Açoriano Oriental
Anticiclone: outubro trouxe ventos de música a Santa Maria

Se há ventos que queremos na ilha do Sol são os ventos de música. E não, não estou a falar de meteorologia. O Anticiclone é uma residência artística que trouxe à ilha de Santa Maria momentos de partilha musical musical

Anticiclone: outubro trouxe ventos de música a Santa Maria

Autor: Roberto Sousa Moura

A segunda edição proposta por Isabel Mesquita começou a 19 de outubro com uma mostra cultural mariense do Grupo de Folclore da Casa do Povo de Santo Espírito. Com clássicos marienses que trouxeram o público presente a um pé de dança, houve também tempo para desafiar o grupo a ouvir e depois dançar uma das músicas dos Cordel.

A finalizar o primeiro dia em residência, João Pires traz-nos uma viagem pela viola, desde a Grécia até ao alaúde e às semelhanças com as cordas árabes – mostrando a evolução deste instrumento particularmente na Península Ibérica. João viajou muito desde novo, o que se refletiu naquilo que conseguiu beber da guitarra pelo mundo inteiro. Ernesto Sousa (Bica) mostrou-nos como a Viola da Terra é poderosa e deve ser valorizada.

No segundo dia, a Biblioteca Municipal acolheu a palestra de Etnomusicologia – Prática e Pesquisa Musical. Francesco Valente, baixista de projetos como Terrakota ou Aline Frazão, é um autêntico investigador do estudo da música. Relatos de viagens, estudo dos instrumentos e os primeiros registos musicais desde os tempos tribais para destacar a importância de conhecer o outro lado da música, mencionando por exemplo, os trabalhos que fez de investigação no pós-lockdown da pandemia Covid19 e a forma como se pôde refletir sobre novas formas de performance.

Do público surge o tema dos falsetes dos foliões do Espírito Santo, algo que inegavelmente todos concordaram na necessidade de refletir, estudar e registar.

À noite rumámos até à renovada Casa da Associação dos Escravos da Cadeinha para o concerto de João Pires – artista de perspicácia na guitarra, viajando por Brasil ou Cabo Verde, regiões onde o músico consegue captar semelhanças com a música portuguesa. João convidou ainda Ivo Costa e Francesco Valente para encerrar em beleza o primeiro concerto.

Tal como Francesco Valente, para Ivo Costa, Santa Maria não era terra desconhecida, pois havia pisado em 2016 o palco da Maré de Agosto com Carminho. O baterista “filho de não-músicos, mas vindo de uma família de músicos” faz os primeiros ventos soprarem nesta quinta feira, 3º dia de Anticiclone 2021 com um Workshop de Percussão. Ivo teve influências como Stevie Wonder ou Earth Wind and Fire – algo que admite ter ajudado muito na sua formação musical.

Mostrou-nos ritmos como Funaná ou as aplicações mais ‘pop’ em músicas como as que toca com Carminho. Fazer misturas que não são explícitas e deixar que o ouvinte tente descobrir os ritmos que ouve é algo que lhe dá muito prazer.

No fim, vimos as baquetas nas mãos de uma criança a dar os primeiros passos na execução de um ritmo base. Da plateia ouvia-se que este ano o rapaz já sabia qual seria a sua prenda de Natal – algo que a mãe admitiu que foi mesmo esse o pedido, dado o entusiasmo do jovem.

À noite, de volta aos concertos, foi a vez de Edu Mundo tocar, sozinho, num concerto íntimo e divertido com um aparente “não à vontade” do músico que se desconstruiu rapidamente através do seu sentido de humor caricato. Márcio Silva (Edu Mundo) fechou a noite com uma declaração à importância de valorizar e preservar a nossa cultura e música tradicional: “Isto é serviço público”.

O 4º dia é reservado ao concerto dos Cordel: banda de Edu Mundo e João Pires que trazem ao palco Francesco Valente no baixo e Ivo Costa na bateria. Um palco com um adereço resultante de uma residência artística do Azores 2027, apresentado pelo embaixador desta ilha na candidatura dos Açores como capital europeia da cultura, e um concerto pelo humor de Edu Mundo e por temas que contam histórias marcados pelas batidas da chula ou do vira. João e Edu têm composições para artistas como Ana Moura, Sara Tavares, Fogo Fogo ou António Zambujo.

A tarde de sábado começou com o projeto de Alexandre Fontes e Rui Resendes – Engengroaldenga. Uma autêntica viragem pessoal à Viola da Terra, com uma prova viva de dedicação a um projeto que visa dar uma alma própria a este instrumento, também com violão em muitos temas. Uma roupagem contemporânea com uma declaração: “O importante é tocar a Viola da Terra e não a deixar esquecida”.

A terminar esta última tarde, Edu Mundo apresentou-nos um workshop sobre Escrita de Canções. Uma viagem de quase 3 horas numa interessante e divertida conversa que nos levou à descoberta do ritmo e da sua associação às sílabas ou como se deve escrever sobre o banal para se saber escrever sobre coisas menos banais. Sair de nós próprios e dar cor e tonalidade às palavras é um desafio que propôs a todos.

Eram cerca das 23h quando os primeiros artistas subiram ao palco para a jam session que esteve ininterrupta até às 4 da manhã.

Pelo meio ouvimos a “Chamateia” com Luís Alberto Bettencourt presente, ou até a formação quase completa dos Ronda da Madrugada que se juntou em palco.

Em 2019 o Anticiclone marcou a sua passada para ficar e dois anos depois o balanço é positivo. Para Isabel Mesquita, espera-se que se mantenha, apelando à participação de todos. De realçar que este foi um evento gratuito aberto à comunidade e é bonito perceber que apesar das temáticas direcionadas à música – o Anticiclone traz sempre ventos de tantos outros continentes: o continente da partilha, o continente da História, o continente da conversa… Que voltemos a estar juntos na Biblioteca Municipal ou onde quer que se faça do Anticiclone um palco.

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