Açoriano Oriental
O jornalista motoqueiro apaixonado por carros clássicos

Ricardo Freitas é um profissional da comunicação social bem conhecido nos Açores mas o coração está dividido entre o jornalismo, os carros clássicos e os motociclos. Em conversa com o nosso jornal, fala-nos de todos esses amores, um deles quase improvável


Autor: Célia Machado

Quem conhece o faialense Ricardo Freitas reconhece-lhe as muitas qualidades na profissão que escolheu há 30 anos mas sabe, igualmente, que no seu coração tem mais amores do que os da canção do Marco Paulo. A família vem primeiro; depois os motores, que adora desde criança, e o jornalismo. Ao “AO”, recorda os brinquedos de infância, sempre relacionados com carros e motas.

Desde a coleção de carros de brincar que, obrigatoriamente, tinha de ter um exemplar de cada tipo (um modelo familiar, uma carrinha de caixa aberta, um camião, uma viatura dos bombeiros e outra da polícia, só para mencionar algumas) até aos carros verdadeiros, adquiridos em adulto, surgiu a paixão pelos clássicos, que começou pelos 20 anos, por influência dos programas televisivos de recuperação de viaturas antigas, que via no Canal História e Discovery Channel. Naquela idade, ter um gosto tão grande por clássicos não era habitual. Agora, com meio século de vida, olha para essas viaturas “como autênticas peças de arte, pela sua durabilidade, qualidade e funcionamento”, não sendo de estranhar que tenha feito parte da Secção de Clássicos do Clube Automóvel do Faial.

Um homem também chora

“Não foi fácil. Vieram-me as lágrimas aos olhos”. O momento não era para menos; estava a despedir-se da sua carrinha Ford. Não foi a primeira viatura que alterou mas a que mais o marcou, ao ponto de nunca a ter alugado para casamentos ou outros eventos - apesar das várias solicitações - e de não querer que mais ninguém pusesse as mãos no seu volante. Esta é uma paixão que, para além de muitas horas de trabalho, é dispendiosa e ter vários carros à porta de casa não sai barato. Foi por isso que vendeu a carrinha a um colecionador do continente, o que também lhe permitiu começar mais uma transformação. Esta é mesmo a palavra certa - transformação - porque o que faz nas viaturas não é com o intuito de devolver-lhes o estado original mas sim de deixá-las ao seu gosto. Contudo, o processo envolve vários trâmites para que, no final, fiquem aptas a ir para a estrada, com as respetivas licenças. “Como tanto a Ford, de 1932, como o carro no qual estou a trabalhar não tinham documentos, utilizei chassis de carros diferentes para poder legalizar as viaturas. Contratei um engenheiro mecânico para fazer os projetos de alteração, que são apresentados ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres para avaliação. Só após a transformação estar concluída é que dão a aprovação para a viatura ficar legal”, explica.

Iniciou os trabalhos de transformação sem conhecimentos de mecânica e bate-chapa mas tem a sorte de ter um amigo que percebe do assunto. No caso da Ford, gastou mais do que aquilo que estava à espera mas há muito que gostava de ter um carro daquele género. Quando o viu à venda na internet ficou logo tentado. Levou um ano e meio a terminar o trabalho e muita da mão de obra foi sua, revela orgulhosamente.

Antes alterou um Toyota Carina, de 1974, que também tem novo dono; ao nível do mobiliário, de uma viatura fez uma secretária, que usa no seu escritório, e salvou um outro carro da sucata, que passou a balcão numa loja, na cidade da Horta.

Uma prenda com 80 anos

Um Chrysler, da década de 1940, oferecido por um amigo, é o “bebé” que tem atualmente entre mãos. Até construiu um barracão para poder dedicar-se ainda mais à transformação e fazer mais com as próprias mãos, pelo que já está a demorar para além do tempo que gostaria. Se no caso da carrinha Ford o espaço era reduzido, por ter apenas dois lugares, com este serão certos os passeios em família. “Cortei o carro ao meio, vai ter apenas duas portas e rebaixei o teto para ficar mais ao estilo desportivo. O motor será V8, com 5.2 cm3 de cilindrada”, conta.

Para já, diz que não será para vender mas... nunca se sabe.

“Já tenho o ‘bichinho’ por isso acho que não vou ficar por aqui. Espero que a minha mulher nunca leia esta reportagem”, diz a rir. “Ela acha que eu tenho uma ‘pancada’ pois vê-me feliz estando sujo e cheio de ferrugem. No fundo, ela percebe e também gosta”, continua.

Motoqueiro por causa de uma gravidez

Quem vê o Ricardo Freitas em passeios na sua Harley-Davidson Sportster terá dificuldade em acreditar que, até há dez anos, nunca tinha conduzido uma mota. Aliás, tinha muito receio, pois achava um meio de transporte perigoso, e considerava “um pouco ridículo o uso de correntes e de cabedal” pelos motards. A culpa de toda esta mudança é de quem? Do cunhado José Alvernaz, da freguesia das Ribeiras, no Pico. Foi naquela ilha, por ocasião do Cais Agosto, em São Roque, que o cunhado fez o convite para que fosse com ele num passeio integrado no programa do festival, já que a esposa estava grávida e não iria acompanhá-lo. “Aceitei apenas para não ficar mal. Ainda por cima, estava a ficar em casa dele”, recorda. Para entrar no espírito da iniciativa, vestiu uma t-shirt preta e umas calças de ganga mais escuras. Hoje cumpre, “religiosamente, a indumentária” e faz parte da direção do Moto Clube Ilha Azul. Com aquela primeira experiência, ficou a “adorar”, ao ponto de ter passado o resto das férias no Pico a aprender a conduzir uma mota mais pequena, que o cunhado tinha em casa. Regressado ao Faial, tratou de tirar a carta de condução de mota pesada e comprar um motociclo. Depois foi a esposa Sandra a render-se às correntes e ao cabedal. “O passeio é bom e o convívio é ainda melhor”, realça.

Sandra e Ricardo Freitas marcam os diversos passeios em que participam já que a mota tem um carro lateral, construído por um amigo para que a mulher fosse “bem sentada”, e em três rodas já passaram por quase todas as ilhas mas o sonho é Faro, cidade da concentração internacional que junta milhares de motards de diversos países.

Paixão pelo jornalismo

“Ao contrário de muitas pessoas, eu, aos 50 anos, felizmente, ainda me levanto de manhã para ir fazer o que gosto”. É com esta afirmação que se refere ao que sente pelo seu trabalho enquanto jornalista mas temos de recuar até ao início da década de 1990 para entender esta paixão.

Com o 12.º ano de escolaridade concluído, o jovem Ricardo ingressou na função pública, no departamento de contabilidade da Secretaria Regional do Turismo e Ambiente (à época era secretário Eugénio Leal). Estava já certo que entraria para os quadros mas a verdade é que, embora tivesse colegas muito bons e efetivar na função pública fosse – e ainda é – o sonho de muitos, tratar de despesas correntes – de aquisição de lápis, caneta e papel – não era o que tinha em mente para si. A progenitora deu-lhe uma sarabanda mas de nada serviu pois a decisão já estava tomada: ia aceitar o convite de Souto Gonçalves, então diretor do semanário “Incentivo” (publicação já extinta mas cujo título foi recuperado anos mais tarde) e que havia sido seu professor de jornalismo no secundário, para se juntar à redação, o que aconteceu a 1 de agosto de 1992 (tinha 20 anos). Continuava ligado a lápis, caneta e papel mas de uma forma em que tudo lhe fazia mais sentido, enchia-lhe as medidas, como o próprio afirma. De lá foi para o jornal “O Telégrapho”, também no Faial, seguiu para o “Açoriano Oriental” e rádio “TSF”, enquanto correspondente na sua ilha, e, um ano depois, para a “Antena 1 Açores”, onde se mantém há duas décadas. Desde 1997 que é, em simultâneo, correspondente da “Agência Lusa”.

Falta-lhe trabalhar em televisão mas é algo que não lhe interessa, embora tenha recebido um convite nesse sentido. Se pudesse escolher, escreveria para um jornal: “Foi onde comecei, onde me sinto mais à vontade e me permite ter algum tempo para pensar antes de elaborar a notícia. Na rádio é mais imediato e suscetível de erros e falhas porque há uma maior pressa para colocar a notícia fora”.

“Tanto na minha profissão como na recuperação e transformação de carros, gostaria de ser mais perfeccionista”, conclui.



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