Açoriano Oriental
As velas que perpetuam a tradição e cultura baleeira

Neuza Azevedo, natural das Lajes do Pico, é atualmente a única pessoa que realiza a confeção de velas de botes baleeiros nos Açores. É também a presidente da Associação de Classe Bote Baleeiro Açoreano e fã ávida da prática das regatas baleeiras



Autor: Rafael Dutra / Rui Jorge Cabral

Neuza Azevedo, de 36 anos, é natural das Lajes do Pico, estudou Design de Moda, na Universidade da Beira Interior e, atualmente, além de ser a presidente da Associação de Classe Bote Baleeiro Açoreano (ACBBA) é a única pessoa, nos Açores que faz a confeção de velas de botes baleeiros.

A cultura baleeira é algo que lhe corre nas veias. O seu bisavô, conhecido por João das Vinhas, pai do avó materno João Baptista, foi baleeiro e mestre da lancha. O bisavô materno, pai da avó materna, João Tavares foi oficial e gerente de baleação em Santa Cruz das Ribeiras.

“Ele (João Tavares) foi autodidata na confeção das velas de botes baleeiros e ensinou ao meu avô João Baptista. A minha família estava muito ligada à baleação, o meu bisavô começou a fazer, passou para o meu avô e depois fiquei eu”, conta Neuza Azevedo, em entrevista ao Açoriano Oriental.

O processo, que envolvia a família, era realizado em casa ou, às vezes, para certas tarefas, no salão da filarmónica da sua freguesia. O seu avó era o principal responsável pelas velas, mas a sua avó tratava da parte da costura, e a sua mãe e tio também ajudavam, quando era necessário. Neuza, a partir dos 15 anos também já se envolvia na lida familiar, quer na parte de cortar, talhar e arredondar, tarefas mais complicadas devido às dimensões muito elevadas da própria vela.

A tragédia na família acabou por culminar na necessidade de alguém assumir as rédeas deste trabalho. Neuza estava no segundo ano da faculdade, em 2008, quando o seu avô, João Baptista, que fazia as velas dos botes baleeiros, faleceu, de forma repentina.

Então, pela necessidade de continuar a confeção das velas, acabou por ficar com a responsabilidade, “quase como de empurrão”. “Fiz o meu primeiro pano com a ajuda da minha mãe, um pouco à experiência. Não sabíamos se ia correr bem ou não. O primeiro trabalho que fiz correu bem e a partir daí continuei,” explica.

Apesar de ter pegado na ‘tocha’ e continuado o legado familiar, Neuza nunca pensou que seria ela a dar seguimento à confeção das velas. “Pensei que seria a minha mãe ou o meu tio. Mas, uma vez que não quiseram, senti que tinha o dever de pelo menos tentar, porque acho que é importante manter a tradição das regatas baleeiras. A tradição é importante e a parte afetiva, por estar ligada à minha família muitos anos, claro que me fez querer continuar”, afirma.

Segundo Neuza, havia uma empresa do continente que também fazia este trabalho, mas sendo a empresa mais industrializada, não fazia um processo que necessita ser realizado à mão, a costura de um cabo às partes laterais da vela. Assim, a jovem picarota é a única pessoa nos Açores que confeciona velas nos Açores.

“Por norma todos os clubes náuticos fazem comigo. Nos Açores, quase todas as ilhas têm [clubes náuticos] e na América, em New Bedford, no Estado de Massachusetts, também já me pediram velas, quer para o museu quer para as regatas, [eles] também têm tradição nas regatas baleeiras”, explica Neuza.

Regatas estas que não são desconhecidas à picarota, que começou a praticar, aos 15 anos, na vertente de remo, no clube náutico de Santa Cruz. “No Pico é muito vivenciado [as regatas baleeiras]. Praticamente todos os sábados há regatas, aquilo é quase o futebol do verão”, diz.

Agora reside na ilha de São Miguel, há cerca de cinco anos. Vive por isso, uma realidade muito distante àquela presenciada no Pico e Faial, ilhas que considera ter uma “vivência da cultura baleeira muito mais vincada”, em comparação à ilha onde vive. “Em São Miguel, está muito esquecida, todas as fábricas, tudo o que era da cultura baleeira foi vendido ou destruído, não houve o cuidado de manter”, realça.

Por isso, quando lhe questionaram se queria assumir o cargo de presidência na ACBBA, foi uma responsabilidade que teve o seu interesse. “A associação era pequena e muito dedicada à vela, eram pessoas que estavam na associação há muito tempo e estavam cansadas. Percebo porquê, nesta ilha tentar trazer as memórias da baleação e da cultura baleeira ao de cima era muito complicado, encontrámos entraves em tudo. Não estamos a conseguir as verbas e apoios que precisamos. E, uma vez que sou do Pico e faço a confeção das velas, foi um convite que aceitei. Tenho disponibilidade e é com orgulho que me vejo envolvida na cultura baleeira. Tenho dado o meu melhor”, conclui.

PUB
Regional Ver Mais
Cultura & Social Ver Mais
Açormédia, S.A. | Todos os direitos reservados

Este site utiliza cookies: ao navegar no site está a consentir a sua utilização.
Consulte os termos e condições de utilização e a política de privacidade do site do Açoriano Oriental.