Açoriano Oriental
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Gorreana: um chá com memória

A Fábrica de Chá da Gorreana funciona há mais de 140 anos e continua a abrir portas a todos os que queiram descobrir a singularidade do chá açoriano


Autor: Made in Açores

Há muitos anos que a Gorreana é um lugar de encontros. Neste sítio, onde as incontáveis plantas de Camellia sinensis parecem querer entrar mar adentro, a Ásia dá as mãos à Europa, os locais cruzam-se com os estrangeiros e pequenas folhas cuidadosamente escolhidas unem-se à água quente para criar o chá açoriano.

A história de como aqui chegamos é tão familiar a Madalena Mota que a conta como quem faz o relato da sua própria vida. Em parte é verdade, já que “Gorreana” e “Casa” são sinónimos para ela. “A porta de casa sempre esteve aberta para todos”, afirma com naturalidade.

Recorda a infância, passada entre as folhas do chá, com os irmãos e as gentes da terra. “Foi aqui que aprendi a ser gente.”, garante, lembrando as centenas de pessoas que trabalharam na fábrica e que guarda na memória como parte preciosa do seu crescimento.

A Fábrica viu nascer e crescer Madalena, assim como muitos outros antes dela. Teríamos de recuar várias gerações até Ermelinda, a quinta avó de Madalena, para que nos contasse como foram os primeiros passos. Porventura incertos já que, no final do século XIX, havia muitas dúvidas quanto à possibilidade de uma planta vinda da Ásia conseguir sobreviver ao clima açoriano. Hoje, o chá açoriano é o único na Europa a ter uma indústria. O portão da Fábrica abriu oficialmente em 1883 e, desde então, nunca mais se fechou.

Apesar do atual sucesso, em mais de um século de existência contam-se momentos de crise, um deles vivido pelo bisavô de Madalena, Jaime Hintze. Quando lhe perguntavam por que continuava a investir em algo que o podia levar à falência, respondia: “nós apaixonamo-nos por tudo o que criamos.”

Foi essa sua paixão que o levou a transformar a Gorreana num lugar onde o futuro chegava primeiro. Numa altura em que ainda não se falava em turismo, nos anos 20, este já era uma realidade para a Fábrica, que recebia todos os tinham curiosidade de ir ver como se fazia o chá dos Açores, então chamados de “visitantes”. Mas o maior legado de Jaime é provavelmente a forma que arranjou de mecanizar a fábrica.

“Lisboa ainda não era toda iluminada e a Gorreana já tinha energia elétrica.”, relata Madalena. “Ele aproveitou uma ribeira que havia aqui, fez uma turbina e trouxe energia para a fábrica.” Explica que este mecanismo é usado ainda hoje como uma forma mais sustentável de gerar energia para a Gorreana. “Se eu não tivesse essa energia que o Jaime Hintze fez em 1926, hoje em dia estava de porta fechada.”, garante. Isto porque o processo de fabrico do chá manual implica muita mão de obra e, para que o chá pudesse ser vendido a um preço acessível, esta teria de ser muito barata, algo aceitável noutros países e paragens, mas não na Gorreana. Com a solução arranjada por Jaime, não só ganha a empresa como o ambiente também.

Ao longo dos anos, muitos têm sido os que aqui vêm, dos quatro cantos do mundo, colher a história da Fábrica e tentar entender o segredo para se manter aberta e sempre na mesma família. Uma das razões, revela Madalena, é nunca terem deixado de investir e procurarem andar sempre de mãos dadas com a ciência. A parceria estabelecida com a Universidade dos Açores tem permitido melhorar processos, aperfeiçoar o chá e até gerar novos sabores que trazem também benefícios acrescidos para a saúde. É o caso do chá com ananás açoriano, cuja bromelina presente na sua composição é um agente anti-inflamatório. Outro chá, fruto também desta parceria com a Universidade, foi premiado em 2022 e é único no mundo.

Para além da ciência que a fascina, Madalena encanta-se sobretudo com as pessoas. Recorda os muitos estudantes que lá trabalham no Verão e menciona cada um dos seus nomes, confessando a alegria que sente ao vê-los crescer. “É para isso que cá estamos, para fazer uma geração melhor do que nós. Se isso não acontecer, então não fizemos bem o nosso trabalho.”, defende.

Apesar da longa história e da uma aposta contínua no futuro, Madalena acredita que a chave do sucesso está no presente. “O segredo da longevidade da Gorreana é viver o seu tempo.”, revela.

O seu grande sonho é agora construir um núcleo onde toda a história da Fábrica esteja compilada. Adianta que todo o material já existe para o concretizar, só é mesmo necessário o espaço e o tempo, esse tempo que a Gorreana tem sabido navegar. “O chá é uma memória.”, assegura. Enquanto o sonho não se concretiza, fica ele para contar a história aos muitos que continuam a passar os portões sempre abertos da Gorreana.

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