Autor: Paula Gouveia
A Comissão Independente para o estudo de abusos sexuais na Igreja Católica portuguesa recebeu 214 testemunhos de vítimas de todo o país, durante o seu primeiro mês de atividade, entre os quais relatos provenientes dos Açores.
“Os relatos provêm de todas as regiões do Continente, Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, urbanas e rurais, bem como de todos os grupos sociais e níveis de escolaridade”, afirma a comissão independente em comunicado.
Contactada a comissão, esta explicou não poder dar informações adicionais, como o número de relatos com origem nos Açores, “por razões de confidencialidade”, remetendo para o comunicado.
Neste, destaca-se ainda que as vítimas que prestaram o seu depoimento nasceram entre os anos de 1933 e 2006, ou seja, podem ter atualmente entre 88 e 15 anos. E revela-se que existem testemunhos de portugueses que residem agora no Reino Unido, Estados Unidos da América, Canadá, França, Luxemburgo e Suíça.
A comissão afirma que
“os relatos descritos revelam sofrimento psíquico individual, familiar e
social, por vezes escondido durante décadas e, em muitas
circunstâncias, até ao momento deste depoimento tido como o primeiro a
romper com o silêncio”. E, sublinha-se que “esse sofrimento associa-se a
sentimentos de vergonha, medo, culpa e autoexclusão, reforçando a noção
de vidas em cujos trajetos a sensação de “estar à margem” foi uma
constante.
Por outro lado, “em muitos desses testemunhos, as vítimas não só descrevem o que aconteceu sobre elas mesmas, como frequentemente apontam o conhecimento ou a forte probabilidade de, naquelas circunstâncias de tempo e espaço, outras crianças terem sido vítimas do mesmo abusador, contribuindo assim para uma diferença considerável entre a quantidade de casos diretamente validados e outros tidos como existentes ou muito prováveis”, adianta-se no mesmo comunicado.
Tendo em conta que grande parte dos testemunhos foi obtida através do inquérito online, a comissão acredita que ainda é possível que a informação sobre o estudo não tenha chegado a algumas “franjas da população”. Deste modo, explica que, com o objetivo de divulgar a sua ação, contactou outras estruturas e instituições com maior proximidade à população, nomeadamente comissões diocesanas, institutos religiosos de Portugal, Instituto de Apoio à Criança, Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, Associação Quebrar o Silêncio e o Sistema de Proteção e Cuidado de Menores e Adultos Vulneráveis.
E, em breve vai enviar uma carta aos municípios, acompanhada de um poster da Comissão, “para que reforcem a mensagem da Comissão e contactos junto de forças locais da sociedade civil, desde Juntas de Freguesia até jornais e rádios locais, instituições e coletividades, entre outras”.
No final dos seus trabalhos, a comissão vai elaborar um relatório, a ser entregue à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que decidirá que ações tomar. A Comissão reitera que “nunca divulgou ou divulgará publicamente nomes de vítimas, abusadores ou locais de abuso”. E renova o apelo a todos os que queiram deixar o seu testemunho que o façam.
Além de
Pedro Strecht, a comissão integra o psiquiatra Daniel Sampaio, o antigo
ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio, a socióloga Ana Nunes de
Almeida, a assistente social e terapeuta familiar Filipa Tavares e a
realizadora Catarina Vasconcelos.
Comissão diocesana sem informação
Lina Mendes, coordenadora da Comissão Diocesana de Prevenção e Acompanhamento de Casos de Abusos Sexuais de Menores nos Açores, afirmou não ter ainda informação sobre a existência de relatos dos Açores, mas adiantou que a comissão local “irá articular com a Comissão Independente e procurar apoiar a vítima e atender às necessidades que possa ter”, seja “apoio psicológico, apoio pastoral, espiritual e psiquiátrica”.
Segundo Lina Mendes a comissão diocesana não tem competência para investigar ou apurar os factos, mas tem “competência para encaminhar os processos”, e, principalmente, de fazer o acompanhamento da vítima, a par de “um papel preventivo e formativo”.
Lina Mendes adiantou que a comissão já tem um plano de formação definido para o clero e para organismos que, de alguma forma, lidam com menores e adultos vulneráveis na esfera da Igreja. E a formação irá decorrer no início de março, no Pico, Terceira e São Miguel.
“Vai ser direcionada para como atuar, tanto no apoio à
vítima, como no que se refere ao abusador”, explicou, sublinhando que
“não basta identificar e denunciar, é fundamental alterar mentalidades”.
Comissão disponível para recolher queixas
As denúncias e testemunhos podem chegar à comissão nacional através do preenchimento de um inquérito ‘online’ em darvozaosilencio.org, através do número de telemóvel +351917110000 (diariamente entre as 10h00 e as 20h00), por correio eletrónico (geral@darvozaosilencio.org) e por carta para “Comissão Independente”, Apartado 012079, EC Picoas 1061-011 Lisboa.
As denúncias também podem ser feitas à Comissão Diocesana de Prevenção e Acompanhamento de Casos de Abusos Sexuais de Menores nos Açores, através do e-mail protecaomenores@igrejaacores.pt, ou por carta para o Apartado 55 com o código postal 9701-901.