Autor: Rui Jorge Cabral
Chama-se ‘Circular Ocean’ e é um projeto internacional vocacionado para a inovação e a implementação de ações-piloto, que depois podem ser replicadas, não só dos Açores, mas também nas regiões parceiras.
E entre estas ações inovadoras está a valorização do lixo marinho, numa perspetiva de economia circular dando, por exemplo, uma nova vida aos plásticos retirados do mar.
O ‘Circular Ocean’ é um projeto de cooperação entre 17 parceiros, que inclui a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e entre várias regiões e países como os Açores, a Madeira, as Canárias, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e o Gana.
Em declarações ao Açoriano Oriental, a bióloga e técnica da SPEA, Ana Mendonça, explica que “estamos a trabalhar com o Governo dos Açores no sentido de implementar um sistema em que seja possível darmos algum destino e tentarmos valorizar todo o lixo que é retirado do mar”.
Uma tarefa que não é fácil, uma vez que “o plástico que nós temos na nossa casa não é o mesmo plástico que é depois retirado do mar. O plástico que é retirado do mar já está degradado”, explica Ana Mendonça, “e é mais difícil de conseguir ser reciclado ou valorizado de alguma forma”.
Nesse sentido, explica a bióloga e técnica da SPEA, “ temos que encontrar caminhos para dar uma segunda vida a estes materiais”, lembrando que “existe algum plástico que pode ser reciclado, inclusivamente plástico que vem do mar. Mas existem outros circuitos em que nós podemos enquadrar estes materiais”.
Por isso, Ana Mendonça questiona: “a solução não passa apenas, unicamente, por reciclar. Passa também por reutilizar. Nós podemos utilizar estes materiais noutras indústrias e, por exemplo, porque não investir no artesanato? Porque não pegar nestes materiais e reutilizar para a construção? Nós temos que ser criativos na busca das soluções e é isto que este projeto também pretende. Motivar o pensamento e a colaboração entre estas regiões”.
A bióloga e técnica da SPEA salienta que os Açores “são a região que produz mais lixo por pessoa no nosso país”, explicando que “isto não tem propriamente a ver só com o nosso comportamento. Tem a ver com o facto de nós estarmos isolados e de haver um grande aporte de embalagens que vêm para cá e que nós de outra forma não teríamos maneira de aceder a esses produtos”. E muitas dessas embalagens acabam no mar.
Perante este cenário, o projeto ‘Circular Ocean’ pretende colocar os seus parceiros em comunicação “com uma partilha de experiências e de conhecimento para se tentar caminhar na direção de conseguirmos resolver o problema, que é um problema que nos afeta a todos, o do lixo marinho”, afirma Ana Mendonça.
O projeto pretende igualmente contribuir para uma melhor gestão dos resíduos, “e é nessa parte da gestão dos resíduos, da recolha e da seleção dos resíduos, e até da sensibilização da comunidade, que entra o trabalho que nós estamos a fazer nas praias”.
E que trabalho nas praias é este? Refira-se que, com o apoio dos municípios de Vila Franca do Campo e da Povoação, em São Miguel, a SPEA está neste momento a trabalhar nas Praias da Vinha d’Areia e de Água d’Alto, bem como na Praia do Fogo, naRibeira Quente.
E conforme explica Ana Mendonça, “o que nós estamos a fazer é uma caracterização destas praias. Estamos a ver quantas pessoas vão às praias e também estamos a quantificar o lixo que é produzido nessas praias”. E os resultados já começam a aparecer: “existem certos resíduos que são mais frequentes e que coincidem também com o que se tem encontrado a nível nacional e também a nível global. Os itens que nós encontramos mais são os plásticos e pequenas embalagens, infelizmente... E plásticos com alguma dimensão, como tampas de garrafa de plástico e mesmo as próprias garrafas de plástico”, lamenta a bióloga e técnica da SPEA. Mas o problema dos resíduos nas praias não se fica por aqui.
Campanha ‘Oceano Sem Fumo’
Conforme explica Ana Mendonça, “encontramos também com muita frequência beatas de cigarro. E, tendo já conhecimento destas situações, este projeto tem previsto também uma campanha focada no descarte adequado das beatas de cigarro”. Isto porque, alerta a bióloga e técnica da SPEA, “infelizmente, qualquer pessoa pode sair à rua, pode olhar para o chão e de certeza que vai encontrar beatas de cigarros no chão. É um problema grave porque a beata de cigarro faz parte do top 10 de resíduos mais encontrados nas praias em Portugal”.
Refira-se que a beata de cigarro, para além de durar muito tempo no meio ambiente, contamina e pode ser ingerida por várias espécies de animais. Além disso, explica Ana Mendonça, “também tem microplásticos, que é um grande problema com que nós nos estamos a deparar cada vez mais quando falamos de lixo marinho”.
Por isso, vai ser desenvolvida uma campanha que se vai chamar ‘Oceano Sem Fumo’, “em que vamos apelar às boas práticas, principalmente a de deitar a beata de cigarro no sítio certo. E vamos também trabalhar esse tema nas praias, vamos fazer várias ações de sensibilização”, afirma Ana Mendonça, revelando que só este ano, no âmbito de três ações realizadas, “já recolhemos mais de 3 mil beatas de cigarro”.
Por isso e para a bióloga e técnica da SPEA, “é importante passar a informação às pessoas que as beatas não afetam apenas os animais. Quando uma beata é arrastada pelo vento até ao mar, ela contamina a água do mar, porque tem produtos químicos, tem toxinas nos filtros, e depois, ao se decompor ao longo do tempo, vai libertar microplásticos também para o mar. E nós sabemos que os microplásticos não ficam apenas no mar”.
Nesse sentido, alerta Ana Mendonça, é preciso defender o oceano que tem várias funções, sendo uma delas a regulação do clima. “Nós, ao estarmos a poluir e a interferir com todos os processos do oceano, estamos a interferir com a capacidade que o oceano tem de nos proteger em relação ao clima. Numa altura em que nós falamos tanto em alterações climáticas, é importante perceber que nós somos os principais responsáveis por tudo o que nos está a acontecer”, conclui a bióloga e técnica da SPEA, lembrando que “80% do lixo que está no mar tem origem em terra e somos nós que estamos a produzir lixo, que depois ou descartamos da forma incorreta ou nunca chega ao seu destino adequado e acaba por poluir o oceano”.