Açoriano Oriental
“O meu trabalho traz-me todo o conforto necessário para poder desenvolver a música que quero”

Nascida em Santa Maria, gosta de música desde pequena. Licenciou-se em Engenharia Aeroespacial, é controladora de tráfego aéreo, mas o bichinho da música esteve sempre lá, e por isso foi à procura de aprender mais. Levou o seu “Ilhéu” a todas as ilhas dos Açores. Pisar o palco da ‘Maré’ foi especial

“O meu trabalho traz-me todo o conforto necessário para poder desenvolver a música que quero”

Autor: Susete Rodrigues

Isabel Mesquita é natural de Santa Maria, onde passou a sua infância. Numa ilha pequena como Santa Maria, nem sempre se encontra o que as ilhas maiores têm para oferecer aos mais jovens, nomeadamente escolas de músicas ou outras opções de ensino artístico. Conta-nos que “estamos na mesma escola do 5.º ano até ao 12.º anos de escolaridade”, acrescentando que, na sua altura, “não havia escolas de músicas na ilha. Já houve há alguns anos”, referindo que “numa ilha pequenina como Santa Maria vive-se sempre das pessoas que por aqui passam, mas muitas vezes é temporário”. Diz-nos que “sempre gostei de música e tive aulas de guitarra. Claro que a guitarra teve as suas fases, umas vezes tocava, outras ela estava arrumada debaixo da cama. Mas, se havia alguma atividade nos escuteiros, ia buscar a guitarra”.

Com o tempo, “fui evoluindo e aprendendo outras coisas”. Contudo, o interesse maior em cantar e em querer fazer parte de projetos surgiu depois de participar em iniciativas de formação relacionadas com as artes. “Participei em workshops de teatro, de voz. Lembro-me de um workshop de voz com a professora Paula Oliveira, de um workshop de blues organizado pela Associação Escravos da Cadeinha, ou seja, as associações de cá tentaram e tentam colmatar essa lacuna”. Foi a partir destas iniciativas que começaram a surgir outros projetos. Isabel Mesquita refere que, por exemplo, do workshop de blues dos Escravos da Cadeinha “surgiu o meu primeiro grupo, IziBlues. Tivemos a oportunidade de realizar mais formações e tocar em ensemble. Era um projeto bastante rico que explorava o jazz e o blues”.

A dada altura teve de deixar Santa Maria para prosseguir os seus estudos. Foi para Lisboa estudar Engenharia Aeroespacial, no Instituto Superior Técnico. Revela que, “inicialmente queria ir para uma escola de música, mas o curso já era tão exigente e não queria ter mais uma área tão exigente na minha vida naquela ocasião. Mas ainda tive algumas aulas particulares com professores de canto”.

Um pouco mais tarde, Isabel Mesquita, ingressou numa “escola que tinha o ensino de jazz e foi incrível. Foi nesta altura que me arrependi de não ter começado mais cedo”, afirmou para explicar que “o jazz é uma escola fantástica. São escolas de harmonia e improvisação que, depois, podemos aplicar a qualquer estilo, a qualquer música. Para mim, a coisa mais bonita que o jazz tem é que, como há esse reportório de standard de jazz - quase que comum a quem vem dessa escola - conseguimos participar numa ‘jam session’, ou seja, estar em palco com pessoas que nunca vimos na vida e fazer música juntos. Isso é lindo”.

Isabel Mesquita teve a oportunidade de viajar por Cabo Verde, Nova Iorque, Cuba, Panamá e Espanha, tendo participado em workshops, palestras, concertos e em ‘jam sessions’. “Adorei essa experiência de ir para uma ‘jam session’, num local completamente diferente, com pessoas que não conhecia e fazer música com elas”, revela.

Nestas suas viagens, teve a oportunidade de estar com “outros músicos e outras culturas e, nessa altura, não era só o jazz - apesar de estar sempre presente - mas cada um tinha a sua identidade, a sua cultura”, frisando que só o “facto de estar presente e absorver a cultura de outras pessoas e de outros países, é muito interessante”. Confessa que durante as suas viagens foi à procura de ter formações para “enriquecer o meu trajeto, porque quando voltei a Santa Maria e fui trabalhar, deixei de estar tão rodeada daquele meio musical, tal como estava aquando da minha estadia em Lisboa e decidi, nas minhas viagens, incluir toda essa parte de formação”. Foram essas experiências que a inspiraram para fazer algo seu na música, e foi numa viagem a Cabo Verde que conheceu o seu produtor Yami Aloelela.

Em 2019 lançou o seu primeiro disco ‘Ilhéu’ com 10 canções. Tornar realidade um projeto, nem sempre é fácil, requer muito tempo e muito trabalho. Na altura, “estava a trabalhar com uma agência e tentámos fazer o melhor. Mas, por vezes, senti dificuldade em tentar tornar o projeto sustentável por si próprio”. No entanto, o disco teve alguma projeção, “do ponto de vista de divulgação nas lojas FNAC, passou nas rádios, mas em termos de concertos, confesso que tinha uma maior expectativa, uma vez que estava a trabalhar com uma equipa de agenciamento”. Acabou por perceber que “sozinha, num meio como os Açores, conseguia divulgar melhor o meu trabalho, num contacto direto com promotores de concertos e com uma maior flexibilidade em termos de equipa. Mas tudo faz parte da nossa aprendizagem”.

O certo é que conseguiu levar o seu ‘Ilhéu’ a todas as ilhas dos Açores, “umas vezes a solo, outras com a minha banda”.

Isabel Mesquita faz parte do grupo ‘Línguas de Fogo’, composto ainda por Sara Miguel, Giana de Toni e Antonella Barletta. Juntaram-se, pela primeira vez, numa residência artística no Pico Zen Festival. A vontade de formar um grupo só de mulheres falou mais alto, do que o entrave de um mar imenso a separá-las - porque cada uma vive numa ilha diferente - e há dois anos nasceu o ‘Línguas de Fogo”, um projeto de homenagem à poesia de Natália Correia. Já este ano, em março e abril, o grupo apresentou o seu disco de estreia ‘Celebrar Natália Correia’ nas ilhas de São Miguel, Santa Maria e Pico. No concerto, em Santa Maria, Isabel Mesquita confessa que “estava muito feliz porque consegui concretizar este trabalho que foi muito intenso”. As ‘Línguas de Fogo’ reúnem-se novamente na ilha Terceira, no próximo dia 25 de outubro, às 21h30, para a apresentação do disco ‘Celebrar Natália Correia’, no Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo.

Conciliar a sua vida familiar e profissional com a música, não é fácil, mas conta com “um grande apoio do meu companheiro e da família, e também do bom menino que é o meu bebé”, afirmou Isabel Mesquita, sublinhando que “tenho o meu trabalho, sou controladora de tráfego aéreo, sou mãe e sou cantora. Sou estas caixinhas todas e com muita vontade de as realizar todas. Não tenho que ser uma coisa só”. Diz ainda que não quer que “a música seja uma obrigação, que seja, sim, uma parte criativa da minha vida. O meu trabalho traz-me todo o conforto necessário para poder desenvolver a música que quero”.

Por outro lado, a “maternidade trouxe-me novos desafios, menos tempo e outras prioridades. Ainda estou a reencontrar o meu lugar na vida artística. Tenho uma vontade imensa de fazer música, mas surge em mim uma vontade de me recatar. Algo que acaba por não ser muito compatível com a exposição associada à divulgação de um trabalho artístico

- e ainda procuro um ponto de equilíbrio”.

De todos os palcos que já pisou, há um que lhe é muito familiar e que a marcou: o palco da Maré de Agosto (Santa Maria). Revela-nos que “foi um sonho tornado realidade”, acrescentando que “todos os outros palcos são igualmente especiais e com momentos únicos. Recordo, também, com muito carinho, palcos que me receberam num ambiente intimista e onde me apresentei a solo, como o largo do Outeiro, na ilha do Corvo e a Casa Grão de Café, na ilha de São Jorge. Experiências que foram muito importantes para meu crescimento pessoal e artístico”.

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