Açoriano Oriental
11 de Setembro
Memória da tragédia à sombra das torres que não existem

Em Nova Iorque, depois do horror que se seguiu aos atentados contra as Torres Gémeas em 2001 veio o desespero pela recuperação dos sobreviventes com a remoção dos escombros "até à última pedra”.   

 Memória da tragédia à sombra das torres que não existem

Autor: Pedro Sousa Pereira, Agência Lusa

O horror e o desespero juntos transformaram, em poucas horas, a baixa de Manhattan num dos maiores cemitérios do mundo e sem dúvida num dos locais mais tristes da história contemporânea onde impressionavam a formação das filas silenciosas de voluntários cobertos de pó e o lento movimento das equipas de salvamento debaixo de montanhas de aço, vidro, cimento e fumo negro. 

Estava calor e o ar estava sempre abafado. 

Na altura, como jornalista ao serviço da SIC, acompanhei com os repórteres de imagem, Vítor Caldas e Manuel Ferreira e o editor Manuel Dias da Silva, durante quase um mês, os acontecimentos em Nova Iorque tendo viajado numa das últimas ligações aéreas sobre o Atlântico Norte antes do encerramento do espaço aéreo.  ​

​​​​​​Pouco mais de 48 horas após os ataques, Andrew Haymes do Quartel 21 (Ladder 21) do Departamento de Bombeiros de Nova Iorque (NYFD) olhava para o chão e não conseguia explicar a sucessão de tragédias.  

"Este quartel de bombeiros entrou em ação após o embate do primeiro avião por volta das 09:00 de terça-feira (11 de setembro de 2001). Saíram daqui para o World Trade Center três carros de combate a incêndios com 18 bombeiros e só regressaram seis homens com vida. Espero que os encontremos com vida. A resposta da cidade é notável mas tudo isto é uma tragédia", dizia Haymes.

Nenhum dos 12 bombeiros do Quartel 21 desaparecidos nos escombros regressou com vida do local para onde tinham sido chamados antes da derrocada das torres. 

 Apesar da total destruição do complexo World Trade Center na baixa de Manhattan o desespero pela recuperação dos sobreviventes era tanto que chegavam diariamente bombeiros de outros Estados para ajudarem "no que fosse preciso". 

"Estive lá oito horas, mas - atenção - porque qualquer pessoa que lá continua está em perigo constante por causa do vidro e das placas de aço", dizia Jimmy Logan, dos bombeiros de New Haven, Connecticut, agarrado a uma bandeira dos Estados Unidos do tempo da Segunda Guerra Mundial. 

No dia 11 de setembro de 2001, quatro aviões comerciais foram sequestrados por terroristas da Al Qaeda, sendo que dois aparelhos colidiram de forma intencional contra as Torres Gémeas do World Trade Center, Nova Iorque, que ruíram duas horas após o impacto.

O terceiro avião de passageiros colidiu no edifício do Pentágono, a sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, condado de Arlington, Virgínia, nos arredores de Washington D.C..

O quarto avião caiu num campo no Estado da Pensilvânia, depois de alguns passageiros e tripulantes terem tentado retomar o controlo do aparelho.

No total morreram mais de três mil pessoas no ataque da Al Qaeda contra território norte-americano, entre os quais cerca de 300 bombeiros da cidade de Nova Iorque.

Nesses dias, cada minuto que passava era determinante e para os voluntários os piores momentos aconteciam sempre que eram encontrados os cadáveres das vítimas.

"Tiramos dois bombeiros para fora e que tinham morrido. Colocámos os corpos nos sacos. Estavam num buraco. Mandámos os corpos para a casa mortuária para serem identificados. Encontramos também restos mortais que pareciam ser de uma senhora", explicava Jimmy Paulo, luso descendente de Newark e, na altura, jovem estudante de Medicina.

O luso descendente foi um dos primeiros voluntários a apresentar-se na Zona de Impacto numa ambulância dos bombeiros de Newark na noite de 11 de setembro.

Voltou ao local nas noites seguintes e passados quatro dias confessava que tinha dificuldade em descansar e que mesmo durante o dia só pensava em regressar depois do pôr do sol.    

"Só penso ir para lá durante a noite porque acho que quando estou lá vou conseguir recuperar alguém. Sei que não vou ser capaz de recuperar ninguém", lamentava o então estudante de Medicina.

A Bolsa de Nova Iorque manteve-se encerrada durante uma semana e os acessos à cidade eram muito condicionados.

Na noite do dia 18 de setembro, George W. Bush, 43.º presidente dos Estados Unidos dirige-se ao país, depois da aprovação de uma resolução no Congresso, e fala da decisão de combater a Al-Qaida e os talibãs no Afeganistão.

Em Times Square, Manhattan, o discurso transmitido pela televisão é aplaudido pela população e por muitos bombeiros e elementos das forças de segurança que continuavam a remover os escombros da Zona de Impacto.

"Eu já estive nas Forças Armadas e se tiver de ir outra vez volto. Temos de pagar um preço pela liberdade. Morreram muitas pessoas nos edifícios de Nova Iorque e no Pentágono. Se tiverem de morrer pessoas para protegerem a liberdade então vou. Se tiver de ser", disse o bombeiro John Hagen encostado a um centro de recrutamento do Exército em Times Square.

As manifestações de solidariedade para com as vítimas sucediam-se quase todas as noites, sobretudo em Newark, Elisabeth, New Jersey ou Long Island, locais onde viviam a maior parte das vítimas dos atentados contra Nova Iorque.  

"Tenho pena das gerações mais novas. Tenho pena dos nossos filhos. Muitos de nós ainda temos filhos jovens e isto é muito duro", disse-me John Jordan, veterano da Marinha dos Estados Unidos no Pacífico durante a Segundo Guerra Mundial (1939-1945), adivinhando o conflito que se aproximava.

Quase um mês depois dos atentados, e pouco antes do início da operação "Enduring Freedom" iniciada a 07 de outubro contra a Al-Qaida de Osama bin Laden e o regime dos talibãs no Afeganistão, a remoção dos escombros continuava e apesar dos esforços a vida tardava em regressar à normalidade, sobretudo naquela zona da cidade onde a maior parte dos edifícios tinham sido evacuados.

Mesmo assim, o reverendo de uma igreja presbiteriana decide batizar um bebé junto à Zona de Impacto afirmando que se tratava de "um ponto de partida para o futuro".​​​​​

"Vamos-te batizar Ethan Phillip Hall aqui, como sinal para uma nova vida e como sinal de esperança porque nenhum ato de violência é mais forte do que a esperança", disse o reverendo William Grant durante a cerimónia religiosa.

A criança foi batizada enquanto helicópteros da polícia sobrevoavam a Zona de Impacto e ao som de veículos blindados do Exército se movimentavam nas ruas da baixa da cidade de Nova Iorque. 

Nesse dia o tempo continuava quente e abafado, em Nova Iorque.

Em abril de 2003, dois anos depois dos atentados contra Nova Iorque, no centro da cidade de Bagdade vi o sargento Edward Chin, integrado nos Marines norte-americanos, a tapar a icónica estátua do Presidente do Iraque Saddam Hussein com uma bandeira dos Estados Unidos.

Segundo o militar, a bandeira tinha sido "removida dos 'escombros' do Pentágono no dia 11 de setembro de 2001".

Nesse dia o tempo também estava abafado, em Bagdade.


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