Açoriano Oriental
Rádio, o bom e o mau da fita, foi descoberto há 120 anos

De substância milagrosa a perigosa, o rádio revolucionou o tratamento do cancro e foi vendido como água, dentífrico, cosmético e chocolate, mas a sua radiação em excesso no corpo revelou-se nociva, tornando o seu uso praticamente proscrito.


Autor: Lusa/Ao online

O anúncio da descoberta do metal radioativo foi feito há 120 anos, data que é assinalada na quarta-feira.

Aparecendo na tabela periódica dos elementos químicos ao lado do bário, magnésio e do cálcio, com os quais partilha características semelhantes, o rádio foi descoberto, em 1898, pelo casal de físicos Marie e Pierre Curie a partir do urânio na forma de pecheblenda (minério que é mais radioativo do que o próprio urânio).

A descoberta do metal de cor prateada, que ganha um brilho azulado ténue no escuro, foi anunciada na Academia de Ciências francesa em 26 de dezembro de 1898 e valeu a Marie Curie, de origem polaca, o Prémio Nobel da Química em 1911.

Uma distinção que a Academia Sueca lhe outorgou (já viúva) pela identificação de um outro elemento químico radioativo, o polónio, feita uns meses antes do rádio (que é mais radioativo do que o polónio).

Para o investigador Joaquim Marçalo, do Campus Tecnológico e Nuclear do Instituto Superior Técnico, que já trabalhou com o rádio, a descoberta foi importante porque, além do uso que lhe foi dado na medicina, permitiu fazer outras experiências que "ajudaram a perceber a constituição do átomo", ao irradiar outros materiais.

Além disso, acrescentou à Lusa Joaquim Marçalo, que se prepara para estudar as propriedades químicas do rádon, gás obtido a partir da desintegração do rádio, foi possível compreender o "fenómeno da transmutação nuclear", a transformação de um elemento químico noutro pelo 'rebentamento' do núcleo de uma partícula.

"Para o bem e para o mal", o rádio podia ser usado "para muita coisa", sublinhou o investigador, assinalando que a substância é perigosa devido à sua radioatividade intensa.

No início do século XX, o rádio fazia parte da composição das tintas luminescentes que coloriam os ponteiros e os mostradores de relógios. Nas fábricas, as mulheres que os pintavam acabaram por contrair doenças, como anemia e cancro, e morrer por ingestão continuada de resíduos do metal quando afinavam os pincéis nos lábios.

O caso das "raparigas do rádio", como ficaram conhecidas estas operárias nos Estados Unidos nas décadas de 1910 e 1920, originou processos em tribunal e mudanças nas normas laborais.

Ao mesmo tempo que começavam a manifestar-se os efeitos perniciosos do rádio, crescia a aplicação da sua radiação no tratamento de doenças da pele e de tumores malignos, dada a sua eficácia.

Nascia a radioterapia, também chamada 'curieterapia' em analogia a Marie Curie, que criou o Instituto de Rádio de Paris, inaugurado em 1914 e que se disseminou em vários institutos noutras partes do mundo.

O instituto, mais tarde designado Instituto Curie, começou a funcionar na prática só após o final da I Guerra Mundial, em 1918.

Tinha um laboratório, dirigido por Marie Curie, onde se fazia investigação sobre substâncias radioativas e onde trabalhou durante três anos, entre 1930 e 1933, a física e química portuguesa Branca Edmée Marques. Num outro laboratório estudavam-se as aplicações do rádio na medicina e na biologia.

Na época, a crença nas suas propriedades curativas levou a que fosse usado em pastas de dentes, cosméticos e chocolates e que a sua presença na água fosse valorizada.

Em Portugal vendia-se "Água Radium", água mineral engarrafada que "dá saúde, vigor e força" e "uma das mais radioativas do mundo", e havia uma estância termal, na Sortelha, que funcionou até 1945 com tratamentos contra diversos 'males', como doenças de pele, do aparelho circulatório, dos rins, reumatismo e gota.

A partir da década de 1950, o uso do rádio para fins médicos (e não só) foi caindo gradualmente - e substituído por substâncias emissoras de radiação menos perigosa - por causa dos danos que causava nas células, capazes de alterar o seu material genético e de as tornar em formas mais agressivas de cancro.

Hoje é ainda utilizado, na variante rádio-223, para tratar, às vezes, cancro da próstata que se espalhou aos ossos (que contêm cálcio). Uma vez que o rádio pertence ao mesmo grupo químico do cálcio, aloja-se facilmente nos ossos e pode matar as células cancerígenas.

Desconhecendo os efeitos da radioatividade dos elementos químicos com os quais trabalhavam, e que transportavam nos bolsos em tubos de vidro, Marie e Pierre Curie acabaram por ser também vítimas da sua descoberta.

Pierre Curie, que morreu em 1906, aos 46 anos, atropelado por uma carruagem, sofreu queimaduras graves ao testar o uso terapêutico do rádio na pele. A mulher morreu em 1934, aos 66 anos, com leucemia causada pela exposição excessiva à substância.

Na Biblioteca Nacional de França, as suas anotações estão devidamente acondicionadas porque continuam radioativas.


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