Autor: Paulo Faustino
O São João da Vila deste ano em que é que difere em relação às edições anteriores?
Nós
tentamos todos os anos aperfeiçoar, aprendendo com os erros dos anos
anteriores. Também não convém inovar muito porque as tradições são o que
são e, portanto, não temos que inovar todos os anos. Temos, sim, que
melhorar, mas não inovar no sentido em que a tradição das marchas
populares é a que é. Tem havido uma grande apetência de mais grupos para
integrarem as marchas. Este ano, temos 17 marchas, o que constitui um
número bastante significativo e o desafio que temos é de, em tempo
adequado, fazer exibir todas essas marchas. Da nossa experiência sabemos
que, a partir da meia-noite, meia-noite e meia, uma hora da manhã, as
pessoas ficam cansadas e começam a abandonar a festa e isso não é muito
positivo para as marchas que desfilam em último lugar. Daí que a gestão
do percurso das 17 marchas pela rua principal de Vila Franca do Campo,
saindo na Rotunda dos Frades e chegando à Praça Bento de Góis, tem que
ter uma logística que deve ser acompanhada pela Câmara Municipal - cada
marcha tem um funcionário que a acompanha. Sabemos que, às vezes, no
encanto de bailar, dançar, divertir, as marchas se distraem e permanecem
muito tempo no mesmo local, que são os pontos onde eles desenvolvem
toda a sua coreografia e, às vezes, distraidamente, fazem duas
coreografias, repetem a coreografia. Portanto, esse é um ponto que nós
identificámos em anos anteriores, que este ano e já no ano passado
correu muito bem, e portanto temos esse desafio de, em tempo oportuno,
conseguirmos fazer desfilar as 17 marchas que temos.
Este ano, temos
talvez uma novidade e outra não tanto novidade, mas é com agrado que
recebemos. Temos uma marcha de emigrantes, que são pessoas que vivem nos
Estados Unidos, no Canadá e na Bermuda, que virtualmente terão ensaiado
e que tiveram dois ou três dias cá para fazer os ‘finalmentes’ e dar os
últimos retoques. É a primeira vez que isso acontece, o que é
interessante, e temos também uma marcha de Vila do Porto, que é
vila-irmã e que este ano também recebemos com muito gosto. As outras 15
são provenientes de todas as freguesias do concelho e esse é o momento
alto das nossas festas.
Como sabe, a festa tem uma logística de
tornar os espaços confortáveis para quem assiste. Realizámos a montagem
de várias bancadas, locais próprios para as pessoas se sentirem
confortáveis, colocámos iluminação da via pública adequada, portanto,
tudo isso, dá um trabalho extraordinário que muito agradeço aos
trabalhadores e funcionários da Câmara, que durante esta época dão o seu
melhor para exibirmos as marchas às milhares de pessoas que nos visitam
durante o São João e para que tenham as melhores condições para
assistirem às nossas festas.
Está no seu último mandato como
presidente da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo. Qual o balanço
possível de ser feito e o que é que ainda está por fazer?
Ora bem, é
sempre difícil da minha parte fazer referências elogiosas ao meu
mandato, mas na verdade, nesses últimos 11 anos, houve uma evolução
muito significativa. Quando aqui cheguei, a dificuldade maior era
financeira, tínhamos um problema financeiro grave. E dou-lhe só um
exemplo do que se transformou. Em juros nós pagávamos 1,3 milhões de
euros (ME) por ano, fora o capital, isso fazia com que nos primeiros
anos em que assumi a função, sobrasse muito pouco dinheiro para fazer
investimentos. Não tínhamos mesmo dinheiro nenhum para fazer
investimentos, uma vez que os salários correspondiam a cerca de metade
do orçamento, depois mais um quarto para juros e dívida e sobrava uns
trocos para fazer uma gestão corrente e isso ressentiu-se, naturalmente,
nos primeiros anos, na falta de investimento que nós podíamos fazer.
O município perdeu fundos comunitários por causa disso?
Perdemos
muito investimento e, portanto, não tínhamos dinheiro para fazer esse
investimento. Daí para cá, de 1,3 ME de juros, passamos a pagar 280 mil
euros por ano, ou seja, uma poupança de 1 milhão e poucos mil euros. De
um orçamento que andava à volta dos 6, 7 milhões, o último orçamento foi
de 15 milhões. Isso porquê? Porque alavancámos em fundos comunitários e
nós hoje dispomos de uma folgada situação financeira. Temos a dívida,
não a pagamos toda, mas a dívida foi negociada e controlada. Extinguimos
cinco empresas municipais, uma fundação, uma cooperativa,
internalizámos todas essas atividades. Hoje em dia só há duas empresas
que não são municipais: uma ligada à área social, ou seja, tem a ver com
a habitação social e é sustentável - este ano deu um lucro de 167 mil
euros - e a marina, que também costumava dar prejuízo e este ano deu um
lucro de 12/13 mil euros. Repare, as empresas municipais não são feitas
para dar lucro, mas é tanto melhor darem lucro do que prejuízo e,
portanto, a gestão tem que ser sempre rigorosa dos dinheiros públicos.
E,
portanto, estamos numa situação bastante confortável. Quem aqui chegar
no próximo mandato terá, naturalmente, a capacidade de fazer uma gestão
muito melhor da que eu fiz nos primeiros dois anos em que não tinha
dinheiro mesmo para nada. Esse foi o grande êxito do município de Vila
Franca do Campo - eu, o executivo e todos aqueles que me acompanharam:
foi controlar as finanças da câmara e hoje o assunto está pacificado, ou
seja, temos sempre dinheiro para aquilo que é preciso e aquilo que são
as nossas prioridades.
Qual o passivo atual da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo?
Trinta milhões de euros. Chegámos com 50 e tal milhões e agora são 30 milhões.
Vila Franca já saiu da ‘lista negra’ dos municípios mais devedores do país?
Sim,
nós estamos completamente à vontade financeiramente. Estamos em
reequilíbrio financeiro e temos um empréstimo ao FAM - Fundo de Apoio
Municipal. Não temos nenhuma lista negra, ou seja, temos é o
reequilíbrio financeiro que estamos a cumprir.
O êxito disso teve a
ver com a negociação da dívida. Posso recordar-lhe que a obra do Açor
Arena - aquele pavilhão enorme - custou 10 milhões de euros. Quando eu
aqui cheguei, nós devíamos 15 milhões daquela obra. Desde que
construíram até eu chegar, ninguém tinha pago um cêntimo daquela obra. A
obra não está toda paga, faz parte daqueles 30 ME, mas a verdade é que
nessa negociação com os credores - eram bancos - foi possível também
algum perdão porque senão também não era negociação. E, portanto, tudo
isso se fez com muita dificuldade.
Repare, eu sou jurista, advogado
de profissão - agora estou suspenso - isso valeu-me de muito porque
internalizar várias empresas municipais, algumas com capital privado à
mistura com capital público, algum capital privado em falência, tudo
isso são problemas que, enfim, só a experiência de muitos anos de vida e
dos cargos que exerci, permitiu ter um desfecho que hoje é pacífico.
Portanto, voltada essa página, foi começar a investir em Vila Franca do
Campo. E que estratégia é que desenvolvemos para Vila Franca do Campo?
São várias, mas três essenciais. Nós estamos com as alterações
climáticas a ter problemas em todo o mundo, nos Açores também, e um dos
problemas são as encostas, ou seja, as arribas que vão cedendo ao longo
dos anos. Ao viver em ilhas temos que ter essa preocupação e, embora
essa seja uma competência do Governo Regional, na verdade aqui em Vila
Franca do Campo quem fez a proteção das arribas foi a Câmara Municipal,
uma na Avenida Vasco da Silveira, onde a infraescavação da via ia fazer
com que a estrada caísse - estava a cair, já havia uma concavidade por
baixo da via. Nós candidatámo-nos a um fundo comunitário, fizemos a obra
de conservação e hoje está um passeio agradável, até para quem nos
visita. E a outra (obra) é a do Corpo Santo, que também estava infra
escavada e que ameaçava ruir, quer a estrada sobranceira, quer também as
casas que ali existiam. E já inaugurei essa obra que fizemos - quer uma
quer outra mais de um milhão de euros porque as obras junto ao mar são
caras.
Ou seja, numa estruturação do território - defender o nosso
território, conservar o território e essa era a área mais periclitante
que nós tínhamos - tinha a ver com essas duas zonas que estavam muito
debilitadas e a necessitar de intervenção. O Governo Regional tem feito
essas obras um pouco por todo o lado, aqui em Vila Franca não as fez,
foi a Câmara que fez.
Isso significa que o município de Vila Franca do Campo tem um mau relacionamento com o Governo Regional?
Pessoalmente,
dou-me bem com toda a gente. Não tenho nenhuma questão privada com
nenhum membro do governo. Há sempre exceções, há um que eu não falo nem
quero falar, mas esse não tem relações com as câmaras e, portanto, é-me
indiferente. Está mais nos assuntos parlamentares. Portanto, com os
outros, não tenho nenhuma questão, dou-me bem com todos. Agora, há uma
discriminação muito desagradável de assistir no relacionamento
financeiro entre o Governo Regional e as câmaras do PSD e do PS. Se
fizer uma contabilidade dos contratos ARAAL assinados, para as câmaras
do PSD vão 12 milhões de euros, para as câmaras do PS vão 400 mil euros.
Portanto, é uma discriminação completamente inexplicável e que me
admira muito que o presidente do governo tenha pactuado com isso (...).
Chega a uma certa altura que é preciso saber quanto é que totaliza para
um lado, porque é que o Governo Regional está a ser parcial no
relacionamento com as câmaras municipais.
Há candidaturas aos contratos ARAAL (entre governo e autarquias) por parte de todos os municípios?
Exato,
há candidaturas de todos. O governo diz que não, mas há. Todos nós
gostaríamos de ver realizadas obras que são do interesse da Região, por
exemplo essas duas que lhe citei. São feitas pelas câmaras porque o
governo não as fez, era uma competência do governo.
Para não falar
na habitação, outra área - a área social - onde a câmara municipal tem
muito mais casas de habitação social do que o Governo Regional. A
propriedade da maioria das casas de habitação social do concelho de Vila
Franca do Campo é da Câmara Municipal, o Governo Regional começou agora
a investir - os Foros do Solmar - , mas em paralelo a câmara também
está a fazer 28 apartamentos com a sua Estratégia Local da Habitação. A
obra está a decorrer. Ou seja, com essa preocupação social, nós nunca
abandonamos essa área. Apesar das dificuldades financeiras, sempre
tivemos um carinho especial pelas famílias mais carenciadas e temos
programas de apoio à habitação degradada, enfim, tudo isso, que sendo
uma competência do Governo Regional, nós não deixamos passar.
Quais são as grandes preocupações que ainda não conseguiu resolver?
As
grandes preocupações têm a ver com a burocracia. Por exemplo, o Plano
Diretor Municipal (PDM) está em elaboração há mais de 4 anos ou coisa
que o valha. Houve a pandemia e isso, de facto, justificou algum atraso.
Mas não faz ideia da dificuldade que há em reunir as pessoas, decidir,
em pareceres, em muita burocracia que afeta a atividade económica, dos
privados e nós gostaríamos que isso andasse mais depressa. São várias
entidades, juntá-las todas é sempre um problema. Depois, algumas
conceções antiquadas que vão ficando na administração pública regional
que não se coadunam com o desenvolvimento que hoje as sociedades têm.
Mas que alguns técnicos mantêm ainda algum pendor no sentido dos
pequenos poderes que são, enfim, para eles importantes e que para mim
significam inviabilizar o desenvolvimento e o crescimento da atividade
económica. Os Planos Diretores Municipais são fundamentais para as
câmaras municipais - e eu penso que sou dos mais avançados porque o meu
deve ir para consulta pública daqui a algumas semanas - mas a verdade é
que todos os meus colegas têm os seus PDM’s em andamento, mas
dificilmente andam depressa. Portanto, alguma burocracia continua a ser
uma das dificuldades.
Que projeto emblemático se propõe concretizar antes de sair da presidência da Câmara de Vila Franca?
Eu
gostava de deixar concluído, ou pelo menos em fase muito adiantada,
duas obras que me parecem muito importantes: uma é a ampliação do parque
industrial. Já fizemos a primeira fase, a segunda fase está neste
momento a ser candidatada a fundos comunitários. São mais de duas
dezenas de lotes para atribuir a empresários.
E a habitação, 28
apartamentos para habitação. Penso que são as duas obras mais
emblemáticas que eu gostaria de deixar concluídas ou, pelo menos, numa
fase muito avançada.