Autor: Lusa/AO Online
“Os Açores são um sítio belíssimo para vir passar férias e quem vem quer ver coisas diferentes. Este é um dos produtos ‘top’ na ilha Terceira. É sem dúvida algo que vai ficar sempre na memória dos turistas”, afirma, em declarações à Lusa, Anselmo Pires, um dos produtores que integram o projeto.
Filho e neto de agricultores, Anselmo tornou-se um dos primeiros produtores de leite biológico em Portugal, em 2017, e quando a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo lançou a Rota do Leite e do Queijo decidiu abraçar um novo desafio.
O projeto arrancou em maio de 2024, mas o produtor só recebeu os primeiros turistas no final de setembro. Desde então, já passaram pelas suas pastagens mais de 500 pessoas.
“Nunca pensei que tivesse tanta afluência de público, mas felizmente está a correr bem e acho que ainda tem muito para crescer”, aponta.
O dia de Anselmo – que a Lusa acompanhou no sábado -, começa pelas 07h00, quando ordenha as vacas, pela primeira vez. Entre as tarefas essenciais para manter a exploração, recebe turistas curiosos para descobrir um mundo diferente do seu.
Às 10h30, chega à pastagem o primeiro grupo, com seis adultos e três crianças. O céu está limpo e ao fundo avista-se a cidade da Praia da Vitória, banhada pelo mar.
Encontram um quadro típico da paisagem açoriana: um manto verde de terrenos divididos por muros de pedra.
As vacas, maioritariamente de raça Holstein Frísia, são malhadas de preto e branco, como é mais comum no arquipélago.
Briosa, de raça Jersey, toda preta, vem esperar os turistas à entrada.
“Quando vê chegar alguém estranho, deixa de fazer o que está a fazer e vem ter com os turistas. Ela está já com a ideia de comer mais alguma ração”, explicou o agricultor.
E prosseguiu: “É muito mansinha. De dois anos para cima qualquer criança consegue ordenhar aquela vaca”.
A exploração conta atualmente com 32 vacas, que Anselmo consegue distinguir e que olham na sua direção quando as chama pelo nome.
Enquanto Briosa se vai aproximando dos turistas, a pedir um afago, o agricultor explica que a ordenha é feita duas vezes por dia, faça chuva ou faça sol, e que as vacas, chamadas de ‘felizes’, desde uma visita presidencial de Cavaco Silva aos Açores, passam 365 dias por ano ao ar livre, com uma alimentação maioritariamente à base de erva.
Respondidas todas as perguntas, é hora de passar à parte mais aguardada pelos mais novos e por Briosa, que já espera no local pela ração.
Anselmo Pires mostra como se ordenha à mão, com a destreza de quem o faz desde criança. Os adultos têm algumas dificuldades em replicar, mas a pequena Maria, de quatro anos, aprende à primeira.
Depois de provar o leite, os aprendizes de agricultores passam ao próximo terreno, onde Meia Lua, uma pequena vitela de dois meses e meio, aguarda ansiosa por um biberão de leite.
É a segunda bezerra da exploração batizada por turistas, depois de Gisele, que recebeu o nome de uma participante que comemorava o aniversário no dia do seu nascimento.
Anselmo já recebeu turistas de África do Sul, América, Canadá, Brasil, França, Eslovénia ou Índia.
Muitos chegam com crianças, mas já houve quem celebrasse aniversários e até despedidas de solteiro na sua exploração.
A visita termina com uma mesa cheia de petiscos. Há sandes de Alcatra (prato típico da ilha), queijo fresco feito com o leite da casa, doces caseiros e enchidos.
O projeto envolve toda a família. Donzília, a esposa do produtor, confeciona os doces e Gabriela, a filha, de 12 anos, faz as explicações em inglês para os turistas estrangeiros.
“Eu não acho que esta vida de vacas seja para mim”, confessa Gabriela, ainda sem saber bem que profissão quer ter.
“Gosto da interação, gosto de saber o ‘feedback’ das pessoas, o que é que elas gostam de fazer”, adianta.
Entre as histórias que coleciona, lembra um grupo de indianos que visitou a exploração e que, no fim, se benzeu com a cauda da vaca.
“A gente não pensava que alguém ia pagar para ver vacas. A minha avó até dizia: eu pagava para não ir”, brinca.
Com quase 80 anos, João Pires, pai de Anselmo, também se junta, sempre que pode, para recordar os tempos em que subia àqueles terrenos a pé ou de burro para ordenhar vacas, quando ainda não existiam máquinas. “Ainda gosto de vir vê-las. Fui criado nisto”, justifica.
Numa vida inteira dedicada à terra, em momento algum lhe passou pela cabeça que a profissão despertasse curiosidade de quem visita a ilha: “Nunca me veio à ideia”.
Para Anselmo Pires, esta é uma oportunidade de os produtores agrícolas terem “algum retorno financeiro” do turismo, que já beneficiava do “trabalho invisível” do setor.
“Os agricultores são os jardineiros dos Açores e toda a gente vem porque quer ver a paisagem, o nosso ordenamento do território, a manta de retalhos. Isto é feito com o trabalho do agricultor”, salientou.
E mesmo quando não havia um produto criado, já havia interesse dos turistas: “Acontecia estarmos a fazer o nosso trabalho, passarem carros com turistas e fazerem-nos algumas perguntas. Alguns já entravam no ‘cerrado’ [terreno] e queriam tocar numa vaca”.
Raquel Marinho, jornalista e autora do ‘podcast’ “O poema ensina a cair”, trocou por uma manhã os livros de poesia pelo contacto com a natureza.
À boleia da filha, descobriu a exploração de Anselmo Pires, onde encontrou um produto ainda genuíno, em que a tradição se conjuga com a contemporaneidade.
“Fomos muito bem recebidos, com muita simpatia e carinho. Não é só uma mostra que já está automatizada pelas pessoas que nos recebem, não é uma coisa muito turística. Gostava de pensar que se vai manter com grupos pequenos para podermos ter esta atenção e esta disponibilidade”, disse à Lusa.
Ainda que já associasse os Açores aos seus produtos lácteos, a visita fê-la despertar para o leite biológico de que Anselmo fala com tanto orgulho.
“Quando chegar ao supermercado já vou olhar para esta marca de leite e vou comprar”, promete.
Também Filipa Silva, advogada em Lisboa, admitiu sair da exploração com outra imagem dos produtos: “Já tinha visto este leite biológico e não sabia o que isto implicava. Agora já se percebe a expressão que tanto ouvimos das ‘vacas felizes’”.
"Acho que a pessoa ao ter este tipo de experiências tem oportunidade de perceber que a produção de um litro de leite que nos chega a casa tem um esforço implícito das pessoas que têm de acordar às 06:00 para vir até aqui, seja quais forem as condições atmosféricas que tenham de enfrentar”, referiu, por sua vez, Pedro Roma.
O casal trouxe Maria para ver as vacas que marcam a imagem dos Açores e para as quais a menina de quatro anos olha fascinada, ignorando a conversa.
“É um paraíso, um outro ritmo, a paisagem, o ambiente. É uma calma que eu acho que não tem preço”, sublinhou Filipa.
De visita aos Açores pela primeira vez, o alemão Kay Hage, a mulher e os filhos gémeos de 10 anos, quiseram participar numa atividade que permitisse ter contacto com animais e com as tradições do arquipélago.
O casal alemão queria também dar a conhecer aos filhos uma profissão com história na família.
“O avô deles produzia leite. Agora está reformado. Há alguns anos produzia cerca 80 mil litros de leite por dia. Ele era responsável por uma quinta com 1.500 vacas”, conta Kay.
Anselmo Pires acredita que ainda há muita gente que passa pela ilha Terceira sem saber que a Rota do Leite e do Queijo existe, mas está confiante no sucesso do produto e que chegará a outras ilhas.
“Eu acho que cada vez vai ter mais aceitação. As pessoas procuram a genuinidade dos produtos, a forma como recebemos. É uma experiência que cria memórias”, referiu.
-
Contentor solidário dos Açores já chegou a Cabo Verde
-
Cultura e Social
Azores Burning Summer regressa ao Porto Formoso