Açoriano Oriental
#Empresa
Frascos de respeito e paixão pela natureza

Fundada em 1996, na freguesia da Candelária, ilha de São Miguel, a empresa familiar “Quintal dos Açores” nasceu como uma forma de aproveitar os excedentes da terra


Autor: Made in Açores


Fernando Sousa tinha 14 anos quando a luz chegou à freguesia da Candelária, na ilha de São Miguel. Cresceu num tempo em que o sol ditava os horários e nos quintais crescia o sustento que a terra e o tempo resolviam dar. Neto de agricultores, filho de comerciantes e pai de uma ideia que é hoje marca registada, algo que lhe iluminou a mente sem que para isso precisasse da eletricidade.

“A verdade é que não sabia nada do mundo”, confessa Fernando Sousa. “Não tínhamos acesso à informação que temos hoje. Não nos chegavam os jornais, nem televisão havia.” Existia, contudo, o engenho e a necessidade de aproveitar cada dádiva da terra. Habituado a ajudar na pequena mercearia da família, Fernando Sousa recorda como até os frascos de café e azeitonas eram usados uma e outra vez para conservar e levar todo o tipo de mercearias, das farinhas aos líquidos. Mas foi noutra utilidade dada a estes recipientes que Fernando Sousa reconheceu uma oportunidade.

Viu, durante muitos anos, a sua mãe fazer todo o tipo de doces, compotas, polpas e massa de pimenta para aproveitar os excedentes da terra. Lembra-se de ajudar a colocá-los nos frasquinhos reutilizados que depois vendiam na mercearia. Cada novo cliente confirmava a sua convicção de que tinha em mãos o potencial para formar uma indústria capaz de aproveitar esses excedentes da agricultura, transformar e criar valor.

Fernando Sousa diz que foi abril e a sua revolução de cravos que veio fazer com que a ideia começasse a florescer, tendo sido a entrada na União Europeia o grande ponto de viragem. “Quando comecei a ouvir os apelos ao investimento para jovens, aproveitei a oportunidade para concretizar o que esteve na minha mente ao longo de todos aqueles anos. Peguei numa esferográfica, pus a minha ideia no papel e foi aprovada”, relata. 

A empresa iniciou a sua atividade em 1996, com o apoio da sua esposa quando eram ainda “casados de fresco”, como o próprio descreve.

“Não lhe chamo um sonho, era um objetivo. Queria contribuir não só para a economia regional como também, e acima de tudo, para a agricultura”, assegura, acrescentando que o próprio nome, “Quintal dos Açores”, descreve essa sua vontade de apostar no setor primário, paixão herdada dos avós, como base do secundário e alavanca do terciário, legado dos seus pais. 

Atualmente, produz e comercializa compotas, geleias, marmeladas, pimentas, curtumes e temperos regionais, com base nas receitas que estão na família há muitos anos. “Fazemos o 3 em 1: produzir, transformar e comercializar. Se não tivesse apostado nesses três setores, estaria sempre dependente de um só e o negócio estaria muito mais vulnerável”, garante.

Reconhece as dificuldades sentidas nos vários sectores que a empresa abraça, a começar pelo primário, que diz sofrer, sobretudo, o impacto das alterações climáticas. “É preciso haver preparação e saber como tirar o melhor partido da terra para que ela tenha alguma rentabilidade”, alerta Fernando Sousa. “Não fazemos cultura intensiva, damos descanso à terra. Nesse aspeto, fazemos como antigamente. Damos rotatividade à terra, temos também animais que produzem estrume que fertiliza os terrenos. Fazemos questão de aproveitar toda a matéria orgânica”, explica. “Um dia vamos perceber que é preciso mudar de atitude se queremos preservar o que temos”, assegura.

Outro aspeto que preocupa Fernando Sousa é o desperdício das embalagens, um ponto chave na forma como os produtos são comercializados. “Fala-se muito do plástico, mas vai para além disso. O vidro gasta energia, o papel implica abater árvores, portanto, o granel é uma boa solução”, resume, aplicando os ensinamentos antigos, que a infância lhe deixou, lições que continua a praticar diariamente.

Apesar dos quase trinta anos volvidos desde a sua formação, Fernando Sousa garante que há ainda muito a cumprir. “Ainda agora estamos a começar”, sublinha, revelando os planos de inaugurar novas instalações em breve, que ajudarão a colmatar a falta de mão de obra através da automação de processos e melhorar a produtividade. Apesar da dificuldade reconhecida no processo de licenciamento, aguarda agora apenas as aprovações finais para avançar.

O empresário garante manter a sua visão inicial e deixa o apelo para que as entidades governamentais tenham uma visão de complementaridade na definição de estratégias de apoio a cada setor.

“De um modo geral, só se aproveita cerca de 50% do produto da agricultura para vender a fresco. Se tudo o resto for transformado, não só se gera valor como produz algo com maior prazo de validade, o que abre a porta à exportação. Assim é que se chega à rentabilidade. Não vale a pena apoiar ou subsidiar a agricultura se não pensarmos também no setor da transformação”, defende.

Fernando Sousa continua a cultivar este quintal com um renovado sentido de missão. “Acredito que, lentamente, as coisas tomarão o seu caminho.”, assegura, avistando essa luz não tão distante, que dispensa fios ou cabos pesados e que alimenta a imaginação.

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