Açoriano Oriental
Com uma imagem que vale milhões, Noddy e Ruca ajudam a vender bolachas e produtos bancários
Criados para distrair e ensinar, ajudam a vender brinquedos, bolachas e produtos bancários. Noddy e Ruca não são jogadores de futebol nem estrelas de cinema, mas como os ídolos de carne e osso têm uma imagem cuidadosamente gerida que vale milhões.

Autor: Lusa / AO online
    Só em direitos de propriedade (os chamados royalties), que não incluem os direitos de transmissão na televisão, a personagem Ruca, por exemplo, rendeu mais de um milhão de euros em cinco anos. Mas o campeão é mesmo o Noddy, que arrecada entre 1,5 e dois milhões de euros por ano.

    O preço que uma empresa ou marca paga por usar estes ídolos dos mais pequenos em embalagens ou publicidade é muito variável, mas a alimentação e os livros é onde normalmente sai mais barato "contratar" o Noddy ou o Ruca.

    E ter um boneco na embalagem ajuda - e muito. As vendas num único mês de umas bolachas com a cara do Noddy ultrapassaram as estimativas de venda que a empresa tinha feito para um ano inteiro, exemplifica Sofia Jardim, da Biplano, a empresa que tem dos direitos de propriedade do famoso boneco.

    Mas as empresas licenciadoras, as "donas" das personagens que autorizam a utilização da sua imagem, têm cuidado na gestão da sua marca e não permitem, por exemplo, que estes ídolos das crianças sejam usados em publicidade a doces com doses elevadas de açúcar ou em comida de plástico.

    É que más associações são sinónimo de maus negócios: podem existir apenas picos de venda de um produto em vez da continuidade pretendida, inundação do mercado ou desinteresse dos pais, segundo várias especialistas ouvidas pela Lusa.

    Mafalda Bernardino Teixeira, da empresa de marketing infantil Mkids, lembra ainda que os miúdos também não gostam de ser "enganados" e ver as suas expectativas frustradas.

    Assim, é sempre acautelada a relação com os conceitos transmitidos pelas personagens - alimentação saudável, hábitos de vida e de consumo positivos - , garantem as empresas Elastic Rights, que licencia o Ruca, e Biplano, a "dona" do Noddy.

    Mas o poder destas personagens vai além do universo infantil e, recentemente, tanto o Ruca como o Noddy foram associados à imagem de bancos. A associação a uma "marca querida das crianças pode ser uma maneira de [uma empresa] se diferenciar da concorrência, chamando a atenção para a sua proposta e mostrando ainda que sabe e entende de crianças e do que é importante para elas", explica Madalena Castro, da empresa de comunicação e marketing infantil Zero a Oito.

    A primeira porta de entrada dos ídolos infantis na casa das famílias é a televisão, mas passado algum tempo começam a surgir os vídeos e os livros, depois os brinquedos e mais tarde outros produtos paralelos, como festivais musicais. Uma estratégia que visa dar a conhecer a personagem e ganhar a confiança dos mais pequenos, mas também do resto da família, conseguindo assim criar abertura para produtos que ainda não existem.

    O que acaba por acontecer é um ciclo de "retroalimentação do consumo", segundo Maria João Alvares, da Elastic Rights.

    Sofia Vieira, especialista em consumo e marcas no grupo de media Omnicom, explica que mesmo que a série de televisão se extinga, as personagens "têm vida própria e vivem na Internet, têm vídeos e livros".

    O Ruca e o Noddy estão vocacionados para a faixa dos três aos seis anos, mas as cores primárias das séries, a música apelativa e as escolhas dos pais fazem muitas vezes baixar a idade dos "consumidores" das personagens, cuja força e valor parece não ser afectada pela crise.

    "Os pais fazem tudo: infelizmente os pais trabalham muito, chegam tarde a casa e, para tentar compensar, enchem as crianças de brinquedos. Talvez nós estejamos a jogar de forma errada com isso, mas cada um gere a sua família como acha melhor", afirma Maria João Alvares.

    Os pais dizem que tentam não ceder, mas assumem que é difícil resistir "à agressividade comercial" quando, ainda por cima, está envolvida uma personagem tão presente na vida dos filhos.

    "Já nem me lembro da Beatriz sem o Noddy", assume a mãe desta menina de três anos, num quarto onde grande parte da parede é ocupada por um painel do boneco. Beatriz tem também um computador do Ruca e vai nomeando com todo o à vontade cada uma das Winxs. Ana garante não ceder em tudo o que a filha pede, apenas “uma vez por outra”.

    Com 15 meses, a Matilde arranca sorrisos à mãe Salomé quando "dança, abana os braços e diz ca-ca-ca".

    As reacções devem-se ao início de mais um episódio do Ruca e bastam as letras deste desenho animado no ecrã da televisão para a menina ficar eufórica. Apesar da idade da filha, assume que as compras já começam a ser determinadas pela presença do Ruca, o que inclui as bolachas, que "apesar de um bocadinho mais caras" acabam por ir parar ao cesto do supermercado.

    Luís é pai do Henrique e da Carolina, de quatro e dois anos. Os mais pequenos tentam sempre pedir os produtos que têm os seus ídolos nas embalagens, mas Luís garante usar o "não pedagógico" numa altura que há, sobretudo, a "cultura do sim". "Quando se dá tudo, a excepção passa a ser a regra", diz, admitindo porém ter dificuldades em resistir à "agressividade comercial".

    Segundo um estudo da APEME (Área de Planeamento e Estudos de Mercado) de 2007, entre os produtos que as crianças portuguesas dos quatro aos seis anos dizem escolher sozinhas estão brinquedos, comida, pasta de dentes, roupa, champô e até detergentes para a roupa.
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