Açoriano Oriental
A tradição da ‘Oitava’ do Natal já não é o que era

Nos Açores, o dia 26 de dezembro já foi praticamente um ‘feriado’, um dia de mesa posta para a família menos próxima e para as visitas ‘de ano a ano’. Com origem religiosa, a ‘Oitava’ está a tornar-se, por via da globalização, num dia de saldos e ‘troca’ de presentes

A tradição da ‘Oitava’ do Natal já não é o que era

Autor: Rui Jorge Cabral

Na tradição açoriana e ao contrário do que acontece no continente português, o dia 26 de dezembro ou a chamada ‘Oitava’ do Natal era como se fosse um dia feriado.

Um ‘prolongamento’ do Natal, com origem na tradição católica, onde a mesa do Natal permanece posta para receber as visitas ‘de ano a ano’ ou a família menos próxima.

Dia tradicionalmente de tolerância de ponto na Função Pública, a ‘Oitava’ do Natal era também, na tradição açoriana, um dia de descanso no comércio, depois das horas extraordinárias dos dias anteriores ao Natal.

Além disso, sendo o Natal uma altura em que muitas pessoas se deslocam para se reunirem com a família, também o dia 26 acabava muitas vezes por ser o dia de ‘tolerância’ para permitir o regresso a casa das pessoas que foram passar o Natal fora da sua zona de residência.

Na tradição anglo-saxónica,  a ‘Oitava’ do Natal é o ‘Boxing Day’, dia que se tornou, também cada vez mais em Portugal, como um dia do comércio, dos grandes saldos a seguir ao Natal e das trocas dos presentes de que não se gostou.

E embora a tradição nos Açores já não seja o que era e cada vez mais o dia 26 de dezembro se vá tornando aos poucos um dia normal, a ‘Oitava’ do Natal mesmo assim ainda permanece em muitas casas como um dia de descanso, passado com a família e com os amigos, com a mesa sempre posta.

Em declarações ao Açoriano Oriental, a socióloga Piedade Lalanda explica que “a ‘Oitava’ da festa decorre de uma tradição católica de algumas grandes datas da Igreja serem festejadas durante oito dias, sendo que todos eles teriam festividades”. Uma tradição que foi sendo reduzida ao longo dos anos apenas para o Natal, para a Páscoa e para o Pentecostes.

Na tradição judaico-cristã, refere Piedade Lalanda, “o oitavo dia da festa era mesmo o dia mais solene, por ser o dia do encerramento da festividade”.

E na cidade de Ponta Delgada, por exemplo, ainda se mantém a ‘Oitava’ da Páscoa, ou segunda-feira de Pascoela, “em que as pessoas ainda têm por tradição ir à ermida da Boa Nova, na Fajã de Baixo, em peregrinação”.

Do ponto de vista simbólico, explica Piedade Lalanda, “o número oito é o símbolo do equilíbrio, da mediação e da renovação, sendo mesmo um número sagrado em sociedades como a japonesa”.

Na tradição cristã, prossegue a socióloga, “o oito simboliza a Ressurreição e a Transfiguração, não sendo por acaso que as Romarias Quaresmais aconteçam também durante oito dias”.

Sendo a ‘Oitava’ do Natal um dia dedicado às visitas familiares e de amigos nos Açores, Piedade Lalanda salienta a “dimensão comunitária” da festa, como um momento “de partilha, do juntar das pessoas em família e em comunidade”, bem como de estar com “aqueles que, ao longo do ano não se visitam”, numa ideia de “reconciliação” e de um “tempo novo”, numa época em que se faz um “balanço” e se “recomeça um ciclo”.

E conforme explica Piedade Lalanda, a mesa sempre posta do Natal tem este lado simbólico das “pessoas abrirem a sua porta e estarem mais disponíveis para não se perderem os laços entre elas”, num sentido de “ninguém ficar de fora”.

Nos tempos atuais, contudo, o Natal comercial começou a ganhar terreno às tradições religiosas e familiares.

Por isso, conclui Piedade Lalanda a propósito do dia 26 de dezembro se ter tornado também no dia das trocas dos presentes de Natal, que esta situação reflete uma tendência de “desprendimento” em relação ao ato de oferecer, por oposição à oferta dada por alguém que conhece e que sabe o que é que a outra pessoa precisa.

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