Açoriano Oriental
​Uso as artes para provocar a reflexão sobre temas que nos dizem a todos

Margarida Andrade, artista, apresenta no Arquipélago uma viagem que construiu a partir dos Açores sobre a possibilidade de uma 10.ª ilha e de uma civilização que a habita


​Uso as artes para provocar a reflexão sobre temas que nos dizem a todos

Autor: Ana Carvalho Melo

Tem patente, até ao dia 22 de janeiro, no Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas a exposição “No futuro também se usavam pincéis”. Como foi construída esta história?

A história que dá o mote à exposição é, na realidade, a história do livro “A Décima Ilha”, inserido na exposição, e foi criada em 2020 em plena pandemia.

O livro retrata uma realidade futura num Planeta que, apesar de ser o nosso, está irreconhecível, como consequência da exploração excessiva da espécie humana. A história centra-se num grupo de navegadores que decide fazer uma viagem a uma ilha desconhecida na esperança de encontrar os grandes deuses do Planeta na altura. Entre erupções vulcânicas, sismos e outras peripécias, o grupo é surpreendido por um conjunto de cerâmicas cujas ilustrações lhes fazem repensar o seu modo de vida. Esta reflexão é algo recorrente na minha vida.

A exposição, e tudo o que a constitui, é a minha forma de contagiar outras pessoas a fazerem reflexões semelhantes e a história é uma forma leve, mas irónica e satírica, de convidar as pessoas interessadas a pensarem nos seus hábitos e no potencial impacto que estes têm na nossa vida e na do Planeta.  As cerâmicas presentes na exposição são as cerâmicas encontradas pelos navegadores, no futuro. É um jogo entre espaços-tempo.


A narrativa desta exposição é apresentada através de diferentes meios - cerâmica, literatura e desenhos. Como é que eles se ligam?

A literatura foi, para mim, a ferramenta ideal para partilhar a história que tinha guardada na cabeça. A partir dela, surgiram os desenhos e pinturas. A cerâmica, por ser um meio com o qual estou menos familiarizada, veio depois. Na realidade, a cerâmica surge como necessidade de construir, fisicamente, as peças descritas no livro. Tendo isto em conta, é o livro - a história - que faz, de forma natural, a ligação entre os diferentes meios.


O que a motiva a explorar estes diferentes meios?

É curioso porque sou artista de formação. Estudei Pintura na Faculdade de Belas-Artes, pelo que o natural seria explorar maioritariamente a pintura, o desenho... Há, contudo, algo essencial na minha prática, penso eu, que é a componente política. Uso o que, para mim, é a forma de comunicação mais fácil e prazerosa, as artes, para cumprir com o meu dever enquanto cidadã, contribuindo para o debate público através da reflexão de problemáticas que nos dizem a todos.

No caso deste projeto em específico, por partir de uma história que inventei, obrigou-me a recorrer a meios como a literatura e a cerâmica. Não sou, contudo, especialista em qualquer um dos dois. Leio muito e a cerâmica sempre me atraiu, mas foi a história da “A Décima Ilha” que me fez arriscar na sua exploração.


Juntamente com esta exposição, foi lançado o livro “A Décima Ilha”. De que forma a escrita também é importante para si?

A obra foi a primeira coisa a surgir, dando o mote para todos os outros elementos que compõem o projeto artístico e a exposição. Sempre gostei muito de ler. De escrever também, apesar de saber que ainda preciso de trabalhar muito para chegar a um nível minimamente elogiável. De um modo ou outro, a escrita está, certamente, nos genes, não fossem o meu pai, avô e bisavô jornalistas de vocação. Sem querer, acabei por cair nela também. E com gosto. No entanto, suponho que me inclinarei sempre mais para as artes visuais.

Integrado no programa paralelo da exposição “No futuro também se usavam pincéis”, realiza-se hoje e amanhã um workshop com Judite Canha Fernandes intitulado “Os pedaços da ilha” e no dia 21 a conversa “Atravessar Disciplinas”.


Como vê a realização deste tipo de atividades que permitem explorar o trabalho que apresenta ao público?

Estas atividades são essenciais e quanto mais diversificadas melhor, de forma a chegar a variados públicos. No meu caso em concreto, por guiar-me pela vontade de refletir sobre hábitos de vida mais sustentáveis, vejo estas atividades como outra oportunidade para contagiar mais pessoas a fazerem o mesmo. Em paralelo, aproveito para dar a conhecer a arte contemporânea, desconstruindo os medos, desconfiança ou desinteresse que muitos sentem em relação a ela.

Iniciativas como o Workshop de dia 13 e 14 de janeiro, criado e dinamizado pela Judite Canha Fernandes, deixam-me contente, pois fazem-me crer que o meu objetivo de gerar debates paralelos a partir do meu trabalho está a ser alcançado.

Com o debate de dia 21 (às 17h00 no Arquipélago), bem como com os Workshops e Clubes de Leitura que tive a oportunidade de dinamizar no âmbito da exposição, posso trazer à discussão a necessidade de conservarmos o nosso Planeta, ao mesmo tempo que tento desconstruir, explicando, os elementos que compõem o projeto artístico. Tento aproximar as pessoas das minhas obras, a aventurarem-se no mundo da arte contemporânea que não é mais do que uma outra forma de participar na sociedade, de conversar e refletir.

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