Açoriano Oriental
Vírus artificiais transportam genes que geram vasos sanguíneos alternativos
Investigadores da Universidade de Coimbra desenvolveram um sistema de transporte de vírus geneticamente transformados capazes de induzir o organismo a gerar novos vasos sanguíneos em poucas semanas, para tratar doenças vasculares.
Vírus artificiais transportam genes que geram vasos sanguíneos alternativos

Autor: Lusa / AO online
    Com o conceito já patenteado em Portugal e o registo internacional em curso , os investigadores acreditam ter desenvolvido uma via para contornar certos problemas relacionados com a obstrução de vasos sanguíneos, causadora de elevada mortalidade ou diminuição da qualidade de vida e, por vezes, da amputação de membros por falta de irrigação.

    Em caso de isquémia, ou seja, de obstrução de uma artéria principal, as vias terapêuticas mais correntes para a sua minimização são a cirurgia ou o tratamento com a introdução de um cateter, que acaba por libertar placas que podem causar tromboses.

    Em vez de procurar uma solução que desobstruísse os vasos sanguíneos, os investigadores de Coimbra apostaram numa via alternativa, de angiogênese, que induz o organismo a gerar novos vasos sanguíneos.

    Partindo de uma investigação em nanotecnologia para concepção de novos medicamentos, a que se dedica há uma década um grupo na Faculdade de Farmácia e no Centro de Neurociências de Coimbra, foi desenvolvido um transportador capaz de circular pelo sangue e levar a molécula à zona do organismo a tratar.

    Criaram micro-esferas com o fármaco adequado no seu interior e características que lhes permitem circular no organismo e iludir os sistemas de defesa. Um escudo de água a envolvê-las torna-as “invisíveis” aos sistemas de defesa do organismo.

    Em função da doença, as células em stress expressam certos marcadores à superfície. Foram então estudá-los e, com recurso à engenharia, desenvolveram um mecanismo analogicamente comparável a um GPS, que fizesse ancorar essas cápsulas especificamente nas células doentes e ao entranharem-se nelas aumentassem o potencial terapêutico e minimizassem os efeitos secundários, tóxicos, do tratamento nos tecidos sãos.

    Utilizando essas cápsulas dotadas de “GPS” os investigadores pensaram em resolver o problema fazendo a “entrega” de genes em células das zonas doentes, que codificassem para a formação de novos vasos sanguíneos.

    “Como se renascesse outra vez, a necessidade de formar novos vasos. Fomos identificar no genoma quais os genes que codificam para a formação de novos vasos”, explicou à agência Lusa Sérgio Simões, coordenador da investigação.

    Só que o gene - salientou - “é muito grande”. Se funcionava com os fármacos, o êxito era, contudo, reduzido porque eram poucos os genes que era possível transportar no interior dessas micro-cápsulas.

    Existe algo na natureza que transporta genes, os vírus, e dessa reflexão os investigadores procuraram extrair a solução para o problema.

    O que o vírus leva é o seu próprio genoma. Ao chegar à célula entra nela e parasita-a, pondo-a a reproduzir outros vírus que se disseminam pelas células vizinhas.

    A via foi então modificar geneticamente o vírus, criando vírus recombinantes, com genes, e introduzi-los no sistema, que os direcciona e os liga especificamente a determinadas células.

    “Foi juntar o melhor de dois mundos. Um sistema que está muito bem concebido para viajar, que não é tóxico, tem elevada especificidade e afinidade para as células doentes, e um sistema, que é um vírus, que entrega o material genético com elevada eficácia”, referiu Sérgio Simões, igualmente professor na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra.

    No entendimento do investigador, trata-se de um “sistema possível e versátil”, que tanto transporta vírus, de vários tipos, como retrovírus, que podem ser dirigidos para as células em função da sua especificidade.

    “Ajusta-se em função da doença. Estuda-se o tipo de doença para desenhar o ‘veículo’. O que distingue é o que se mete dentro do transportador, fármacos ou vírus. Pode meter-se um gene suicida que leva à morte das células tumorais”, refere como exemplo.

    No caso do tratamento das doenças vasculares, dias após a administração já são visíveis as primeiras ramificações de vasos sanguíneos e semanas depois já estão maturados.

    Sérgio Simões diz que a administração deverá ser acompanhada por uma terapêutica adjuvante para reduzir situações inflamatórias e para ajudar os vasos a maturar mais rapidamente, e assim diminuir os edemas.

    O conceito desta terapia genética já foi comprovado laboratorialmente em roedores. No entanto, os testes com ratos vão aprofundar-se e talvez daqui a 18 meses seja possível começar a fazer ensaios em humanos.

    Este novo método terapêutico, embora desenvolvido para as doenças vasculares, poderá ter aplicação no tratamento de cancro e em doenças neurodegenerativas.

    No desenvolvimento dos vasos sanguíneos escolhem-se “vírus transitórios”, para evitar que estejam continuamente a renascer. Numa doença neurológica, como as de Alzheimer ou de Parkinson, seria utilizado “um vírus que expressasse durante muito tempo”, porque a pessoa vai ter essa patologia toda a vida. E, em caso de necessidade, a administração de genes poderia ser repetida.

    “O vírus é muito eficiente a infectar. E infectar aqui traduz-se em entregar o material genético que interessa. Juntar a eficácia de um vírus a entregar material genético, ao mesmo tempo protegendo-o dos efeitos adversos e entregando-o no sítio certo, abre-se a esperança para o tratamento de múltiplas doenças”, conclui Sérgio Simões.

    Este projecto ocupa os investigadores há quatro anos. Na sua fase de concepção contou com a experiência clínica em doenças vasculares de Lino Gonçalves, docente da Faculdade de Medicina de Coimbra. A equipa que o desenvolveu, além de Sérgio Simões, integrou Ana Filipe, Conceição Pedroso de Lima e o italiano Mauro Giacca, ligado a um centro de investigação em Trieste.
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