Autor: Arthur Melo
Margaret C. Campbell ocupa o cargo de Cônsul nos Açores há pouco mais de dois anos. Que balanço pode fazer da sua atividade na Região desde 2022, quando falta um ano para terminar a sua comissão de serviço?
Servi em todas as partes do mundo e este é o lugar onde a minha família se sente mais em casa. Não há lugar como este. O clima, a gentileza das pessoas, as belas paisagens. E não vamos esquecer a comida.
O Consulado dos EUA nos Açores é o mais antigo do mundo. Quais são as funções e os objetivos que o Consulado procura promover e estabelecer com a Região Autónoma dos Açores?
É verdade que somos o consulado mais antigo do mundo. George Washington nomeou John Street como cônsul nos Açores em 1795, apenas seis anos após a ratificação da Declaração da Independência.
A nossa prioridade é a segurança e o bem-estar dos cidadãos americanos que viajam ou vivem nos Açores. Além disso, como vizinhos marítimos, temos muitas áreas de colaboração. Viver aqui neste belo cenário reforça a necessidade de proteger o ambiente para os meus filhos e para as gerações futuras. Criámos um diálogo entre açorianos e especialistas em alterações climáticas, promovemos o apelo do Presidente Biden para expandir as áreas marinhas protegidas e ligámos cientistas açorianos que monitorizam a qualidade do ar e a monitorização atmosférica com especialistas nos Estados Unidos para promoverem e partilharem as melhores práticas entre si.
E quais são as tarefas e competências, no seu caso, de uma cônsul?
O que adoro neste trabalho é que não existem dois dias iguais e nem todos os dias são glamorosos! Trabalho diariamente com a embaixada em Lisboa para garantir que prestámos um serviço de excelência a todos os cidadãos americanos, e aos nossos parceiros portugueses.
Trabalho em conjunto com o Governo Regional dos Açores na aprovação de bolsas Fulbright para jovens açorianos estudarem nos Estados Unidos, e vice-versa. Gosto de prestar serviços consulares a americanos, muitos dos quais têm dupla nacionalidade, e gosto particularmente de fazer certidões de nascimento para garantir que os cidadãos americanos mais recentes sejam registados.
Quantos cidadãos dos EUA residem nos Açores e quais os principais motivos que os levam a procurar o Consulado?
É difícil estimar porque há alguns luso-americanos que podem não estar registados connosco, mas acreditamos que há milhares de americanos a viver nos Açores.
Muitos têm herança açoriana, mas recentemente demos as boas-vindas a outros americanos que decidiram que os Açores são o melhor lugar para criar a família.
Certamente que o Consulado continua a prestar apoio a quem pretende emigrar para os EUA. Esta vaga de emigração açoriana para a “Terra do Tio Sam” continua a ser uma realidade?
Bem, estou ciente da grande onda de imigração para os Estados Unidos devido à Lei dos Refugiados dos Açores, patrocinada pelo então Senador John F. Kennedy após a erupção do vulcão dos Capelinhos. Tive orgulho de visitar o museu nos Capelinhos e de ver fotos e passaportes daquela época – mais uma lembrança de como os Estados Unidos e os Açores estão geograficamente e emocionalmente ligados.
Desde que os cidadãos portugueses podem viajar utilizando o programa de isenção de vistos para visitar os Estados Unidos e vice-versa, os açorianos e os americanos têm a oportunidade de viajar de um país para o outro mais facilmente.
Em 2023, mais de 2 milhões de americanos visitaram Portugal, um recorde.
Nos Açores, os americanos são os estrangeiros que mais visitam as ilhas, registando mais de 75 mil dormidas no ano passado.
Os visitantes americanos contribuíram com 2.5 mil milhões de euros para a economia de Portugal em 2023, um aumento de 32% em relação a 2022.
Este próspero intercâmbio turístico não é unilateral.
Mais de trezentos mil cidadãos portugueses, incluindo mil e quatrocentos estudantes, viajaram para os Estados Unidos em 2023, contribuindo com mais de duzentos e quarenta milhões de euros para a economia dos EUA.
Certamente que esta longevidade – do Consulado – atesta a importância que os EUA dão aos Açores. Que importância é esta e que novas relações podem vir a ser fomentadas no futuro entre os EUA e a Região?
Dizemos que o céu é o limite, mas talvez seja mais adequado aqui dizer que o oceano é o limite! Estamos a trabalhar numa série de iniciativas nos domínios do combate às alterações climáticas, monitoração da qualidade do ar, proteção do mar, e mais ainda!
Há alguns meses, o especialista norte-americano Adam Bloomquist participou num congresso em Ponta Delgada sobre mudanças climáticas. Antes do congresso, ele explicou-me uma nova maneira de pensar nos recursos naturais. Uma baleia, quando caçada, tinha um valor impressionante. Mas hoje, uma baleia viva no seu habitat natural tem um valor muito maior, mais de dois milhões de euros por ecoturismo.
O intercâmbio de especialistas fazem-nos abrir os nossos olhos para estas novas realidades. Uma das minhas prioridades é criar estas oportunidades.
Que tipo de relações são promovidas pelo Consulado dos EUA nos Açores com a sociedade açoriana e que atividades ou parcerias têm vindo a ser desenvolvidos, pelo menos durante o tempo do seu mandado?
Devo dizer que a minha experiência mais gratificante este ano foi a visita inspiradora da bicampeã olímpica e campeã mundial da FIFA Brandi Chastain e do treinador de futebol Rado Pletka aos Açores em abril.
Quando cheguei há dois anos, vi o talento das jovens açorianas no futebol. Na verdade, elas são tão boas que normalmente jogam com os rapazes.
Como antiga estudante atleta, estou determinada a fazer tudo o que estiver ao meu alcance para ajudar a criar oportunidades para as jovens que queiram praticar desporto – qualquer desporto. As raparigas – tal como os rapazes – não devem ser limitadas nas suas escolhas.
Todos sabemos como os desportos são importantes para os jovens – promovem um estilo de vida saudável, aumentam o desempenho académico e reduzem as taxas de consumo de drogas e de gravidez na adolescência.
Ao mesmo tempo, desenvolvemos habilidades para a vida toda que, tal como disse a Brandi, “as meninas que jogam tornam-se mulheres que lideram”.
Falta um ano para terminar a sua estadia nos Açores. Que iniciativas o Consulado tem previstas para os próximos 12 meses?
Temos muitas! A nossa colaboração com os Açores tem varias formas, mas na minha opinião, a área mais interessante é a área científica.
O nível de ensino das ciências aqui é impressionante: os meus filhos podem descrever todas as pedras presentes aqui nas ilhas. Gostaria de criar mais oportunidades de intercâmbio científico, seja para estudantes, pesquisadores, ou funcionários do governo. É uma área em que temos muito para partilhar.
Além disso, é a minha expectativa que a quantidade de visitantes vai aumentar este ano. Mas o turismo não é a única forma de investimento!
Este ano tive a oportunidade de reunir com a diretora da Nonagon, Teresa Ferreira. Aquele projeto é um bom exemplo da alta tecnologia que acontece aqui nos Açores, que talvez não seja tão conhecido como deveria ser.
A visita lembrou-me que gostaria de criar mais oportunidades para os que queiram investir aqui.
Estamos constantemente a coordenar e a compartilhar boas práticas entre agências policiais e as suas congéneres portuguesas, também aqui nos Açores.
Foi fácil a sua adaptação – e a da sua família – aos Açores?
No dia em que cheguei fomos recebidos por um dos meus açor-americanos preferidos, o Pedro Bicudo, que trouxe o sobrinho, Francisco, para receber o meu filho, que tem a mesma idade.
Mas, como qualquer outro novo posto, existem alguns desafios e, embora eu tenha tido o privilégio de aprender um pouco de português antes de chegar, os primeiros meses na escola foram definitivamente um desafio para os meus filhos. Creio que esta experiência enriqueceu a sua educação de uma forma que nunca receberiam se vivêssemos nos Estados Unidos. Agora, os meus filhos falam português fluentemente e com um orgulhoso sotaque micaelense.
Sempre que pode e tem disponibilidade, costuma participar em eventos desportivos. Qual é a sua ligação ao desporto?
Sempre tive muita energia e comecei a praticar desporto aos 5 anos. Nos EUA, o desporto é parte integrante da experiência do ensino. Pratiquei cross-country, basquetebol, futebol e fiz ballet.
Agora é mais difícil conciliar o exercício físico com filhos e trabalho, mas tento manter-me ativa quando tenho tempo, seja através de aulas de dança online, corrida ou natação. Venho de uma família de nadadores – o meu tio e o meu primo detêm recordes de bruços nos EUA e o meu tio acabou de viajar para Doha para participar no campeonato de polo aquático aos setenta anos.
Sou a ovelha negra da família, pois só comecei a praticar natação há cinco anos, após a minha mãe falecer. O meu pai é um nadador ávido e eu queria fazer-lhe companhia, então comecei a participar dos seus treinos de natação. Ele inspirou-me a ingressar aqui na equipa de natação do Clube Naval de Ponta Delgada.
Já corri algumas maratonas e tento fazer uma meia maratona em todos os sítios onde moramos. Aproveitei a meia maratona aqui de Ponta Delgada à Ribeira Grande em março deste ano.
O meu marido tornou-se um super adepto do clube de futebol Santa Clara, o que nos ajudou a construir uma forte ligação à comunidade desportiva também daqui.
O que gostaria de sublinhar como mensagem final desta entrevista?
Quero novamente agradecer esta oportunidade. Tenho um enorme respeito pelo trabalho dos jornalistas. Nos nossos dias, é mais importante do que nunca. Em todo o mundo, vemos uma diminuição da valorização deste esforço. Como o Secretário de Estado norte-americano Antony Blinken disse o mês passado, “O livre fluxo de informação, ideias e opiniões – incluindo opiniões divergentes – é essencial para uma governação transparente, reativa e inclusiva”. Concordo completamente. O jornalismo é a pedra angular de uma sociedade livre. Obrigada pelo seu trabalho que é crucial.
A entrevista a Margaret C. Campbell é emitida na Rádio Açores TSF este domingo pelas 11h00, com repetição amanhã por volta das 14h00