Açoriano Oriental
“Dentro de um sismo na Turquia”, o relato de quem testemunhou a reconstrução de uma comunidade

Alexandra Menezes, é Psicomotricista, natural da ilha Terceira e com Pós-Graduação em Gerontologia Avançada pela Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa. É atualmente diretora técnica das valências sociais e coordenadora dos projetos para pessoas idosas na Casa do Povo de Santa Bárbara da Ilha Terceira, com percurso ligado ao voluntariado.De 06 a 15 de março de 2023, integrou, a convite, a 2ª equipa portuguesa na missão humanitária da Organização Não-Governamental (ONG) Together Internacional, na província turca de Hatay.


“É impossível não ficarmos impressionados e sentidos com isto, até porque quem é açoriano sabe que esta é uma realidade que deve nos manter preparados e conscientes dos riscos”.

“Dentro de um sismo na Turquia”, o relato de quem testemunhou a reconstrução de uma comunidade

Autor: Tatiana Ourique/AO Online
Como surge a oportunidade de integrar esta comitiva de voluntários?

Esta oportunidade surge na sequência do trabalho realizado pela 1ª equipa da ONG Together Internacional - Portugal, onde integrou um médico especializado em intervenção em catástrofes, Ricardo Bórdon (CUF), e também com um Assistente Social e Professor na Universidade dos Açores, Eduardo Marques, duas semanas após os sismos.

Nesta 1ª missão da ONG Together Internacional na Turquia, a primeira abordagem consistiu em apoiar na criação de condições para levar para o terreno a reconstrução de centros comunitários de apoio psicossocial, sendo que é aí que se colocam mais desafios, dado a necessidade de aproveitar as forças da comunidade e promover a sua resiliência face à tragédia.

Perante a inexistência de respostas na área dos adultos, nomeadamente das pessoas idosas, surgiu a oportunidade de dar apoio a este público, no sentido de integrar a equipa no local e dar resposta através de um plano de atividades de apoio psicomotor. Ao integrar a 2ª equipa portuguesa, e após chegar ao local, é desenvolvido um conjunto de ações terapêuticas, nomeadamente junto das mulheres, considerando a inexistência de respostas de apoio ocupacional.

O que encontrou à chegada à Turquia?

Na chegada a campo há um sentimento de medo de: ”e se…não conseguimos ser eficientes na ajuda? E se a barreira da comunicação for insuperável?…e se…” Chegar a um campo provisório de desalojados é sentir de imediato um respeito por todas as pessoas com quem tu te cruzas. Perderam a sua casa, familiares, vizinhos, negócios. Como te atreves a falar? Perguntava ao meu colega português, de forma ansiosa: “o que fazemos agora?” Ele apenas disse: “…para, observa e espera. Tudo decorrerá a seu tempo.”  Chegamos pelas 07h30 da manhã, e após a primeira refeição, participamos num briefing onde discutimos com a equipa local, quais as ações que devem, ou não, ser realizadas durante este período de missão humanitária.

O primeiro acolhimento local, é feito pela incansável médica de campo, Dra. Adalat, que integra a equipa de gestão de campo. Rapidamente, o sentimento de “estamos todos cá para o mesmo” fez-se sentir. Antes de começarmos a trabalhar, é importante que a nossa atitude seja de escuta ativa, de registo para que não sejam dados “passos em falso” dentro de um campo que se encontra ferido emocionalmente.

Partimos para campo, sediado na Expo de Hatay. Conhecer a sua dinâmica, espaços, atividades, organização, e voluntários de outras organizações, fez parte do 1º dia de campo.

Neste primeiro dia de campo, nem me lembrei que era o dia do meu aniversário.

Mas um povo que perdeu tudo, preocupou-se em dar-nos tanto. O coração gela quando alguém te oferece um jantar, numa casa que não é casa, depois de passado 1 mês, ter perdido 11 familiares. Como é que é possível? (Foi a frase mais repetida provavelmente entre mim e os meus colegas portugueses).

A resiliência deste homem que nos ofereceu o jantar, representa todas as pessoas turcas que conhecemos: depois de perderem tudo, deram-nos sempre o dobro. Nesse momento já me sentia parte de uma família que partilhava a mesma dor e esperança num futuro melhor.

Por quantos elementos era composto o vosso grupo?

Éramos 3 elementos portugueses. Fez parte da 2ª missão portuguesa: Dr. Ricardo Bordon - médico especializado em intervenção em catástrofes (CUF); Dr. Rui Alberto Silva - especialista Gestão de Emergência, Catástrofes e Crises Humanitárias (ISO-SEC) e eu.

As imagens que vimos pela televisão fazem jus ao real cenário de destruição?

Sim, sendo que a televisão não acompanha a dimensão da catástrofe. São quilómetros de destruição, comunidades totalmente arruinadas sem possibilidade de recuperação. Os edifícios que se mantém de pé, estão todos fissurados, cheios de rachas, prestes a colapsar.

Um aspeto que te tenha apaixonado na experiência?

Até ao meu regresso, confesso que a partilha desta experiência, foi bastante debatida na minha consciência. Por dezenas de vezes ouvi: “Que experiência espetacular…deves vir de coração cheio…” mas na verdade, não é esta a frase que queres ouvir. Chegamos novamente à rotina com um sentimento de insuficiência, de trabalho inacabado, face à quantidade de necessidades e de pessoas a necessitarem da nossa ajuda. Para todo o trabalho que é necessário, as organizações, os recursos e acessibilidades são insuficientes para desenvolverem ações terapêuticas de apoio à população. Paralelo a este sentimento, esta é uma experiência de vida que, num período mais longo, permite adquirir conhecimentos de como agir e apoiar populações em situações de catástrofes ou crises humanitárias.

Quantos dias durou esta experiência?

A missão é preparada para um período de 10 dias. Ambas as equipas consideram que o tempo é insuficiente para tanto o que tens para fazer nestes campos provisórios de desalojados.  São centenas de pessoas, com centenas de necessidades, onde necessitas de estar por completo sempre que estás envolvido nas ações terapêuticas com as pessoas envolvidas. E sendo um do obstáculo a comunicação, onde muitas das pessoas com quem me cruzei não dominam o inglês, observamos que o amor é a língua mais universal, entendida por todos independente da religião ou cultura. Há sempre um voluntário turco com domínio de inglês que rapidamente se disponibiliza para colaborar na tua ação e ser facilitador na comunicação. Além disso, as aplicações tecnológicas com tradutor são ferramentas essenciais, na eventualidade de necessitarmos de comunicar de forma mais imediata sem a presença de colegas turcos.

Ficou a vontade de regressar?

Sim. No regresso, o coração vem vazio. E a alma também. Há uma entrega por inteiro a um país onde fazemos quilómetros a ver destruição de cidades irrecuperáveis depois de um sismo a 6 de fevereiro de 7.8 e de 7.6 que afetou milhões de turcos. Como açoriana, encontramos laços. A distância não é assim tão grande. É impossível não ficarmos impressionados e sentidos com isto, até porque quem é açoriano sabe que esta é uma realidade que deve nos manter preparados e conscientes dos riscos.

Que mensagem gostarias de deixar aos jovens que pensam fazer o mesmo tipo de voluntariado?

Este é um voluntariado de responsabilidade. Não é um “volunturismo” no qual um voluntário, na sua inerente vontade de partir numa missão de ajudar comunidades desfavorecidas sobretudo em países em desenvolvimento, acaba por tirar partido da viagem para se aventurar e conhecer um destino. Este é um voluntariado que exige muita responsabilidade, formação profissional, domínio no inglês, competências interpessoais, com espírito humanitário e capacidade para trabalhar num ambiente multicultural, em parceria com as organizações locais e demonstrando respeito pelas especificidades culturais do local onde está inserido. O voluntário deve estar preparado para que seja integrado nos planos terapêuticos dos Centros Comunitários provisórios, e realizar formação antes de partir para a Missão Humanitária.

A ONG Together Internacional, foi a entidade responsável pela minha missão humanitária enquanto voluntária.  Com sede na Holanda e representação em Espanha e Portugal, esta organização atua na Turquia no âmbito da resposta internacional coordenada pelas Nações Unidas, sendo responsável por acompanhar e preparar todos os procedimentos necessários para integrar o trabalho no local. Atualmente, uma das missões da ONG é estabelecer uma série de Centros Comunitários em áreas afetadas em Iskenderun, prestando serviços, tais como apoio psicológico e educacional.
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