandono, a ignorância, a vergonha, a culpabilização e a estigmatização” das vítimas, é, por si só, traumatizante.
O processo está envolto em secretismo, de tal forma que as vítimas não têm qualquer direito à informação sobre o seu caso, além do resultado.
As vítimas não têm qualquer recurso real além de tornarem pública a sua história, o que, já por si, é traumatizante.
Apesar de a laicização ser um resultado possível para os clérigos perpetradores, a Igreja apresenta muitas vezes relutância em afastá-los completamente, aplicando com frequência sanções mais leves, como um período de retiro do ministério ativo, mesmo em casos graves de abuso sexual de menores.
O relatório atribuiu boas notas aos líderes da Igreja em Malta, na Coreia do Sul e na Eslováquia, onde a maioria das dioceses, se não todas, responderam ao questionário da comissão sobre políticas e práticas de prevenção.
Em contraste, em Itália, só 81 das 226 dioceses responderam ao questionário.
O documento apela ainda para que a Igreja “comunique claramente as razões da demissão ou do afastamento” dos membros visados em casos de abusos sexuais.
O relatório fez uma auditoria às políticas e práticas de proteção das crianças em mais de uma dúzia de países, bem como em duas ordens religiosas, num movimento laico e no gabinete do Vaticano responsável pela Igreja no mundo em desenvolvimento.
Referia ainda que o gabinete missionário, responsável por 1.124 dioceses na Ásia, África, Oceânia e partes da América Latina, ou seja, um terço das dioceses da Igreja Católica, recebeu queixas de apenas um “pequeno número de casos” e só duas denúncias de bispos que encobriram a verdade.
Sobre Portugal, a comissão do Vaticano recomendou à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) que aplique um “mecanismo de auditoria robusto” ao Grupo Vita, que a CEP criou para acompanhar as situações de abuso sexual na Igreja.