Autor: Paula Gouveia
Aurora Ribeiro, de 39 anos, residente no Faial, é investigadora na área
da Sociologia, e candidata-se em sétimo lugar na lista nacional do Bloco
de Esquerda (BE) às eleições para o Parlamento Europeu. Com
licenciatura em Cinema - Realização, e mestrado em Comunicação e Media, é
atualmente bolseira de doutoramento em Sociologia, no Instituto de
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. É membro da Comissão
Coordenadora Regional do Bloco de Esquerda Açores, foi cabeça-de-lista
nas Regionais de 2020 e 2024 pelo Faial e candidata à Câmara Municipal
da Horta em 2021.
De que modo o Bloco de Esquerda pode fazer a diferença para os Açores no Parlamento Europeu?
Os assuntos que o Bloco tem como prioridade já marcam a diferença em relação às propostas dos outros partidos, sobretudo aqui ao nível dos Açores. A prioridade máxima é dada ao clima, uma questão essencial no momento que tem sido secundarizada, sempre que surge alguma outra crise (sem querer retirar a gravidade às questões da guerra e da pandemia). A verdade é que há efeitos negativos das alterações climáticas a sentirem-se por toda a parte do mundo, mas também aqui nos Açores. (...)
O Bloco tem tido também como prioridade as políticas de coesão e as políticas sociais e, portanto, para aquilo que importa para os Açores, neste momento, somos o partido que está mais bem preparado para enfrentar estas questões.
E no que se refere a estas questões, que medidas defende o BE que devem ser implementadas?
A
transição energética tem de ser feita já para amanhã. Não podemos
esperar mais. Temos de parar com o financiamento a tudo o que tenha a
ver com o combustível fóssil e fazer a transição energética para as
energias renováveis. E é aqui que os Açores podem ter um lugar
importante - a investigação que é feita a nível regional nas áreas do
clima, nas áreas do oceano, nas energias renováveis e até em relação ao
espaço, são pilares fundamentais, e são do interesse também da União
Europeia, que existam estas Regiões Ultraperiféricas. (...)
Mas
depois há duas áreas fundamentais que são a Agricultura e as Pescas. E o
que defendemos é que existam apoios específicos para fazer uma
transição agroecológica que não traga riscos para o produtor - isto na
parte da Agricultura. Na parte das Pescas, defendemos as artes de pesca
tradicionais que são as mais sustentáveis - nós já sabemos fazer uma
pesca sustentável.
A questão é que, a vários níveis, seja nacional, seja europeu, as políticas não têm sido favoráveis à manutenção dessa forma de pescar, antes pelo contrário. E estamos a ter problemas no salto e vara. E há um conjunto de situações que devem ser salvaguardadas.
Ao nível dos fundos europeus, têm permitido investimentos em infraestruturas, e apoiar a formação dos açorianos, bem como as empresas. Considera que têm sido bem direcionados?
Em termos de objetivos gerais até poderíamos dizer que sim. O que acontece muitas vezes com os fundos europeus é que, na verdade, depois os critérios que são exigidos e muitas vezes as áreas prioritárias, nem sempre permitem um aproveitamento a 100% desses fundos. E há situações como da formação, acesso ao Ensino Superior, que acabam por ter uma execução curta por causa desses critérios. O que defendemos é que haja uma maior universalidade na aceitação de propostas e de candidaturas, para que possa haver uma maior execução e cumprir o objetivo geral, como poder combater indicadores graves como por exemplo, na área da educação o abandono escolar precoce muito elevado tanto para a média nacional, como para a média europeia. E portanto nós vemos os fundos europeus, não apenas como uma questão de justiça e de compensação, mas devem ser vistos também como um investimento. E, tendo em conta que tanto os Açores, como a Madeira, estão na cauda da Europa em termos de investimento na investigação, na tecnologia e na Ciência, achamos que é prioritário apostar nas áreas do clima, oceano, espaço, numa perspetiva de conservação dos nossos ecossistemas e também de compreender melhor como funcionam as alterações climáticas. (...) E em questões como a mineração do mar profundo, exigimos que a Europa tome uma posição em relação a esta questão a nível comunitário. (...)
Já mencionou aqui que a Região apresenta índices relacionados com a educação e a pobreza preocupantes. Há ainda o problema do envelhecimento populacional e da desertificação em algumas ilhas. Como é que as políticas europeias influenciar as nossas políticas e o investimento?
Para o Bloco de Esquerda é muito claro que todos estes indicadores estão relacionados uns com os outros. O índice de pobreza e de exclusão social está diretamente ligado com a baixa formação da população, e isso contribui também para o aprofundamento das desigualdades entre as pessoas da própria Região. Saiu um estudo recente que indica que 44% das crianças que vivem um ambiente familiar de violência doméstica estão mais propensas ao abandono escolar precoce. E sabemos que nos Açores a violência doméstica, a violência de género, são uma realidade e com índices altos. Tudo isto está interligado, e portanto, tem de haver uma abordagem integrada para intervencionar nestas questões. Tem de haver um apoio para políticas antidiscriminação, anti-desigualdade, nomeadamente de género, e um maior investimento em políticas de apoio à formação qualificada. Consideramos que investimento na formação na área da Ciência e Tecnologia também poderá promover o aumento do emprego qualificado. (...)
Estando no horizonte, a entrada de mais países
para a União Europeia considera que os Açores têm de se preparar para
uma redução de fundos comunitários? Há o risco de desaparecer o estatuto
de Região Ultraperiférica?
Consideramos que o estatuto de Região Ultraperiférica (RUP) deve ser mantido e vamos bater-nos por isso. Não é só uma questão de justiça, dos princípios da igualdade e da não discriminação da União Europeia que prevê que, em situações diferentes, mecanismos diferentes sejam aplicados, como é do interesse da própria Europa que nas suas regiões ultraperiféricas o desenvolvimento económico seja harmonioso com o resto da comunidade. Não faz sentido que esse estatuto deixe de existir. Se entrarem novos países não é por isso que deixaremos de ser uma RUP, porque o somos geograficamente. (...) Agora temos de ter uma voz ativa no PE no sentido de defender esse estatuto.
Sendo a agricultura um setor estratégico para os Açores, o que será prioritário para Bloco de Esquerda na defesa deste setor no âmbito europeu?
O setor da Agricultura e com os meios que estão vulgarizados na Região depende muito de fatores de produção externos - adubos, fertilizantes... E os Açores estão sempre muito dependentes das flutuações do mercado em relação a estes produtos e uma parte do rendimento é escoada para estas aquisições. O que temos vindo a defender é que haja uma transição agroecológica e de diversificação agrícola - temos terra para valorizar todos os produtos agrícolas que temos, e nesse caminho a agricultura biológica será um aliado. Mas é muito difícil para um produtor que já está instalado e tem a sua forma de produção vulgarizada neste momento fazer essa transição sem estar a correr riscos. Não é fácil, se não se tiver outra forma de rendimento, fazer essa transição. O que defendemos é que todos os apoios, nomeadamente o POSEI, contenham critérios de seleção e obrigatoriedade de modo a que essa transição venha a ser feita o mais rapidamente possível. (...)
Ao nível dos transportes, o BE defende a criação de uma espécie de POSEI para as Regiões Ultraperiféricas, como os Açores. Há condições para ganhar força esta ideia no próximo mandato?
Seria muito interessante. Penso que é transversal a vários partidos. E é de espantar que não exista já, porque é uma forma muito direta de compensar estas características da Região, por ser distante, por ser dispersa, e, portanto, um POSEI para os Transportes, nomeadamente de mercadorias e comerciais, seria uma forma muito rápida, muito direta de compensar a situação que temos.
Mas no âmbito das acessibilidades, temos um outro tema que é a questão da companhia aérea açoriana da SATA - o que temos vindo a defender é que o governo regional negoceie novamente uma reestruturação da SATA. A questão é que a União Europeia avalia a SATA como se fosse uma outra companhia aérea qualquer europeia, e impõe restrições nomeadamente a injeções de capital se não houver a privatização. Mas aquilo que defendemos - e que a Comissão Europeia já reconheceu - é que a maior parte das rotas da SATA são ou de serviço público, ou de grande interesse para as populações, no caso a ligação ao continente ou à diáspora, e portanto essa importância devia ser reconhecida e devia haver derrogações para a SATA ter um regime de exceção e não ter de ser privatizada - o que o BE é contra.
Enfrentamos tempos complexos no plano internacional, por causa das guerras na Ucrânia e em Gaza. Há partidos que defendem que é necessário um maior investimento na Defesa. Qual é o posicionamento do Bloco?
(...) Parece-nos que em termos de Defesa a UE está relativamente bem apetrechada. Nas situações concretas dos conflitos, na invasão russa da Ucrânia, o que temos defendido sempre é o caminho diplomático da defesa da paz. Temos vindo a defender a realização de uma conferência da paz, em parceria com a ONU e ela ainda não aconteceu. (...) Temos sido contra a ideia que o presidente francês avançou de pôr tropas da NATO na Ucrânia (...). Na questão da Palestina e de Israel, condenamos o facto de a UE manter ainda um contrato de associação com Israel. Julgamos que deve ser rapidamente cessado. E as sanções que se impuseram à Rússia não se impuseram a Israel. Defendemos a cooperação entre os Estados. (...)
Qual a expectativa do BE em relação aos resultados eleitorais no dia 9 de junho?
Nós trabalhamos sempre para o melhor resultado possível. Temos confiança que vamos conseguir manter a representação parlamentar de dois deputados. A Catarina Martins que é cabeça-de-lista a nível nacional é uma figura conhecida do público português, tem provas dadas (...) José Gusmão que é o nosso segundo candidato mantém a continuidade, uma vez que a nossa eurodeputada Marisa Matias está agora na Assembleia da República. (...)
Que garantias lhe dão os cabeças-de-lista do BE de que terão em conta as preocupações dos Açores?
O diálogo tem sido muito próximo, mesmo com a eurodeputada Marisa Matias, e mesmo agora na campanha para as Europeias a proximidade é sempre muito grande entre todos os candidatos. A lista tem debatido os diversos temas, a construção do Manifesto foi conjunta, não só com o continente, mas também com a Madeira. E essa vontade de colaborar o que se prevê é que se mantenha.