Autor: Ana Carvalho Melo
A história de João Medeiros Silva começa entre o som do mar e o cheiro do restaurante familiar no Porto Formoso, em São Miguel. Desde cedo, o restaurante da sua família fez parte do seu quotidiano. Enquanto outros miúdos brincavam nas ruas da freguesia, João e os seus irmãos ajudavam os pais no restaurante Cantinho do Cais. Essa rotina, mais do que uma obrigação, foi uma escola de vida: ensinou-lhe disciplina, sentido de responsabilidade e resiliência.
“Nasci e cresci no Porto Formoso. Os meus pais tinham um restaurante e sempre trabalhei juntamente com os meus irmãos. Sinto que essa experiência foi muito importante para ganharmos maturidade e capacidade de trabalho”, conta.
Mas foi em casa, e não na escola, que nasceu a sua paixão pela ciência. “Eu diria que aquilo que me chamou à ciência foi o ensino que a minha avó me deu em casa”, recorda, explicando que a avó Ludovina, antiga professora primária na freguesia, o ensinou a aprender com as mãos e com os olhos.
João Medeiros Silva, que só mais tarde descobriria ter défice de atenção (ADHD) e um tipo de dislexia, recorda com carinho o modo criativo como ela o ajudava a compreender o mundo. “Ela agarrava em materiais e tentava fazer-me visualizar os conteúdos. Se fosse um trabalho de casa em Ciências, íamos ao quintal olhar para as plantas ou para as patas dos animais. Foi assim que aprendi a desmontar os problemas”, lembra.
Essa curiosidade experimental tornou-se a base de uma mente científica. Mas o seu caminho não foi fácil.
“Os professores mostravam-se preocupados com o meu sucesso escolar no futuro, especialmente no secundário”, recorda, salientando que, em vez de desanimar, transformou cada obstáculo em motivação. “Em vez de desistir, compensei as minhas dificuldades com trabalho e esforço. Enquanto muitos colegas tinham mais habilidade, eu compensava a falta de talento com trabalho”, acrescenta.
E o tempo mostrou que tinha razão. Concluiu o secundário na Escola Secundária da Ribeira Grande e entrou na Universidade Nova de Lisboa, não na sua primeira opção, mas naquela que mudaria o rumo da sua vida.
“Entrei em Bioquímica na minha sexta opção, e ainda bem que assim foi, porque foi em Bioquímica que consegui empregar melhor as minhas qualidades e os meus talentos”, afirma.
Ainda estudante, pediu para trabalhar num laboratório de investigação, por iniciativa própria. Essa experiência prática deu-lhe o que chama de “entendimento profundo da teoria”. O seu empenho rendeu-lhe uma bolsa de investigação para a tese de mestrado na Universidade da Beira Interior, na Covilhã, onde publicou dois artigos científicos em seis meses, um feito notável para um jovem investigador.
E foram esses artigos que chamaram a atenção de um cientista holandês, que o convidou a fazer o doutoramento na Universidade de Utrecht, na Holanda.
“Foi assim que fui para a Holanda. Adorei quase tudo: as pessoas, a eficiência, a forma direta como comunicam… só não gostei tanto da comida”, revela.
A Holanda trouxe-lhe maturidade e novas competências científicas. Foi neste país que desenvolveu técnicas de ressonância magnética nuclear para estudar proteínas das membranas celulares.
Quando surgiu a pandemia de covid-19, o destino voltou a intervir.
“Procuravam alguém que soubesse estudar proteínas de membrana e foi assim que cheguei ao MIT”, explica.
No Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Cambridge, João Medeiros Silva aplicou as suas técnicas para investigar uma proteína crucial do coronavírus, o que permitiu descobrir “como essa proteína causa inflamação. Ao descrever a sua estrutura molecular, abrimos caminho para desenvolver novos fármacos contra a covid-19, e combater outras epidemias no futuro.”
Mais tarde, com o trabalho consolidado, criou o seu próprio projeto de investigação, unindo as duas margens do Atlântico.
“Tive a ideia de estudar proteínas de organismos que crescem nas fumarolas das Furnas. Contactei a Universidade dos Açores e daí nasceu uma colaboração”, explica.
Através do programa MIT Portugal, João Medeiros Silva começou a construir pontes entre a ciência feita em Boston e o conhecimento açoriano.
“O objetivo não é só fazer investigação, mas também investir na divulgação científica e inspirar jovens em Portugal, através do Native Scientist, que é um programa que leva os investigadores à sua cidade natal para mostrarem o seu trabalho enquanto cientistas ”, descreve.
Mesmo vivendo nos Estados Unidos, João Medeiros Silva mantém-se ligado à sua terra, às pessoas, aos cheiros e às memórias do restaurante dos pais.
“Quando vou à ilha, tento descansar, mas se os meus pais estiverem atrapalhados, vou ajudar sem problema”, afirma.
Sobre o sucesso, fala com humildade: “Não chego a São Miguel a dizer ‘eu sou do MIT’. Sou uma pessoa normal. Tive trabalho e sorte. O importante é transmitir as coisas boas para motivar os outros.”
Hoje, João Medeiros Silva continua o seu percurso de cientista, movido pela mesma curiosidade que a avó Ludovina lhe ensinou no quintal, mas inspira-se em figuras como Michael Faraday e James Clerk Maxwell.
“Foram cientistas com origens humildes que, com persistência e fé, revolucionaram a ciência. Identifico-me muito com isso”, realça.
E deixa um conselho aos jovens que, como ele, vêm de pequenas ilhas e têm grande sonhos: “Não precisam de ser os melhores da turma para terem sucesso. Com trabalho, persistência e fé em si próprios, tudo é possível”, defende.
Nesse sentido, revela ter um forte compromisso em transmitir o seu sucesso à comunidade açoriana, porque considera que, ao “transmitir às outras pessoas as coisas boas que vêm do meu sucesso”, está a contribuir para que haja “um certo desenvolvimento [...] também na ilha”.