Autor: Cristina Pires-Açores TSF/Ana Carvalho Melo/AO
No seu entender, estas eleições podiam ter sido evitadas em nome da estabilidade e do superior interesse do país?
Bom,
como sabe, a opinião do PCP e da CDU é que, em qualquer momento - e
nomeadamente nesse -, era importante uma mudança de política. Ou seja, o
PCP chegou a apresentar uma moção de censura antes da moção de
confiança do Governo, que levou a esta situação.
O nosso entendimento é que as políticas que estavam a ser desenvolvidas por este Governo não eram aquelas que serviam o povo e o país e, portanto, é urgente e importante que sejam alteradas.
Dito de outra forma: as razões que levaram a estas eleições não são aquelas que a CDU defende para que o Governo cesse funções. As nossas razões prendem-se com as políticas implementadas por este Governo e não com os assuntos mais personalizados que levaram a esta situação. Isto sem, no entanto, deixar de considerar que o senhor primeiro-ministro se envolveu numa situação muito pouco clara e que, de facto, merece ser censurada.
Porque é que aceitou ser candidato a deputado pelo círculo eleitoral dos Açores à Assembleia da República?
Respondo sempre a isso de forma muito simples. Sou militante do PCP desde os meus 15 anos. Neste momento, tenho quase 67, e nunca - em circunstância nenhuma - recusei qualquer função, qualquer combate, qualquer tarefa que me fosse proposta pelo meu partido, em todos os locais por onde passei.
Já fui candidato a Juntas de Freguesia, a Câmaras Municipais - a mais do que uma - e à Assembleia Regional pelo menos duas vezes. Agora, é a segunda vez que sou cabeça de lista às legislativas. Faço-o como uma forma de estar na vida, de me sentir empenhado nas causas comuns e de exercer a minha função de cidadania.
Os meus camaradas entenderam que, neste combate eleitoral, era a minha vez de aparecer e de tentar levar a todos os açorianos as nossas propostas e as nossas diferenças. E cá estou, como sempre estive.
A revisão da Lei das Finanças Regionais não está na gaveta, mas pouco ou nada avançou no último ano. Do seu ponto de vista, o que é preciso acautelar e com que rapidez?
É um assunto que, confesso, não domino completamente. Mas é óbvio que a situação das finanças regionais é muito complicada. Penso que a Região Autónoma dos Açores vive momentos quase de bancarrota, momentos muito difíceis do ponto de vista financeiro.
É óbvio que temos de apelar à solidariedade da República, que tem de compreender os constrangimentos e as dificuldades da Região.
Interessa, por isso, que na Assembleia da República os cinco deputados eleitos pela Região saibam defender, de forma assertiva, as alterações necessárias para que a Região possa sair deste sufoco e deste constrangimento.
Em dois minutos, consegue dizer-me quais são os compromissos eleitorais da CDU? Quais são as vossas prioridades?
Diria que o mais importante é, de facto, explicar às pessoas o que significa votar na CDU e não noutro partido. Por ordem de prioridades, a primeira questão é dar valor a quem trabalha.
grande problema do nosso país e do mundo está na distribuição da riqueza. Há uma imensa riqueza produzida todos os dias que é distribuída de forma desequilibrada e completamente injusta, sobretudo para aqueles que vivem do seu trabalho. Não podemos admitir que uma pessoa que trabalha seja pobre. E, neste momento, a pobreza atinge muitos trabalhadores. Portanto, a nossa grande luta por um aumento geral de salários, pensões e reformas é absolutamente necessária.
Se reparar, temos vindo a propor que o salário mínimo nacional passe para 1.000 euros. Toda a gente anda a dizer que vai fazer isso, mas, na hora de votar na Assembleia da República, votam contra. É bom que as pessoas percebam quem é que propõe, quem diz que vai fazer, quem promete e não cumpre - e quais são aqueles que, de forma sistemática e coerente, apresentam sempre as mesmas propostas e as defendem até ao fim.
O
aumento geral de salários e pensões, para uma melhor distribuição da
riqueza, é fundamental. Isso significa também dar valor ao trabalho,
algo que, hoje em dia, não acontece.
A seguir, está a questão, também urgente, de garantir o direito à habitação digna. É preciso um programa público robusto e que o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) seja, de facto, uma estrutura dinamizadora do património público para fins habitacionais, que aliena casas devolutas e construa habitação social.
É necessário um regime fiscal que não favoreça os não residentes, ou seja, aqueles que vêm de fora comprar habitações a qualquer preço. É preciso proteger a habitação própria e garantir que os bancos não ficam com as casas das pessoas quando estas não conseguem pagar o crédito. Há um conjunto de propostas concretas que têm de ser apresentadas para garantir habitação digna para todos. Mais do que isso: este é um direito consagrado na Constituição da República.
E, para concluir, a defesa dos serviços públicos: o Serviço Nacional de Saúde, o nosso Serviço Regional de Saúde, a nossa TAP, a nossa SATA, a nossa Atlânticoline, os nossos portos dos Açores – que o Governo quer privatizar. Somos frontalmente contra qualquer privatização.
O que é
público é de todos e é isso que nos garante cuidados de qualidade na
saúde, na escola, na educação e na nossa mobilidade.
Os Açores elegem cinco deputados. No seu entender, não deveria haver mais diálogo e cooperação entre os parlamentares eleitos pelo arquipélago na defesa dos interesses da Região, e menos calculismo partidário?
É óbvio que há diferenças, algumas até bem profundas, mas isso não pode impedir que, em Lisboa, os cinco deputados eleitos pela Região tenham uma agenda comum na defesa dos interesses dos Açores e dos açorianos.
A postura da CDU, que nunca teve eleitos [pelos Açores] na Assembleia da República, mas que já os teve na Assembleia Regional, foi sempre de grande abertura, no sentido de encontrar as melhores soluções para a Região e para as pessoas.
Se for eleito, vai tentar estabelecer essas pontes e entendimentos com os outros deputados eleitos pela Região?
Eu,
até por natureza e feitio, sou talvez das pessoas mais disponíveis para
encontrar pontes, diálogo, consensos e entendimentos. Aquilo que posso
assumir publicamente é precisamente isso: que procurarei formas de, em
conjunto, trabalharmos para o desenvolvimento, a prosperidade e,
sobretudo, para que a vida das pessoas seja melhor.
Essa é a nossa grande causa: estar muito próximos das pessoas e fazer tudo para que a vida de cada um seja melhor. (...)
Como se sente, enquanto cidadão – e agora, na qualidade de candidato a deputado –, quando o debate político e a troca de argumentos na Assembleia da República ultrapassam os limites do bom senso, da educação e, algumas vezes, até da decência?
É, de facto, uma situação lamentável.
O que disse há bocadinho, e volto a repetir, é que a postura dos eleitos do PCP e da CDU, em todos os locais onde estão, desde as Assembleias de Freguesia à Assembleia da República, nunca foi, nem será, essa. Aliás, se reparar, é outra das coisas que nos distingue das outras forças políticas: nunca personalizámos os problemas.
Discutimos políticas, ideias, as questões centrais e fundamentais. As questões paroquiais, as tricas do dia a dia, os piropos, a má educação passaram-nos sempre ao lado e continuarão a passar.
Penso que, nessa matéria, se há uma força política que pode assumir-se como imaculada, é o PCP e a CDU. (...)
Outra diferença: nunca nos ouviram mentir, nem deixar de cumprir aquilo que prometemos e dissemos que íamos fazer.
Nos Açores, os níveis de abstenção são sempre elevados, comparativamente ao resto do país. Em 2024 ultrapassaram os 50%. Receia que, no próximo dia 18 de maio, se volte a bater um recorde?
É muito possível, ainda por cima no contexto em que estas eleições se realizam, com tantas eleições em tão pouco tempo. De facto, as legislativas são, talvez a seguir às europeias, as que menos mobilizam os açorianos.
Aparentemente, as pessoas acham que estas são questões de Lisboa e que não dizem respeito à nossa vida. E isso não é verdade. Como já disse, há questões imediatas que dizem respeito à nossa vida: os nossos salários, a habitação, a SATA – tudo isso nos diz respeito.
Será bom que as pessoas se mobilizem e percebam que está em causa as suas vidas, a resolução dos seus problemas. O apelo é para que votem.
Naturalmente, a CDU vai procurar crescer junto daqueles que habitualmente se abstêm. Não é fácil mobilizar quem, por natureza, não se interessa ou não se preocupa com estas questões.
Vivemos numa sociedade que é, talvez, das mais feias da história da humanidade – com muito individualismo, muita hipocrisia, muita incultura misturada. Tudo isso não facilita nem as opções, nem a ida dos eleitores às urnas.
Quem é a sua maior referênciapolítica?
Posso dar-lhe duas ou três. Naturalmente, tenho de dizer Álvaro Cunhal, mas coloco-o de braço dado com Fidel Castro.
Se for para mencionar alguém vivo, vou dizer-lhe uma coisa que, vinda de um comunista, pode não parecer muito natural: o Papa Francisco.
Porquê?
Porque é um homem fantástico, que defende os ideais da Igreja Católica como eles são – e com os quais me identifico, tirando eventualmente a posição da Igreja em relação às mulheres, que acho que ainda tem muito para evoluir. Mas também nesse ponto o Papa Francisco tem feito caminho.
É um homem de serenidade, de verdade, de coerência. Não tem nada de hipócrita, nada de falso. É isso que eu gosto nas pessoas, aquilo que aprecio.
E, nestes tempos feios e estúpidos em que vivemos, num mundo em guerra, é uma voz absolutamente necessária. Pena é que não tenha saúde física para levar essa voz mais longe.
Por que razão os açorianos devem confiar-lhe o seu voto a 18 de maio?
Podem confiar porque o meu partido é um partido de gente séria, que nunca mente, que cumpre. O que diz, faz – nem que seja contra ventose marés.
Se
reparar, perdemos votos por não nos levantarmos a aplaudir três
deputados nazis. Não aplaudimos nazis. Não nos ponham a fazer coisas em
que não acreditamos, mesmo que isso nos faça perder votos por nãoser
popular.
Somos uma força política coerente e verdadeira, e eu identifico-me com isso. É por isso que estou neste partido.
Tenho a minha situação profissional(..). Nunca tirei um cêntimo da minha atividade política. Já fui presidente de Junta e vereador, e tudo o que ganhei entreguei ao partido. Nunca fiquei com um tostão.
Se me perguntarem: para que é que queres ir para deputado? Só por uma razão: para fazer o melhor que souber e puder para que a vida das pessoas – sobretudo dos açorianos – seja melhor.
Quem me conhece, sabe que falo a verdade. E teremos uma boa votação nos locais por onde passei e onde estive presente.
Quem não me conhece, ou acredita em mim ou não. Mas, nos tempos que correm, não posso pedir a ninguém que acredite só por palavras.