Açoriano Oriental
Bibliotecas têm de dar visibilidade aos autores açorianos

Flávia Medeiros
Autora de estudo sobre Literatura Açoriana para Crianças

Bibliotecas têm de dar visibilidade aos autores açorianos

Autor: Ana Carvalho Melo

“Literatura Açoriana para Crianças” é o tema da sua tese de mestrado. O que motivou a escolha deste tema?
A motivação para a escolha deste tema nasceu de um sentimento de pertença. Quando escrevi os meus primeiros livros, não me detive a refletir se estava ou não a produzir Literatura Infantil. Escrevia simplesmente porque as histórias surgiam de dentro de mim, de forma espontânea e quase inevitável, e sentia uma necessidade imensa de lhes dar corpo no papel, para que não se perdessem na névoa do esquecimento. (...)
Mais tarde, já numa fase de maior maturidade pessoal e intelectual, decidi parar e refletir seriamente sobre este universo da Literatura para Crianças. Não a literatura universal que se estuda em todo o lado, mas aquela da qual eu própria fazia parte, a que nascia da identidade açoriana. Essa reflexão coincidiu com o meu ingresso no mestrado em Arte e Educação, momento em que pude juntar “o útil ao agradável” e transformar a paixão em objeto de estudo académico.

Quais foram os principais desafios metodológicos ao estudar este tema?
O maior desafio foi precisamente a ausência de referências bibliográficas. Não existe uma base teórica específica sobre a Literatura Açoriana para Crianças, o que me obrigou a construir os alicerces a partir de diferentes frentes, nomeadamente “Literatura Açoriana – elementos para uma definição”, “O conceito de Açorianidade”, “Literatura para Crianças – caracterização e perspetivas de análise”, “Promoção da leitura”, “Interesses por grupos etários”, “O papel das bibliotecas”, “O Plano Regional de Leitura”, entre outros.
Outro obstáculo significativo foi a dificuldade sentida no levantamento dos livros para crianças já existentes, muitas vezes dispersos, publicados em pequenas tiragens ou de circulação restrita. Foi necessário um trabalho minucioso de pesquisa, cruzamento de fontes com o que havia nas bibliotecas públicas dos Açores e a criação de uma metodologia flexível, tanto qualitativa como quantitativa, que desse conta do que ia sendo registado.

Que conclusões mais a surpreenderam?
Não houve propriamente espaço para grandes surpresas. (...) O que posso considerar que me causou um impacto menos encorajador foi a postura apática das bibliotecas públicas e escolares perante o livro infantil de proveniência açoriana. Todavia, neste espaço breve de entrevista não pretendo revelar mais acerca das conclusões alcançadas, porque considero que o mais importante é convidar o leitor a acompanhar-me nesta viagem, desvendando, passo a passo, as etapas de uma aventura que, na verdade, está apenas a começar.

Na sua opinião, qual deverá ser o papel das bibliotecas açorianas?
As bibliotecas açorianas deveriam assumir um papel absolutamente central no fortalecimento da Literatura Açoriana para Crianças. Cabe-lhes a responsabilidade de dar visibilidade às obras produzidas localmente, valorizar os autores açorianos e assegurar que as nossas crianças tenham acesso a histórias que refletem a sua própria identidade cultural. É fundamental apostar na criatividade e fazer valer o que temos, ainda que em quantidade limitada. Sem este olhar atento sobre o que já existe, dificilmente se construirá uma estrutura sólida.
As bibliotecas poderiam, e deveriam, estar na linha da frente das ações pedagógicas que aproximam os mais novos destas narrativas açorianas. Atendendo à curta distância geográfica, poderiam criar dinâmicas lúdicas de intercâmbio entre escritores e livros infantis e, porque não?, também entre pequenos leitores açorianos.
Se integrassem e promovessem consistentemente a Literatura Açoriana para Crianças nos seus catálogos e atividades, as bibliotecas não apenas consolidariam esta área, como também contribuiriam para que cada criança se visse representada e reconhecida neste conjunto de livros.

O que significou para si a publicação da sua tese em formato de livro?
A publicação da minha tese em livro representou um marco muito especial na minha trajetória. Transformar um trabalho académico, que normalmente permanece restrito a bibliotecas universitárias, num livro acessível ao público foi, para mim, devolver à comunidade o conhecimento que surgiu a partir dela.(...)

Que impacto espera que este estudo tenha na valorização da Literatura Açoriana para Crianças?
Os livros, de um modo geral, tendem a provocar um efeito positivo na vida das pessoas, e este estudo não pretende contrariar essa tendência. O meu desejo é que essa influência se amplifique e ecoe junto das entidades que mais podem colaborar para o fortalecimento desta temática.
Não me refiro apenas às bibliotecas, já anteriormente mencionadas, mas também às Juntas de Freguesia, Câmaras Municipais, instituições privadas que apoiam e dinamizam projetos educativos, associações de pais e encarregados de educação, escolas de ensino básico e profissional, universidades, bem como autores, ilustradores e mediadores de leitura. Todos, de uma forma ou de outra, têm condições para contribuir para um maior reconhecimento e valorização dos livros açorianos para crianças. Que esse impacto se traduza, igualmente, na dignificação e projeção da Literatura Açoriana para a infância.
A criança recebe aquilo que o adulto lhe proporciona. Por isso, quanto mais acessível for a oferta de livros com identidade açoriana, maiores serão as possibilidades de formar leitores confiantes, curiosos e conscientes da sua herança cultural. O caminho está aberto e, quanto mais alargarmos esse percurso com a colaboração de todos, mais sólido e duradouro será o impacto desta literatura no futuro coletivo da nossa região.

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