Autor: Lázaro Raposo
Das primeiras coisas que saltam à vista...ou melhor, ao ouvido, é o acervo musical açoriano com que nos presenteiam ao longo do podcast. Foi muito difícil essa recolha musical?
Diogo Lima: Algumas horas de correr a internet, sobretudo. Se fosse um projeto de meses teríamos entrado em contacto com mais pessoas, estudado outros conceitos para episódios, determinado as origens de determinados singles. O Francisco está definitivamente mais batido em correr a internet à procura dessas coisas e tem uma visão mais abrangente da música e cultura das ilhas.
Francisco Lopes: Eu vou parafrasear aqui algo que sub-entendi pelo trabalho do Diogo e agora mais tarde pela convivência com ele: se calhar a grande terapia para vivência agridoce nas ilhas é estar continuamente à procura de novos laços que fortaleçam a nossa ligação com esta terra, independentemente do material de que esses laços são feitos. E, para mim, fazer este tipo de escavação arqueológica contribui para isto. O próprio tema que dá nome ao projeto adicionou ainda mais uma nova dimensão inteira de adoração pelo trabalho do Zeca Medeiros que já não pensava ser possível adicionar.
Em que capelinhas tiveram de ir bater?
Francisco Lopes: O podcast até tem ‘cameos’ de 30 segundos de atores desmedidamente ocupados como o Miguel Damião e o Nelson Cabral a ler textos de trailers falsos de filmes igualmente falsos escritos por amigos como o Francisco Lacerda. Isto só para ilustrar não só em que capelinhas tivemos de ir bater mas também que tipos de pedidos tivemos de explicitar aos capelães.
Alguma ajuda externa?
Diogo Lima: Além de alguns amigos e familiares que ajudaram a dar voz a alguns momentos do projeto, contámos com a ajuda do Henrique Ferreira (ou DJ Milhafre, para os mais familiarizados com o cenário musical de Ponta Delgada). Além de um imprescindível esclarecimento quanto a algumas referências dos anos 90, o Henrique tem uma coleção de vinis de música local extremamente invejável que nos ajudou imenso a enriquecer a oferta musical do projeto, especialmente com temas de artistas açorianos sediados na diáspora. Os autores da época que entrevistámos também nos ajudaram com alguma informação e os arquivos da RTP disponíveis ao público também foram importantes, embora ainda haja algum défice de conteúdo da época disponível online.
Já eram nascidos no início dos anos 90?
Diogo Lima: Eu nasci em 93. Não vim a tempo de apanhar aventuras no mundo da pirataria. As minhas primeiras memórias com rádio vêm com os últimos anos de gravar cassetes áudio mas há muitas coisas que ficaram na cabeça: o mítico jingle do Euromotas, spots publicitários da Nova Cidade, Atlântida e Horizonte ou passatempos de frase-chave a publicitar o comércio local que passavam à tarde. São referências já um pouco distantes desses anos onde a nossa história se centra, mas imprescindíveis para a formação de várias ideias e da estética sonora do projeto num todo.
Francisco Lopes: Eu também já era nascido em 93, mas tenho uma inveja tremenda de amigos que me contam que acompanharam o Barco e o Sonho na televisão ou ouviram o Cruzeiro na rádio. Até muito recentemente, as minhas memórias da RTP Açores eram os diretos do Campo São Francisco e as memórias da rádio eram praticamente inexistentes. Na verdade, é provável que isto esteja na base de uns mecanismos de compensação ainda mal explicados que justificam estarmos a andar às voltas destes tempos e dessas temáticas.
Para uma rádio pirata, ainda conseguiram nomes bem sonantes para
entrevistar. Foi díficil convencê-los? Fazê-los vestir o personagem?
Francisco Lopes: O mais difícil na verdade foi convencer-me a mim
próprio que era justificável estar a chatear artistas como Luís Gil
Bettencourt, às tantas da noite, e em dias de semana. Quanto à segunda
parte da pergunta, é importante relembrar que, por
exemplo, o Luís Alberto Bettencourt, para além de músico, também andou a
carregar câmaras por essas produções milenares da RTP Açores e como tal
já se esqueceu mais sobre ficção e personagens do que nós os dois
aprendemos até agora. Estamos imensamente agradecidos
pela disponibilidade de toda a gente envolvida.
Diogo Lima: Ideias
para mais até pode haver, mas este é o tipo de trabalho que, feito
de livre vontade, implica um investimento de tempo demasiado grande
para o que diria estarmos dispostos a dispender. O podcast foi
desenvolvido em simultâneo com o tal filme que estivemos a produzir
para o Walk&Talk, pelo que fazer quatro episódios até foi um
feito grande para duas ou três semanas de trabalho intensivo
nisto.
Francisco Lopes: E não querendo estar a bater
nas mesmas teclas de questões que já parecem pré-socráticas, não
ter orçamento para poder remunerar toda a gente que contribuiu para
esse podcast é outro dissuasor bastante grande.
Achei o
podcast excelente, na forma e no conteúdo. Foi a vossa missão desde
o início? Divertir, mas simultaneamente relembrar grandes temas,
entretanto "esquecidos”?
Diogo Lima: A nossa
intenção parte de uma profunda admiração por ícones e
referências desse tempo, mas a coisa fica por aí. Sempre foi mais
importante para mim explorar o conceito de forma bem-humorada,
despretensiosa e, se necessário, espetar lá ideias da nossa cabeça
do que exercer alguma função de serviço público - até porque,
para jovens nascidos nos anos 90 e com as condições que tivemos
para desenvolver isto, a nossa autoridade é bastante limitada para
fazer algo deste género. Lançar este podcast como sendo uma
representação fiel da realidade da altura seria
irresponsável.
Francisco Lopes: Da minha parte,
deixa-me sempre um pouco desiludido que as referências culturais
açorianas - quer referências mais soturnas quer referências com
tons mais satíricos - parecem já ter sido escritas na pedra há
alguns anos. A Susana Coelho é uma voz que ainda hoje deveria estar
a assombrar o léxico musical do arquipélago e do outro lado do
espectro, o Marc Dennis tem todo o potencial andar ombro a ombro com
o Marante no grande campeonato de música de ligeira portuguesa. O
máximo que podemos fazer é arrastar essas referências para o nosso
trabalho.
Que outros projetos vos tiram o sono atualmente?
Diogo Lima: A verdadeira dor de cabeça no meio disto tudo há-de acabar a meio do ano com a estreia do nosso filme - OS ÚLTIMOS DIAS DE EMANUEL RAPOSO - um documentário falso sobre uma estrela da televisão pública açoriana em fim de carreira que vai um bocado mais longe na ideia de explorar o imaginário audiovisual das ilhas na década de noventa. Estreará algures em julho em São Miguel e queremos que seja visto um pouco por todo o arquipélago a partir daí.
Francisco Lopes: Para
complementar o que o Diogo disse, eu percebo que público para humor
conceptual com referências a limões galegos e a Fall River seja um
mercado bastante de nicho, mas também me atormenta um pouco que a
"Pedrada no Charco" tenha ficado um pouco perdida no éter.
E entrevistas como esta deixam-me esperançoso que o podcast possa
vir a ter uma segunda vida. Portanto, duplico os meus agradecimentos
pelo convite.