Autor: Paulo Simões
Em que ano chegou aos Estados Unidos da América?
Após concluir o antigo quinto ano no Externato de Santa Maria, em 1977, o objetivo foi sempre vir estudar para os Estados Unidos. Portanto, o ano foi 1977.
Tem memória dessa viagem?
Não tenho grandes memórias. Estava habituado a visitar os Estados Unidos e já gostava muito do país quando aqui cheguei.
Qual foi o seu primeiro emprego, lembra-se?
O meu primeiro emprego foi aos 15 anos de idade, quando fui trabalhar na campanha política de Alfred Vellucci, que concorria a Presidente da Câmara da cidade de Cambridge, em Massachusetts.
Já alguma vez pensou em regressar aos Açores?
Antes da pandemia passava várias semanas na ilha Terceira, no Verão e no Inverno. A minha esposa Paulina é terceirense e temos uma casa na Praia da Vitória. O objetivo é dar continuidade a este bom hábito e também passar mais tempo em Santa Maria, onde os meus pais têm uma casa onde passei a minha infância na linda baía de São Lourenço. Eu e a Paulina temos uma grande ligação pessoal aos Açores.
Quando é que o seu caminho se cruza com o da rádio e porque decidiu investir na WJFD-FM?
Em 1992 conheci o Dr. Edmundo Dinis, então dono da WJFD, e a partir daí passei a ser o advogado da empresa. Investi na WJFD, primeiro porque me habituei a defender esta grande rádio, uma rádio muito importante para a comunidade lusófona da Nova Inglaterra, cuja frequência já emite em português desde a década de 50. E com uma rara potência: só existem aproximadamente 8 estações no estado de Massachusetts com semelhante potência. Uma raridade. Valeu a pena investir.
A WJFD é reconhecida como a mais importante rádio da comunidade lusófona nos Estados Unidos. Qual é o vosso grau de cobertura, até onde chegam?
É uma rádio com 50.000 watts de potência em FM. A nossa área de cobertura é enorme, abrange 6 estados e vai muito mais além da área protegida, que é a cobertura principal, porque tivemos sempre uma grande e contínua preocupação em proteger o nosso sinal. Por isso, a WJFD, hoje, beneficia de um excelente sinal terrestre na Nova Inglaterra.
Em 2019 tiveram que fazer uma explicação à entidade reguladora norte-americana (FCC), que pretendia reduzir a potência do vosso sinal. Como resolveram essa questão?
O problema não foi propriamente a intenção de reduzir a potência. Tem a ver com pedidos de outras rádios para utilizarem a nossa frequência em várias partes da nova Inglaterra, em áreas que ficam fora da nossa cobertura principal, mas onde existem ouvintes. Conseguimos superar todas estas iniciativas. Mas o maior problema ocorre em 2018, quando a FCC sugeriu limitar o nosso direito de objeção. No processo, a FCC reconheceu a importância de rádios como a WJFD e assim atribuiu-nos uma isenção. Eu e a Paulina acompanhamos todo esse processo com muito interesse, foi um envolvimento pessoal que nos levou a Washington D.C. para defender e apoiar esta mesma isenção.
Que importância tem a rádio para a comunidade portuguesa? Existem outras comunidades que ouvem a WJFD?
A WJFD é importantíssima para a comunidade portuguesa. Transmitimos notícias e outras informações de Portugal; temos noticiários sobre os estados de Massachusetts (MA) e Rhode Island (RI), notícias locais e informações do Governo Federal dos Estados Unidos; relatos de futebol; música e entretenimento. A WJFD nasceu quando a comunidade começou a crescer e a desenvolver-se na área. Novas gerações ouvem-nos por causa das notícias de Portugal e da comunidade, da música que se faz atualmente em Portugal e do futebol. Também apoiamos grandes iniciativas culturais da música como os IPMA (International Portuguese Music Awards). Nós somos o elo de ligação entre todas as comunidades portuguesas na Nova Inglaterra, como também um elo de ligação entre as várias gerações. Somos a companhia dos ouvintes durante as horas de trabalho, e a caminho do emprego. Somos a companhia dos idosos e doentes que estão em casa. Todos recorrem a nós para informações relacionadas com situações de emergência ou para adquirir informação, como aconteceu durante a pandemia. Há americanos que nos ouvem porque optam por uma rádio diferente e a comunidade latina também nos ouve.
Estabeleceram uma parceria com a Antena-1. Como funciona essa colaboração?
Através dessa parceria transmitimos as notícias de Portugal e do mundo, jogos de futebol e outros programas da RDP-I de interesse para a comunidade, especialmente nas noites e fins de semana.
O mundo da comunicação sofreu uma profunda transformação que também mudou a forma de fazer rádio. Pergunto-lhe como foi a adaptação da sua rádio a esta nova realidade?
Sim, nos últimos 20 anos houve grandes mudanças na rádio. Com as novas tecnologias e o equipamento disponível, a rádio tornou-se mais dinâmica e profissional. É importante estar a par dos novos equipamentos e tecnologias. É importante a formação dos profissionais da rádio, a forma como a rádio se relaciona com a audiência mudou. A presença nas redes sociais como o Facebook, ou nas smartspeakers Google Home e Alexa ou ainda o facto de sermos a única rádio em português que faz parte da plataforma iHeartRadio, é fundamental porque conseguimos alcançar outras audiências em qualquer parte da América do Norte. Temos de continuar a acompanhar as novas mudanças e tendências da radio ou estagnamos.
Durante os momentos mais difíceis da pandemia, como foi o vosso dia a dia?
Continuamos a transmitir todos os dias, mas tivemos de alterar a programação porque os animadores trabalhavam de casa. Concentrámos o trabalho na divulgação de informação relacionada com a pandemia. Diariamente tínhamos intervenções de uma médica portuguesa, Dr.ª Helena Martins que, com o Jorge Morais, diretor geral da WJFD, falavam dos últimos acontecimentos e desenvolvimentos relacionados com a pandemia. No início da pandemia sabia-se pouco sobre a COVID e a Doutora ia informando e educando a comunidade sobre os últimos acontecimentos e desenvolvimentos, tal como quais as precauções a tomar. Diariamente também tínhamos o deputado António Cabral com o diretor de produção da WJFD, Carlos Félix, num programa informativo sobre novas leis e regulamentos relacionados com a pandemia, tal como candidaturas a subsídios de desemprego, apoios para as empresas, seguros de saúde e mesmo o que fazer quando alguém não conseguia pagar a renda de casa ou a prestação da habitação. Diariamente tínhamos outros convidados e entidades locais e médicos a divulgar informação importante para a população. Colaboramos diretamente com o governador de Massachusetts e com a procuradora-geral. Nessa altura, e especialmente durante o confinamento, tivemos grandes audiências, fomos não só o veículo principal de informação, mas também a companhia dos ouvintes.
Que papel desempenhou a rádio junto da comunidade? Acompanhavam a situação nos Açores?
Parte da intervenção do deputado Cabral e do Carlos Félix foi acompanhar o evoluir da pandemia também em Portugal, incluindo Açores e Madeira.
Os Açores em particular e Portugal em geral estão bem informados sobre o dia a dia da Diáspora?
Não! Penso que ainda continuam a olhar para as comunidades portuguesas como quando chegaram cá. Outro problema é que olham para todas as comunidades por igual e a realidade de MA e RI é muito diferente da CA e NJ e com uma diferença ainda maior da Europa e do Brasil. Em MA e RI os portugueses já estão cá há mais de 100 anos, há múltiplas gerações de portugueses, muitos já nascidos cá, mas ainda ligados a Portugal, embora de uma maneira diferente das primeiras gerações. A comunidade cresceu, evoluiu, educou-se, criou grandes empresas, integrou-se e não podemos esquecer o processo de aculturação.
Quando vêm cá com o objetivo de conhecer a comunidade penso que acabam por não o fazer, falam sempre com as mesmas pessoas e só ouvem o que querem ouvir e, claro, é sempre muito rápido.
Por vezes fica a ideia de que nos Açores e em Portugal viramos costas à Diáspora... É uma ideia errada na sua perspetiva?
A ideia que nós tínhamos antes da pandemia é que havia um grande desequilíbrio entre o interesse de Portugal em convencer a Diáspora a investir em Portugal e o acesso turístico a Portugal dado à Diáspora. Não havia necessidade nenhuma de ser tão difícil visitar Açores e Portugal continental, em termos de custo de viagem, disponibilidade e eficiência nos transportes.
Quem pode agilizar o estreitamento de relações entre os dois lados do Atlântico? E como é que isso pode ou deve ser feito?
Penso que começa por realmente querer conhecer e ouvir a comunidade. Usar mais a comunicação social, Portugal gasta milhões pelo mundo fora dando a conhecer o país e os seus produtos, mas não com a comunicação social das comunidades. A mensagem que nos é transmitida é que temos a obrigação de o fazer gratuitamente. Os órgãos de comunicação social da diáspora são empresas privadas. No caso da WJFD, há custos de operação enormes, nós vivemos exclusivamente de publicidade e não temos o dever de promover ninguém gratuitamente.
Os açorianos desconhecem a realidade da Diáspora no século XXI?
Sim. A ideia que eu tenho é que ainda veem os portugueses nos EUA como emigrantes com pouca formação, ou seja, uma imagem antiga e que não se atualizou. A comunidade tem evoluído, tal como Portugal tem evoluído. Por exemplo, na ‘Southcoast’ de MA e RI as comunidades portuguesas têm um grande impacto económico e sociocultural na área. Existem grandes empresas e grandes profissionais com um grau de formação muito elevado...
E a Diáspora conhece os Açores deste novo século?
Sim, embora pouco. Na WJFD tentamos informar e divulgar o mais possível como Portugal também mudou e qual é a realidade portuguesa neste momento. Como a excelente música que se faz em Portugal, gastronomia, novos produtos portugueses, literatura, arte, etc.