Açoriano Oriental
“O governo está a ser parcial no relacionamento com as câmaras municipais”

Ricardo Rodrigues. Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo afirma que, se se fizer uma contabilidade dos contratos ARAAL assinados entre o Governo Regional e os municípios, 12 milhões de euros vão para as câmaras do PSD e 400 mil euros para as câmaras do PS


“O governo está a ser parcial no relacionamento com as câmaras municipais”

Autor: Paulo Faustino

O São João da Vila deste ano em que é que difere em relação às edições anteriores?
Nós tentamos todos os anos aperfeiçoar, aprendendo com os erros dos anos anteriores. Também não convém inovar muito porque as tradições são o que são e, portanto, não temos que inovar todos os anos. Temos, sim, que melhorar, mas não inovar no sentido em que a tradição das marchas populares é a que é. Tem havido uma grande apetência de mais grupos para integrarem as marchas. Este ano, temos 17 marchas, o que constitui um número bastante significativo e o desafio que temos é de, em tempo adequado, fazer exibir todas essas marchas. Da nossa experiência sabemos que, a partir da meia-noite, meia-noite e meia, uma hora da manhã, as pessoas ficam cansadas e começam a abandonar a festa e isso não é muito positivo para as marchas que desfilam em último lugar. Daí que a gestão do percurso das 17 marchas pela rua principal de Vila Franca do Campo, saindo na Rotunda dos Frades e chegando à Praça Bento de Góis, tem que ter uma logística que deve ser acompanhada pela Câmara Municipal - cada marcha tem um funcionário que a acompanha. Sabemos que, às vezes, no encanto de bailar, dançar, divertir, as marchas se distraem e permanecem muito tempo no mesmo local, que são os pontos onde eles desenvolvem toda a sua coreografia e, às vezes, distraidamente, fazem duas coreografias, repetem a coreografia. Portanto, esse é um ponto que nós identificámos em anos anteriores, que este ano e já no ano passado correu muito bem, e portanto temos esse desafio de, em tempo oportuno, conseguirmos fazer desfilar as 17 marchas que temos.
Este ano, temos talvez uma novidade e outra não tanto novidade, mas é com agrado que recebemos. Temos uma marcha de emigrantes, que são pessoas que vivem nos Estados Unidos, no Canadá e na Bermuda, que virtualmente terão ensaiado e que tiveram dois ou três dias cá para fazer os ‘finalmentes’ e dar os últimos retoques. É a primeira vez que isso acontece, o que é interessante, e temos também uma marcha de Vila do Porto, que é vila-irmã e que este ano também recebemos com muito gosto. As outras 15 são provenientes de todas as freguesias do concelho e esse é o momento alto das nossas festas.
Como sabe, a festa tem uma logística de tornar os espaços confortáveis para quem assiste. Realizámos a montagem de várias bancadas, locais próprios para as pessoas se sentirem confortáveis, colocámos iluminação da via pública adequada, portanto, tudo isso, dá um trabalho extraordinário que muito agradeço aos trabalhadores e funcionários da Câmara, que durante esta época dão o seu melhor para exibirmos as marchas às milhares de pessoas que nos visitam durante o São João e para que tenham as melhores condições para assistirem às nossas festas.

Está no seu último mandato como presidente da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo. Qual o balanço possível de ser feito e o que é que ainda está por fazer?
Ora bem,  é sempre difícil da minha parte fazer referências elogiosas ao meu mandato, mas na verdade, nesses últimos 11 anos, houve uma evolução muito significativa. Quando aqui cheguei, a dificuldade maior era financeira, tínhamos um problema financeiro grave. E dou-lhe só um exemplo do que se transformou. Em juros nós pagávamos 1,3 milhões de euros (ME) por ano, fora o capital, isso fazia com que nos primeiros anos em que assumi a função, sobrasse muito pouco dinheiro para fazer investimentos. Não tínhamos mesmo dinheiro nenhum para fazer investimentos, uma vez que os salários correspondiam a cerca de metade do orçamento, depois mais um quarto para juros e dívida e sobrava uns trocos para fazer uma gestão corrente e isso ressentiu-se, naturalmente, nos primeiros anos, na falta de investimento que nós podíamos fazer.

O município perdeu fundos comunitários por causa disso?
Perdemos muito investimento e, portanto, não tínhamos dinheiro para fazer esse investimento. Daí para cá, de 1,3 ME de juros, passamos a pagar 280 mil euros por ano, ou seja, uma poupança de 1 milhão e poucos mil euros. De um orçamento que andava à volta dos 6, 7 milhões, o último orçamento foi de 15 milhões. Isso porquê? Porque alavancámos em fundos comunitários e nós hoje dispomos de uma folgada situação financeira. Temos a dívida, não a pagamos toda, mas a dívida foi negociada e controlada. Extinguimos cinco empresas municipais, uma fundação, uma cooperativa, internalizámos todas essas atividades. Hoje em dia só há duas empresas que não são municipais: uma ligada à área social, ou seja, tem a ver com a habitação social e é sustentável - este ano deu um lucro de 167 mil euros - e a marina, que também costumava dar prejuízo e este ano deu um lucro de 12/13 mil euros. Repare, as empresas municipais não são feitas para dar lucro, mas é tanto melhor darem lucro do que prejuízo e, portanto, a gestão tem que ser sempre rigorosa dos dinheiros públicos.
E, portanto, estamos numa situação bastante confortável. Quem aqui chegar no próximo mandato terá, naturalmente, a capacidade de fazer uma gestão muito melhor da que eu fiz nos primeiros dois anos em que não tinha dinheiro mesmo para nada. Esse foi o grande êxito do município de Vila Franca do Campo - eu, o executivo e todos aqueles que me acompanharam: foi controlar as finanças da câmara e hoje o assunto está pacificado, ou seja, temos sempre dinheiro para aquilo que é preciso e aquilo que são as nossas prioridades.

Qual o passivo atual da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo?
Trinta milhões de euros. Chegámos com 50 e tal milhões e agora são 30 milhões.

Vila Franca já saiu da ‘lista negra’ dos municípios mais devedores do país?
Sim, nós estamos completamente à vontade financeiramente. Estamos em reequilíbrio financeiro e temos um empréstimo ao FAM - Fundo de Apoio Municipal. Não temos nenhuma lista negra, ou seja, temos é o reequilíbrio financeiro que estamos a cumprir.
O êxito disso teve a ver com a negociação da dívida. Posso recordar-lhe que a obra do Açor Arena - aquele pavilhão enorme - custou 10 milhões de euros. Quando eu aqui cheguei, nós devíamos 15 milhões daquela obra. Desde que construíram até eu chegar, ninguém tinha pago um cêntimo daquela obra. A obra não está toda paga, faz parte daqueles 30 ME, mas a verdade é que nessa negociação com os credores - eram bancos - foi possível também algum perdão porque senão também não era negociação. E, portanto, tudo isso se fez com muita dificuldade.
Repare, eu sou jurista, advogado de profissão - agora estou suspenso - isso valeu-me de muito porque internalizar várias empresas municipais, algumas com capital privado à mistura com capital público, algum capital privado em falência, tudo isso são problemas que, enfim, só a experiência de muitos anos de vida e dos cargos que exerci, permitiu ter um desfecho que hoje é pacífico. Portanto, voltada essa página, foi começar a investir em Vila Franca do Campo. E que estratégia é que desenvolvemos para Vila Franca do Campo? São várias, mas três essenciais. Nós estamos com as alterações climáticas a ter problemas em todo o mundo, nos Açores também, e um dos problemas são as encostas, ou seja, as arribas que vão cedendo ao longo dos anos. Ao viver em ilhas temos que ter essa preocupação e, embora essa seja uma competência do Governo Regional, na verdade aqui em Vila Franca do Campo quem fez a proteção das arribas foi a Câmara Municipal, uma na Avenida Vasco da Silveira, onde a infraescavação da via ia fazer com que a estrada caísse - estava a cair, já havia uma concavidade por baixo da via. Nós candidatámo-nos a um fundo comunitário, fizemos a obra de conservação e hoje está um passeio agradável, até para quem nos visita. E a outra (obra) é a do Corpo Santo, que também estava infra escavada e que ameaçava ruir, quer a estrada sobranceira, quer também as casas que ali existiam. E já inaugurei essa obra que fizemos - quer uma quer outra mais de um milhão de euros porque as obras junto ao mar são caras.
Ou seja, numa estruturação do território - defender o nosso território, conservar o território e essa era a área mais periclitante que nós tínhamos - tinha a ver com essas duas zonas que estavam muito debilitadas e a necessitar de intervenção. O Governo Regional tem feito essas obras um pouco por todo o lado, aqui em Vila Franca não as fez, foi a Câmara que fez.

Isso significa que o município de Vila Franca do Campo tem um mau relacionamento com o Governo Regional?
Pessoalmente, dou-me bem com toda a gente. Não tenho nenhuma questão privada com nenhum membro do governo. Há sempre exceções, há um que eu não falo nem quero falar, mas esse não tem relações com as câmaras e, portanto, é-me indiferente. Está mais nos assuntos parlamentares. Portanto, com os outros, não tenho nenhuma questão, dou-me bem com todos. Agora, há uma discriminação muito desagradável de assistir no relacionamento financeiro entre o Governo Regional e as câmaras do PSD e do PS. Se fizer uma contabilidade dos contratos ARAAL assinados, para as câmaras do PSD vão 12 milhões de euros, para as câmaras do PS vão 400 mil euros. Portanto, é uma discriminação completamente inexplicável e que me admira muito que o presidente do governo tenha pactuado com isso (...). Chega a uma certa altura que é preciso saber quanto é que totaliza para um lado, porque é que o Governo Regional está a ser parcial no relacionamento com as câmaras municipais.

Há candidaturas aos contratos ARAAL (entre governo e autarquias) por parte de todos os municípios?
Exato, há candidaturas de todos. O governo diz que não, mas há. Todos nós gostaríamos de ver realizadas obras que são do interesse da Região, por exemplo essas duas que lhe citei. São feitas pelas câmaras porque o governo não as fez, era uma competência do governo.
Para não falar na habitação, outra área - a área social - onde a câmara municipal tem muito mais casas de habitação social do que o Governo Regional. A propriedade da maioria das casas de habitação social do concelho de Vila Franca do Campo é da Câmara Municipal, o Governo Regional começou agora a investir - os Foros do Solmar - , mas em paralelo a câmara também está a fazer 28 apartamentos com a sua Estratégia Local da Habitação. A obra está a decorrer. Ou seja, com essa preocupação social, nós nunca abandonamos essa área. Apesar das dificuldades financeiras, sempre tivemos um carinho especial pelas famílias mais carenciadas e temos programas de apoio à habitação degradada, enfim, tudo isso, que sendo uma competência do Governo Regional, nós não deixamos passar.

Quais são as grandes preocupações que ainda não conseguiu resolver?
As grandes preocupações têm a ver com a burocracia. Por exemplo, o Plano Diretor Municipal (PDM) está em elaboração há mais de 4 anos ou coisa que o valha. Houve a pandemia e isso, de facto, justificou algum atraso. Mas não faz ideia da dificuldade que há em reunir as pessoas, decidir, em pareceres, em muita burocracia que afeta a atividade económica, dos privados e nós gostaríamos que isso andasse mais depressa. São várias entidades, juntá-las todas é sempre um problema. Depois, algumas conceções antiquadas que vão ficando na administração pública regional que não se coadunam com o desenvolvimento que hoje as sociedades têm.  Mas que alguns técnicos mantêm ainda algum pendor no sentido dos pequenos poderes que são, enfim, para eles importantes e que para mim significam inviabilizar o desenvolvimento e o crescimento da atividade económica. Os Planos Diretores Municipais são fundamentais para as câmaras municipais - e eu penso que sou dos mais avançados porque o meu deve ir para consulta pública  daqui a algumas semanas - mas a verdade é que todos os meus colegas têm os seus PDM’s em andamento, mas dificilmente andam depressa. Portanto, alguma burocracia continua a ser uma das dificuldades.

Que projeto emblemático se propõe concretizar antes de sair da presidência da Câmara de Vila Franca?
Eu gostava de deixar concluído, ou pelo menos em fase muito adiantada, duas obras que me parecem muito importantes: uma é a ampliação do parque industrial. Já fizemos a primeira fase, a segunda fase está neste momento a ser candidatada a fundos comunitários. São mais de duas dezenas de lotes para atribuir a empresários.
E a habitação, 28 apartamentos para habitação. Penso que são as duas obras mais emblemáticas que eu gostaria de deixar concluídas ou, pelo menos, numa fase muito avançada.

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