Autor: Tatiana Ourique/AO Online
Qual é o estado atual das empresas açorianas?
As
empresas estão em situação muito difícil, embora já não estejam
todas no mesmo patamar de dificuldades. Existe alguma retoma
económica de cariz local, o que, para alguns setores de atividade,
tem sido positivo, sempre com quebras em relação aos anos
anteriores. Temos depois o setor do turismo que está a atravessar
momentos catastróficos, sem qualquer retoma, pelo menos para as
atividades que dependem essencialmente dos turistas, como todo o tipo
de unidades de alojamento, carros de aluguer, animação turística,
bem como todos os outros negócios que dependem destes. Neste e
noutros setores, como a cultura, por exemplo, vai ser necessária uma
intervenção pública muito mais intensa, por forma a não perdermos
a capacidade produtiva durante o próximo inverno.
Quais
são as perspetivas até ao final do ano?
Não
temos grandes expectativas, já se percebeu que o ano 2020 vai ser um
desastre empresarial, salvo algumas exceções, e, portanto, nada vai
mudar significativamente até final do ano. Tendo eleições em final
de outubro, é normal que ainda apareçam algumas novidades por parte
do Governo Regional, mas que em nada mudarão este cenário no curto
prazo. Temos alguma esperança que a nível nacional, possa haver uma
solução, para alguns setores, do tipo lay-off simplificado, que
seria a meu ver, a única solução de fundo para o setor do turismo
conseguir atravessar o deserto que aí vem.
Quais são os números das empresas que optaram pelo lay-off na Região?
Não tendo os números exatos, apontaria para uma percentagem a rondar os 85%, pois esta foi a medida que realmente permitiu a sobrevivência das empresas no período de confinamento. Por isso defendo, que agora e para alguns setores, devemos voltar a esta solução já testada e com sucesso.
Com tantas medidas de proteção às empresas anunciadas, elas foram eficazes ou cumpriram um papel unicamente assistencialista?
As medidas de apoio, numa primeira fase, foram assistencialistas e eficazes, pois permitiram estancar a ferida, sem termos assistido a muitas falências, nem mesmo a despedimentos coletivos. Isso nos primeiros 3 ou 4 meses da crise. O grande problema tem sido na famosa retoma, que para alguns tem sido apenas uma miragem, como no caso do turismo. E neste caso em concreto, as medidas existentes, ainda que muitas de facto, não vão ser suficientes para manter esta situação de não falências e despedimentos coletivos, não é simplesmente possível.Os
voos para fora da região foram insuficientes ou cumpriram as
necessidades das empresas açorianas à data?
O grande problema do turismo nos Açores, bem como no resto do mundo, não tem tanto a ver com o número de voos que existem disponíveis, mas sim com a falta de procura para encher esses voos. Quando houver procura, vão aparecer voos, pois não faltam aviões disponíveis no mercado, o que não acontecia há 6 ou 7 meses atrás. O mundo parou em termos turísticos, e sem mercado local relevante, o facto de sermos ilhas não ajuda neste momento, mas essa é também a nossa grande virtude, logo resta-nos esperar pela retoma turística, aguentarmos as nossas empresas vivas, e posicionarmos o destino de uma forma ainda mais eficaz, pois com as novas tendências pós covid19, penso que ainda teremos mais argumentos para nos impormos nos vários mercados. Para isso precisamos de um setor forte e pronto para retomar, quando chegar essa altura.
A
retoma muito lenta do turismo não se deu em todas as ilhas dos
Açores. Quais são as ilhas que estão a conseguir “vender”
mais?
Não houve retoma do turismo nos Açores. O que aconteceu foi um fenómeno natural e que levou muitos açorianos das duas maiores ilhas, essencialmente, a fazer férias nas ilhas em que já era normal encontrarmos muitos açorianos nos meses de época alta, como Pico, São Jorge e Flores. Ainda bem que nessas ilhas foi possível termos algum movimento em julho e agosto, mas não se iludam, nos próximos meses a situação será idêntica nas 9 ilhas dos Açores e será um desastre para o setor turístico.
Com
mais turistas a circular há um maior medo por parte dos locais?
Esse medo foi incutido e na minha opinião um erro estratégico. Ninguém sabe quanto tempo vamos levar a recuperar dessa situação. A nossa hospitalidade natural desapareceu, e foi criado na sociedade um pânico que se converteu em quase ódio a quem nos visita e basta passar os olhos pelas redes sociais para constatar o que digo. Agora há que recuperar essa mentalidade, muito egoísta e típica de quem vive do ordenado garantido da administração pública, regional ou mesmo local, mas que esquece os cerca de vinte mil postos de trabalho que dependem hoje do sector do turismo. Enfim, esperemos que seja possível ultrapassar esta fase, sem perdermos uma grande parte desses empregos.
Esta abertura e incentivo à vinda de turistas de fora da região está a conseguir dar alguma estabilidade ao comércio açoriano?
Como disse antes, não existe retoma relevante no turismo, logo, a resposta tem de ser não. O comércio vive apenas do mercado local, que é pouco, como sabemos. Este é um dos setores de atividade, que embora com alguma retoma, local, sofre também com as quebras brutais no turismo, tal como a restauração, por exemplo, que já tinha uma dependência muito grande do turismo.O
que pensa sobre o programa "Viver os Açores"?
Penso que como medida para incentivar o turismo local, é positiva, mas eu teria ido por outro caminho. Uma medida mais flexível, que permitisse através de uma tarifa aérea ou marítima muito competitiva, que os açorianos viajassem em “massa”, tanto quanto isso é possível na nossa região. Vamos aguardar pelos números finais e logo fazemos um balanço.
Os
açorianos estão a usufruir deste incentivo?
Julgo que alguns sim, mas fico com a sensação de que são aqueles que já faziam férias cá dentro e que aproveitaram o incentivo para escolher com mais qualidade. Eu acho que deveria ser uma medida mais de captação de novos turistas internos, mas isso agora vale o que vale. De qualquer forma é bom que fique muito claro que o turismo interno nunca seria, só por si, uma solução, principalmente para as ilhas com mais oferta como São Miguel e Terceira.
Houve prenúncio de suspensão dos voos da Ryanair para a ilha Terceira. Os voos em 2021 ficaram, entretanto, disponíveis. O que significaria este corte de ligações para a economia da ilha Terceira?
A presença da Ryanair nos Açores, São Miguel e Terceira, é absolutamente essencial ao desenvolvimento do turismo, em especial no pós-covid, em que vamos precisar de companhias com grande força de vendas, como é o caso, e com alguma facilidade em gerar fluxos turísticos para os Açores. Foi assim no início das operações para os Açores, assim será no futuro próximo, espero eu. A sua saída de qualquer uma das ilhas, seria um retrocesso irrecuperável no curto prazo.
O que é que é urgente fazer nesta fase para apoiar as empresas da Região?Criar
um modelo de apoio - sectorial que seja - mas que permita ao tecido
empresarial ultrapassar os próximos meses sem grandes baixas, pode
ser um regresso do lay-off simplificado, outra forma com o mesmo
efeito. Do ponto de vista regional, falta apurar e melhorar a forma
de convertermos apoios reembolsáveis, empréstimos bancários, em
apoios a fundo perdido por parte do governo regional. São estas as
soluções para mantermos o tecido empresarial vivo até à
verdadeira retoma.