“As oportunidades que me têm surgido têm sido realmente muito enriquecedoras”

Raquel Dutra. Não se vê a substituir a sua carreira na enfermagem pela música porque as duas a completam. Diz que trabalhar em projetos em comum de música, é “sempre muito enriquecedor”. Em 2012 lançou o álbum ‘Cantos do Mar e da Terra’, que vai ter continuidade agora, com um novo trabalho a ser lançado ainda este ano, “previsivelmente no último trimestre do ano”




Natural de Ponta Delgada, Raquel Dutra teve uma infância feliz, muito ligada ao irmão, “temos uma diferença de idades de 22 meses”, mas também à restante família. Teve o privilégio de “passar muitas vezes, férias com o meu irmão e os meus avós, no Nordeste, de onde eles são naturais, e tenho muitas memórias que me fizeram a pessoa que sou hoje, com valores que, se calhar, de outra forma, não teria”.

A música sempre fez parte do seu contexto familiar, “sempre ouvimos música, mas a minha família, do lado materno, era mais apreciadora/ouvinte. Do lado paterno, eram mais ligados à execução, com tradição relacionada com a filarmonia”, conta-nos. Diz que “o meu avô paterno foi maestro de filarmónica muitos anos. Portanto, era normal ir à casa dele e ver as partituras em trabalho, ouvi-lo trautear frases musicais ou pedir ao meu pai uma opinião sobre determinado concerto ou sobre o trabalho que estava a desenvolver”.

Raquel Dutra teve uma “breve passagem pelo Conservatório Regional de Ponta Delgada, já com 16 anos. Na altura, queria ingressar em canto, “mas ainda não tinha a voz madura, então estive em guitarra clássica”. Fez um ano no Conservatório e depois dedicou-se aos seus estudos, mas ficou sempre com vontade de voltar. Regressa “quando vou ingressar a minha filha no Conservatório”.

Conta-nos que tem uma relação mais profissionalizante na música “depois de ter passado pela tuna que ajudei a fundar, a Enf’In Tuna. Foi aí que comecei a concorrer para prémios de melhor solista. Depois percebi que já estava a arrecadar alguns prémios e “com muito incentivo do meu marido, comecei a tocar e a cantar fado mas, ligando-me sempre ao cancioneiro açoriano”.

Confessa que não se vê a substituir a sua carreira na enfermagem pela música ou vice-versa, “por uma questão prática e realista”, também porque “encontro muita satisfação pessoal, diária, naquilo que faço como enfermeira. Sinto uma gratificação imediata e direta por sentir que faço a diferença na vida das pessoas, que posso fazer essa diferença”. Portanto, “não dispenso uma e outra. São as duas partes de mim”. Por outro lado, “ainda é difícil e muito desafiante para uma pessoa, na região, viver só e exclusivamente da música”.

Em 2007 inicia a sua atividade musical a solo e em 2012 lança o álbum ‘Cantos do Mar e da Terra’, que “vai ter continuidade agora, com este novo trabalho que estamos a finalizar. A parte musical já está toda registada, faltam apontamentos vocais e todo o trabalho de edição para ser lançado ainda este ano, previsivelmente no último trimestre do ano”.

Entre o seu primeiro trabalho e este novo, passaram-se alguns anos, porque pelo meio “colocou-se a vida”, disse com boa disposição, explicando que “tive duas filhas, criá-las e ser mulher. Levar um sonho adiante, por vezes, pode ser desafiante. Mas tenho uma família incrível, que me apoia e está sempre ao meu lado quando penso em qualquer projeto. Às vezes até tenho medo de pensar, porque do pensamento à ação, sei que pode ser um passo muito rápido”, destacando que, se não fosse o “apoio da minha família: do meu marido, dos meus pais e sogra, das minhas filhas, não seria fácil ter feito os projetos que tenho feito até aqui. Ter-me reinventado tantas vezes, e integrado trabalhos tão diferentes... Tenho a música muito presente na minha rotina e nem sempre só a cantar e a fazer espetáculos, desenvolver técnica vocal, organizar trabalho e concretizar os projetos que temos entre mãos, exige muitas horas de estudo, ensaios e trabalho de casa”.

Este novo álbum de Raquel Dutra para além de complementar o anterior, “vem trazer ao conhecimento e à luz da descoberta, trabalho que está registado em arquivo e que de outra forma não teria vida”, adianta. “A música existe e estamos a instrumentá-la, fazendo arranjos próprios, para dar a conhecer um pouco mais da tradição e até da vivência açoriana noutros tempos, nestas ilhas. Estou a ler o trabalho de Raul Brandão, ‘As Ilhas Desconhecidas’, enquanto vou fazendo essa viagem e percebo uma descrição - na altura que estes arquivos foram escritos – que retrata muito bem aquilo que é o cenário das ilhas numa vivência no fim do século XIX”, disse-nos. “Penso que é quase como voltar às nossas origens, perceber onde temos as nossas raízes, em termos de cultura açoriana. É um trabalho que tem sido incrível, faz-me sentir e criar uma identidade açoriana mais enraizada e mais construtiva, e que gostava que outros partilhassem comigo”.

Para Raquel Dutra a maior dificuldade na sua vida artística é “lidar com as expectativas das pessoas e fazer o público reconhecer o valor do trabalho musical. (…) mas quando somos inspirados por aquilo que fazemos, quando acreditamos e gostamos do que fazemos, isso é o motivo suficiente para continuar o nosso trabalho”. Refere ainda que “não sentia muito isso como uma necessidade, mas a verdade é que quando ingressei no conservatório, descobri potencialidades que nem sabia que tinha e que me ajudaram a crescer no instrumento que é a minha voz, e que, se não tivesse passado por lá, não teria evoluído como sinto que evoluí desde então”. 

Pisar um palco, seja qual for, é “sempre um desafio. Tenho sentimentos que se diferenciam consoante aquilo que vou fazer porque já fiz trabalhos em registos muito diferentes e acho que exploro a minha plasticidade vocal até… ao seu limite”. De acordo com Raquel Dutra “todas as oportunidades de crescimento que me possibilitaram estar ao lado de grandes músicos e artistas que admirava, foram sempre momentos em que me senti realmente muito realizada”. Exemplifica com o trabalho de tributo a Andrew Lloyd Webber, com excertos da peça do ‘Fantasma da Ópera’, no Coliseu Micaelense, bem como “poder partilhar o palco com a Helena Oliveira no espetáculo ‘Cravos D’Aqui e D’Acolá’, e com outros cantautores açorianos, foram sempre momentos muito especiais. No nosso trabalho, levá-lo a outras ilhas, também foram sempre momentos marcantes”. Igualmente, o lançamento do seu primeiro trabalho, afirma que “foi muito gratificante ver que esgotámos a sala do Teatro Micaelense. No palco estava eu e os dois músicos que me acompanhavam, o Adílio Soares - que ainda me acompanha na viola da terra - e o meu pai, Jorge Dutra. Éramos só os três perante um auditório completo. Foi muito, muito bom”. Claro que foi “um incentivo à continuidade do nosso trabalho. Hoje em dia, recebemos muitas manifestações diretas de reconhecimento pelo nosso trabalho, porque nas redes sociais há a possibilidade de ter esse retorno no imediato. Recebemos muitas mensagens de carinho, de pessoas de várias localizações geográficas”. Enaltece que partilhar o palco com os músicos da Orquestra Ligeira de Ponta de Delgada é, igualmente, sempre gratificante, porque eles são executantes brilhantes! Este é um projeto que “também acompanho como vocalista e tem sido muito bom. As oportunidades que me têm surgido têm sido realmente muito enriquecedoras”.

Um dos objetivos que gostaria de ver concretizado “era poder levar a nossa música, a música dos Açores, a todas as ilhas”. Sendo que, com este seu segundo trabalho de cancioneiro, “uma das pontes que queremos criar é com a diáspora e as nossas comunidades da saudade”. Gostava ainda de “fazer concertos internacionais e de ter mais oportunidades para partilhar o palco e experiências musicais com profissionais da música que me inspiram. Trabalhar em projetos em comum, é sempre muito enriquecedor e, felizmente, é isso que estamos, de momento, a fazer, para o nosso espetáculo “Cantar Açores: do Terreiro ao Palco”, que será apresentado no dia 5 de julho na noite açoriana do Festival “Música no Colégio”, finaliza.

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O mau tempo nos Açores causou hoje 30 ocorrências nas ilhas de São Miguel, Terceira, Faial e Pico, situações relacionadas com quedas de árvore e de estruturas e derrocadas, sem vítimas a registar, adiantou a Proteção Civil açoriana.