Açoriano Oriental
Sociedade
Apenas vinte cegos sabem ler em braille nos Açores
Existem cerca de três mil deficientes visuais na Região, mas apenas uma minoria consegue ler em braille. O facto deriva da falta de professores especializados
Apenas vinte cegos sabem ler em  braille nos Açores

Autor: Luís Pedro Silva
A falta de professores especializados em deficiência visual impossibilita a formação de leitura em braille para os cegos residentes nos Açores.
Segundo os dados recolhidos por Virgínio Bento, presidente da delegação açoriana da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO), existem “cerca de três mil cegos nos Açores, mas apenas 20 sabem ler em braille”. O resultado é uma percentagem confrangedora de 99,33 por cento dos cegos dos Açores que não sabem ler em braille.
Virgínio Bento garante que “faltam professores especializados na área da deficiência visual nos Açores”, explicando que os poucos professores que existiam “entraram na reforma” e actualmente “apenas conhece dois professores especializados para os cegos”. Um reside em São Miguel e outro na Terceira. “É pouco para uma região grande e dispersa”, sublinha o responsável da associação.
A falta de apoio na formação dos deficientes visuais “é um problema do Governo Regional”, assegura Virgínio Bento.
A escrita em braille permite aos cegos através do tacto reconhecer o conteúdo dos textos.
O presidente da delegação regional da associação de cegos frisa ser “muito importante saber ler em braille. Se não pudermos ler, ficamos ignorantes”, reconhece Virgínio Bento, pedindo condições de igualdade para o acesso à cultura e informação. Uma das dificuldades sentidas pelos deficientes visuais está relacionada com o facto das cartas emitidas por entidades públicas, como por exemplo as Finanças ou os Tribunais, não serem enviadas em braille.
“Se não conseguirmos a ajuda de alguma pessoa para ler a carta, podemos faltar aos nossos compromissos e levar uma multa, sem culpa nenhuma”, conta, solicitando ao governo “soluções para permitir aos cidadãos cumprir as suas ordens”.
Virgínio Bento considera que o governo apenas “pensaria nestes pormenores se vivessem as dificuldades dos deficientes visuais, mesmo que fosse apenas por um dia para dar valor às dificuldades sentidas por um cego”.
O responsável da ACAPO defende que a formação dos deficientes visuais deverá ser efectuada em escolas públicas “para não provocar o isolamento das pessoas com deficiência. Não queremos ser diferentes dos outros, mas queremos condições. Por exemplo, uma esferográfica custa cerca de 10 a 20 cêntimos, mas uma máquina de escrever em braille, que é a esferográfica dos cegos, custa cerca de 1300 euros”, destaca.
O representante da ACAPO solicita que a formação também seja transmitida à população, através da RTP-Açores, para se mostrar as técnicas de abordagem e encaminhamento de um deficiente visual na rua. “As pessoas ficariam a saber como podiam ajudar um cego”, conclui.


Cegos têm medo de andar em Ponta Delgada
A dificuldade com a formação especializada também é um entrave para a mobilidade dos cegos nos Açores.
Virgínio Bento afirma haver muitos cegos “com medo de andar em Ponta Delgada”, porque não receberam formação para andar com a bengala.
“Há falta de técnicos para ensinar a andar de bengala. Lembro-me que há cerca de vinte a trinta anos, o Governo Regional pagou a uma pessoa para dar formação de mobilidade e actualmente nenhuma dessas pessoas dá formação aos cegos”, recorda o presidente da ACAPO.
O facto de não haver apoios para realização de acções de formação, impede que mais cegos circulem na rua.
“As pessoas não recebem formação de mobilidade para saber como andar na rua e, por isso, raramente circulam na via pública”, explica.
Quando os cegos circulam na rua, enfrentam a dificuldade de haver frequentemente carros em cima dos passeios, sinais de trânsito colocados demasiado baixo em cima do passeio e obras mal sinalizadas.
“Existem muitas obras efectuadas por Câmaras Municipais e pelo Governo Regional  que não ficam devidamente protegidas para os cegos”, afirma.
A existência de sinalização deficitária resulta em situações “onde os cegos se arriscam a cair”.
“Há várias armadilhas no nosso dia-a-dia com carros em cima dos passeios, e  muitos deficientes visuais  ficam com medo de andar na rua”, salienta o responsável da ACAPO.
Virgínio Bento conta que é preciso ter muita coragem para uma pessoa sair à rua e solicita “a todos os indivíduos para pensarem nos deficientes visuais quando estacionam o carro em cima do passeio”.
O responsável da associação conta que os cegos “sofrem poucos acidentes, porque são poucas as pessoas com coragem para andar na rua”.


Instalações da ACAPO necessitam de apoios
A sede da Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO), em Ponta Delgada, apresenta um avançado estado de degradação, com caixas de electricidade abertas, grandes manchas de humidade, uma porta arrombada na sequência de um assalto, uma casa de banho que não funciona e um ginásio com máquinas bastante antigas.
Virgínio Bento mostra as condições da associação e pede a intervenção do governo para reunir os apoios necessários para efectuar as obras de melhoramento.
“As imagens mostram a realidade, agora as pessoas que tirem as conclusões sobre este espaço”, frisa o presidente da ACAPO durante a visita do Açoriano Oriental.
Virgínio Bento explica ser necessário efectuar algumas obras de melhoramento na sede e solicita a intervenção das entidades públicas.
O responsável da ACAPO explica que “está a ser realista” e apenas fala para a melhoria das condições para os deficientes visuais.
“Peço desculpa aos representantes das Câmaras Municipais e Governo Regional, mas apenas estou a falar para o bem de todos”, sublinhou.


Presidente da ACAPO há 13 anos
O presidente da ACAPO, Virgínio Bento, natural da Freguesia de Ponta Garça, com 46 anos, concluiu o 7º ano na escola de educação especial.
Chegou a ser vogal da Câmara Municipal de Ponta Delgada e dirige a delegação regional da ACAPO em Ponta Delgada há 13 anos.
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