Autor: Filipe Torres
Ana Garcia, Maria Goretti Pacheco e Glória Cabecinha têm algo que as une: um diagnóstico de cancro da mama. Protagonizam
três histórias diferentes, mas unidas por um mesmo ponto de viragem:
aquele momento em que o mundo parece parar e a palavra “cancro”
muda-lhes a vida. Nenhuma delas o esperava e nenhuma estava preparada. E, no entanto, todas encontraram força para superar a batalha.
Ana redescobriu-se
Ana Garcia tinha 28 anos e vivia o que descreve como o auge da sua vida. “Tinha o meu emprego de sonho”, recorda Ana Garcia, hoje com 31 anos, residente em Angra do Heroísmo. Mas um simples email mudou tudo. “Estava no trabalho quando recebi o resultado do laboratório. Li e pedi dispensa para o resto do dia”, recorda.
Antes de ter sido diagnosticada, desde 2021, Ana notava uma pequena bolinha no peito e fazia ecografias regularmente. Até então, não havia alterações. Em maio de 2023, começaram a surgir sintomas inesperados, incluindo vómitos, tonturas, fadiga e alterações repentinas de humor. Inicialmente, chegou a pensar que poderia estar grávida, mas os testes realizados foram sempre negativos. Quando refez a ecografia, a radiologista identificou alterações e recomendou a realização de uma biópsia.
Era a primeira da sua família diagnosticada com cancro da mama. O diagnóstico foi carcinoma invasor produtor de muco na mama esquerda. “Não tinha médico de família. Foi o Centro de Oncologia dos Açores que me acolheu. Entreguei-lhes os exames e eles trataram de tudo. Fizeram-me sentir amparada”, conta.
Ana teve de deixar o emprego. “Fiquei desempregada e muito sozinha. Isolava-me, sentia-me culpada. Pensava que o meu corpo me tinha traído”. Fez uma tumorectomia e radioterapia. “Achei que a cirurgia seria o pior, mas não foi. Agora que faço a terapia hormonal (TH), sei que estava completamente enganada. Os efeitos secundários da TH são muitos e, por vezes, por mais do que gostaria de admitir, ainda é difícil lidar”, desabafa.
A jovem contou que a doença lhe mostrou quem realmente estava ao seu lado por ela e não pelo que tinha. Disse que, nessas situações, muitos se afastam, outros desaparecem, e alguns até se aproximam por interesse. Acrescentou ainda que essa experiência a ensinou a dizer “não”, algo que antes fazia raramente.
Mas foi no meio da dor que descobriu uma nova versão de si: “Costumo dizer que o cancro me salvou. Antes, deixava-me sempre para último. Agora aprendi que me pôr em primeiro lugar não é egoísmo, é amor próprio. Posso dizer que agora valorizo a minha vida como nunca antes”.
Na rede social Instagram, Ana relata a sua experiência com a doença, através da conta @alpha_amethyst. “Há quem me diga: ‘és tão nova, bola para a frente’. Cada um sente no seu tempo, à sua maneira e não é por sermos mais novas que não temos o direito de sentir”, explica.
Hoje, sorri ao dizer: “O cancro mostrou-me o essencial. Agora vivo devagar, com gratidão e sem medo de dizer que tenho orgulho em estar viva”.
Maria superou com muita fé
Quando fala, Maria Goretti Pacheco tem uma serenidade e alegria que contrasta com a brutalidade do que viveu. “Foi há dez anos. Eu tinha 47 quando me apareceu um sinal junto ao mamilo. Pensei que era uma verruga. Pedi ao médico para tirar porque me incomodava no soutien. Fiz a biópsia e acusou cancro.”
Maria explicou que o seu tumor cresceu para o interior da mama, o que dificultou a deteção, já que não era visível nem palpável. Disse que só começou a preocupar-se quando surgiram sinais externos junto ao mamilo, que revelaram a presença do cancro. Acrescentou que essa manifestação foi decisiva para o diagnóstico e tratamento, sublinhando que é importante investigar qualquer sinal anormal.
Conta ainda que a sua mãe também teve cancro da mama: “A minha mãe foi diagnosticada em 1991 e acabou por falecer em 2001”.
Maria enfrentou oito sessões de quimioterapia e uma mastectomia à mama esquerda. “Retirar uma mama é uma das experiências mais duras que uma mulher pode viver. Quando tomava banho, evitava olhar para o espelho. A feminilidade fica abalada, a autoestima despedaça-se. É muito difícil aceitar o novo corpo”, partilha.
Mas Maria enfrentou a dor com uma força surpreendente: “Quando fiquei careca, olhava-me ao espelho e ria-me. Se não risse, caía em depressão. É preciso encontrar a luz no meio do escuro".
A fé foi o seu refúgio: “Deus deu-me força. A minha família esteve sempre comigo: o meu marido, os meus filhos, os amigos. E os médicos foram extraordinários. Tive muito apoio, muita vontade de viver".
Hoje, aos 57 anos, já com a mama reconstruída, Maria fala com muita alegria sobre a sua filosofia de vida: “O passado já foi, o futuro ninguém sabe. Por isso, vivo o presente e tento ser feliz todos os dias. A vida é para ser vivida agora".
Deixa uma mensagem às
mulheres que hoje enfrentam o diagnóstico: “Cabeça erguida. Seguir os
conselhos dos médicos. Ter fé. É uma doença como as outras, mas com
muito mais lições escondidas.”
Glória valoriza cada segundo
Glória Cabecinha tinha 49 anos, quase a completar 50 anos, quando ouviu o diagnóstico. Foi em 2019 quando trabalhava como administrativa. Recorda-se desse dia com nitidez: “Fui ao médico de família porque sentia picadas e dores no peito. Fiz exames e ele disse-me para voltar assim que tivesse os resultados. Entretanto, como estava ausente uns dias, a minha irmã - que trabalha no hospital - levou os exames a uma médica. Quando lá fui, disseram-me que o tumor era maligno”.
O choque foi imediato. “Fiquei em estado de pânico, não queria acreditar. Sempre fui cuidadosa com a alimentação, quase não comia doces, nem punha açúcar no café. Não esperava isto”.
O impacto foi ainda maior por já ter vivido a doença de perto: no ano anterior, a mãe também tinha tido cancro da mama.
“Quando a médica me disse que era maligno, lembrei-me logo da minha mãe. No ano anterior, eu tinha feito exames depois de ela ter sido diagnosticada e estava tudo bem comigo. Foi muito difícil de aceitar, mas o meu marido disse-me logo: ‘Vamos lutar’. E foi isso que fiz”, conta.
Glória começou de imediato os tratamentos. “Disse à médica que queria começar o quanto antes. Fiz radioterapia e quimioterapia. Os momentos mais difíceis eram quando entrava na sala de tratamento. Mas cumprimentava toda a gente, dava sempre ‘bom dia!’ e tentava animar quem estava ao meu lado. As enfermeiras brincavam comigo, e diziam que eu era ‘a animadora da sala”, recorda.
Contou sempre com o apoio da família e dos amigos, mas hoje reconhece que faltou algo importante: “As enfermeiras diziam-me várias vezes que devia procurar apoio psicológico, e eu recusava. Dizia que não era preciso, que tinha o apoio dos meus. Só mais tarde percebi que devia ter aceite: a mente também precisa de tratamento”.
Ao longo do processo, encontrou força em pequenas coisas e em pessoas próximas. “Tive o apoio do meu marido, dos meus filhos, da minha família e de uma pessoa amiga que também tinha passado por um cancro da bexiga. Dizia-me: ‘Vai correr tudo bem’. E isso dava-me coragem".
Hoje, seis anos depois, com 56 anos, Glória continua em vigilância no Hospital do Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada. “Sou muito bem acompanhada. Tenho algumas sequelas, como problemas ósseos, de coagulação e um tumor no ouvido, mas sigo em frente”.
O cancro, diz, mudou a sua forma de viver. “Aprendi a dar valor ao que realmente importa: a família, a saúde, a paz interior. Antes trabalhava demais, impunha-me muitos objetivos. Agora percebo que o mais importante é viver um dia de cada vez".
Glória deixa uma mensagem para quem está a passar pelo mesmo: “Não é uma doença fácil, mas o amor - o dos outros e o espiritual - ajuda-nos a continuar. É preciso acreditar. Vai correr bem".
As histórias de Ana, Maria e Glória são diferentes, mas partilham a mesma essência: coragem, vulnerabilidade e renascimento. Cada uma delas, à sua maneira, reinventou-se após o diagnóstico. Em comum, as três afirmam que deixaram de temer o amanhã.
Outubro é o mês da consciencialização para o cancro da mama. Mas para estas mulheres, a luta e a esperança duram o ano inteiro.