Açoriano Oriental
Lúpus afeta aproximadamente 166 pessoas nos Açores

Nos Açores, estima-se que existam cerca de 166 pessoas com Lúpus Eritematoso Sistémico, segundo uma projeção baseada na média nacional de prevalência desta doença autoimune, que afeta cerca de 70 em cada 100 mil habitantes no país.

Lúpus afeta aproximadamente 166 pessoas nos Açores

Autor: Carlota Pimentel

Nos Açores, estima-se que cerca de 166 pessoas vivam com Lúpus Eritematoso Sistémico (LES), uma doença autoimune crónica. Esta estimativa baseia-se na taxa média de prevalência nacional, avançada pela reumatologista do Hospital do Divino Espírito Santo (HDES), Carolina Furtado, noDia Mundial do Lúpus.

“O LES tem uma prevalência na população adulta portuguesa de 70 casos por 100 mil habitantes, atingindo sobretudo mulheres”, afirma.

Cláudia Rodrigues, especialista em Medicina Interna, indica que “em cada 10 doentes afetados, nove são mulheres”. Sendo “mais frequente na raça negra”, as manifestações surgem “mais na idade fértil, no que diz respeito ao sexo feminino, mas pode manifestar-se em qualquer idade”. 

Segundo Cláudia Rodrigues, trata-se de “uma doença autoimune que, à luz dos conhecimentos dos dias de hoje, é uma doença crónica, ou seja, que não tem cura”.

A especialista em Medicina Interna elucida que esta patologia “não se focaliza apenas no atingimento de um órgão, por isso se diz ser ‘sistémica’, e tem uma apresentação, evolução e prognóstico variáveis”.

“De uma forma simples, as nossas células imunitárias atacam o nosso próprio organismo, provocando inflamação e perda da normal função”, acrescenta.

Conforme a reumatologista no HDES, Carolina Furtado, os anticorpos que atacam as células do próprio organismo “podem depositar-se num ou mais tecidos - pele, articulações, células sanguíneas, fígado, rins, etc. -, levando a uma inflamação generalizada”.

Carolina Furtado explana que a causa da doença não está totalmente esclarecida. No entanto, aponta que estudos realizados sugerem que “o LES resulta de uma interação complexa entre vários fatores genéticos, hormonais, imunológicos e ambientais”.

Além disso, prossegue, “a radiação ultravioleta - daí ser muito importante os cuidados com o sol, nomeadamente através do uso de protetor solar -, alguns fármacos, vírus e o tabaco, são fatores ambientais com relação bem estabelecida com o LES”.

A médica internista, Cláudia Rodrigues, adianta que “o LES não é uma doença hereditária, mas existe uma predisposição para tal, em famílias afetadas por outras doenças autoimunes”.

Cláudia Rodrigues explica que existem três tipos de lúpus. “Para além do LES, temos uma outra forma particular, o lúpus discoide, que é o que afeta apenas a pele - lesões em forma de discos -, mas que, com o tempo, poderá evoluir para o primeiro. E ainda uma outra forma associada à toma de certos fármacos”, refere.

De acordo com Carolina Furtado, o LES é conhecido como a “doença das várias faces” ou o “grande imitador”, uma vez que pode apresentar sintomas “muito variados e, muitas vezes, imitar” ou ser confundido com outras doenças.

“Os sintomas, assim como a sua intensidade e gravidade, variam muito de pessoa para pessoa. O lúpus pode ser, por um lado, ligeiro, mas pode também ser devastador, incapacitante e até mortal”, salientou.
A médica especialista em Reumatologia no HDES realça que as manifestações mais comuns ocorrem na pele e nas articulações, todavia, os doentes podem ter “envolvimentos mais graves”, como o atingimento do rim e do sistema nervoso central.

“Os sinais e sintomas do LES incluem febre, manchas na pele, vermelhidão no nariz e na zona malar (maçãs do rosto), formando uma imagem semelhante às asas de uma borboleta, sensibilidade da pele ao sol, aumento da queda de cabelo, pequenas feridas na boca e no nariz (aftas), dor ou inchaço nas articulações, cansaço, mal-estar, dificuldade em respirar, dores no peito, tosse seca, dores de cabeça, alterações nas células do sangue, entre outros”, enumerou.

Carolina Furtado refere que estes sintomas podem ocorrer ao mesmo tempo ou de forma sequencial. “Existem períodos em que o doente não apresenta qualquer sintoma ou queixa, o que pode durar semanas, meses ou anos”, disse.

A especialista em Medicina Interna,Cláudia Rodrigues, afirma que o diagnóstico do LES pode ser um desafio, no entanto, “felizmente, nos dias de hoje temos ao nosso dispor várias ferramentas, escalas, que nos ajudam a atribuir determinadas pontuações e a perceber se o índice de suspeição da doença é alto ou baixo”.

A médica elucida que o diagnóstico é feito perante “uma história clínica bem feita, um exame objetivo ajustado às queixas e com recurso a exames complementares de diagnóstico”.

Ainda assim, “por vezes, o diagnóstico só vem mesmo com o passar do tempo, com a evolução e persistência de sintomas, sinais”, acrescenta.

Cláudia Rodrigues sublinha que “com seguimento apropriado, é possível à grande maioria dos doentes ter uma vida normal, com qualidade, apesar da doença, mas o seu curso é imprevisível”.

A médica internista recomenda ainda um estilo de vida saudável, que inclui “higiene de sono adequada, atividade física regular, dieta equilibrada, não fumar, restringir ao mínimo o consumo de álcool, gerir o stress também ajuda na manutenção dos períodos livres de doença”.

Para Carolina Furtado, “lidar com uma doença crónica como o LES pode ter um impacto negativo em várias dimensões” na vida dos doentes.

A nível físico, aponta que “a fadiga intensa e as dores musculares e articulares” podem dificultar a mobilidade, reduzir a autonomia e “afetar significativamente” a qualidade de vida. Além disso, a queda de cabelo, as lesões na pele, “por vezes ‘desfigurantes’”, o inchaço ou aumento do peso causado pelo tratamento (cortisona) podem afetar a autoestima.

Psicologicamente, “viver com uma doença imprevisível e incurável pode gerar sentimentos de tristeza, raiva, revolta, ansiedade e depressão”, prossegue.

No âmbito social, a médica frisa que o LES pode interferir com a vida profissional e pessoal, sendo que “os doentes podem ter dificuldade em manter empregos regulares devido à fadiga e às crises imprevisíveis”.

A reumatologista do HDES destaca ainda que “as atividades sociais podem ser reduzidas, levando ao isolamento e à sensação de incompreensão por parte dos outros, e as relações interpessoais - incluindo familiares e conjugais -, podem também ser afetadas pelo stress associado à gestão da doença”.

Na opinião de Cláudia Rodrigues, o impacto da doença crónica “pode fazer-se notar em várias frentes, mas não é igual de pessoa para pessoa”, dependendo da “intensidade da doença, mas também da capacidade de resiliência da pessoa afetada”.

Ademais, a especialista em Medicina Interna salienta que o lúpus “não é a mesma doença para a pessoa A e para a pessoa B”, havendo “uma escala de cinzentos”. “Diz-se na gíria médica, entre os médicos mais antigos - nos quais eu já me incluo -, que há ‘o lúpus, o lupinho e o lupão’”, relata.

Cláudia Rodrigues indica que existem “vários fatores moduladores da doença ao longo da vida de cada doente”, além de que “estes doentes estão sujeitos a ter todas as outras doenças e intercorrências infecciosas agudas, que poderão requerer sempre cuidados de outras especialidades”.

Por seu turno, a reumatologista Carolina Furtado elucida que a Reumatologia entra no acompanhamento de um doente com lúpus logo após o diagnóstico ou sempre que exista uma suspeita clínica da doença.

Carolina Furtado realça que os reumatologistas desenvolvem “competências diferenciadas”, ao longo de cinco anos de “formação especializada”, nomeadamente na área das doenças imuno-mediadas sistémicas, grupo no qual se insere o LES.

“Sendo a Reumatologia a especialidade médica qualificada e dedicada a esta área, com mais experiência no diagnóstico, seguimento e tratamento do LES, é a mais indicada para gerir a doença”, afirma.

A médica destaca que o LES é uma doença crónica e que, em cerca de 70% dos casos, evolui com exacerbações recorrentes, “muitas vezes imprevisíveis” e com “gravidade variável”. Por esse motivo, enfatiza a importância de um acompanhamento clínico e laboratorial regular.

No seguimento do acompanhamento, cabe também ao reumatologista a vigilância de fatores de risco cardiovasculares - como a pressão arterial, os níveis de colesterol e de açúcar no sangue -, devido ao risco acrescido de “complicações cardiovasculares inerentes à doença, do risco de osteoporose, do risco de infeções com controlo vacinal, bem como dos efeitos secundários dos tratamentos”, adianta Carolina Furtado.

“O reumatologista atua como figura central, coordenando a gestão destes doentes em estreita colaboração com outras especialidades, de acordo com o órgão predominantemente atingido”, explica Carolina Furtado, referindo especialidades como Nefrologia, Dermatologia, Neurologia, Oftalmologia, Obstetrícia (nos casos de gravidez de alto risco) e Medicina Interna, entre outras.

Por sua vez, Cláudia Rodrigues destaca o papel da Medicina Interna no diagnóstico e acompanhamento do lúpus.

“Em Portugal há mais de 31.500 médicos. Destes, cerca de 3 mil são internistas, enquanto que reumatologistas há apenas cerca de 250. O lúpus pode ter grande atingimento articular daí a importância da Reumatologia na orientação destes doentes, mas se não houvesse Internistas dedicados a cuidar destes doentes, não teríamos resposta capaz, dado o número reduzido de reumatologistas no país e que têm outra atividade para além de tratar doenças autoimunes”, explica. 

“Por todo o país temos atualmente mais de 40 coordenadores especialistas em Medicina Interna que, pelos números expostos, fazem concluir que a Medicina Interna é quem segue o maior número de doentes com lúpus no país”, refere Cláudia Rodrigues.

Apesar dos avanços nos tratamentos, a reumatologista Carolina Furtado aponta que persistem “diversos desafios” no acompanhamento dos doentes com lúpus, que afetam tanto os doentes, como os profissionais de saúde, e tornam o controlo da doença difícil a longo prazo.

Entre as principais dificuldades, salienta a dificuldade em “assegurar o tratamento contínuo por parte do doente, mesmo quando este se sente bem, pois a interrupção do mesmo pode causar crises graves”.

Outro dos desafios mencionados prende-se com a dificuldade em “atingir a remissão ou a baixa atividade da doença e garantir a qualidade de vida do doente de forma sustentada”.

Carolina Furtado sublinha que “a comunicação entre diferentes especialidades nem sempre é eficaz, o que pode atrasar tratamentos ou causar duplicação de exames”.
O acesso limitado a novos medicamentos, “que ainda não estão disponíveis em todos os países ou de uso restrito” é também apontado como um entrave.

A reumatologista acrescenta ainda que a literacia em saúde é igualmente uma limitação: “Muitos doentes não compreendem bem a doença, nem a importância de seguir o plano de consultas e o tratamento”.

Para ultrapassar estes desafios, Carolina Furtado defende a necessidade de “investir na educação do doente, no melhor acesso a cuidados multidisciplinares, na investigação para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes e seguros e incluir apoio psicológico e social no plano de cuidados destes doentes”.

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