Cartas resgatadas ao esquecimento contam histórias de vida e do vulcão

À Casa da Missão da AvistaVulcão têm chegado cartas e postais escritos nos anos da erupção dos Capelinhos. Depois da “Carta de um vulcão para o mundo



No ano passado, cartas e postais da década de 50 e memórias da erupção dos Capelinhos começaram a ser resgatadas das gavetas e do esquecimento dos faialenses e a chegarem à Casa da Missão, no Canto do Capelo, na ilha do Faial.

Este resgate inesperado surgiu de forma espontânea, depois de, no ano passado, a geógrafa Raquel Soeiro de Brito ter regressado ao espaço, onde, durante a erupção, entre 1957 e 58, residiram os cientistas que, como ela, se deslocaram ao Faial para estudar o fenómeno natural. 

Na Casa da Missão, que agora é a sede da AvistaVulcão e espaço de criação artística, dinamizado pelo cineasta Gonçalo Tocha e por Sophie Barbara,  cerca de 150 pessoas reuniram-se à volta dos arquivos e filmes da erupção de Raquel Soeiro de Brito. O evento “reavivou as memórias da comunidade”, explica Sophie Barbara. E, assim, “durante todo o ano passado fomos contactados por pessoas que tinham guardados arquivos de família, fotografias, postais, cartas que as famílias trocaram da ilha para o mundo, sobretudo para os Estados Unidos, para onde uma parte da população tinha emigrado”, revela a produtora da AvistaVulcão que sublinha a sua beleza como objeto - com a caligrafia da altura, e, em em alguns casos, ainda com o envelope e o selo, mas também o seu valor, pelo conteúdo que revela uma sociedade muito diferente e o relato da erupção nas palavras da pessoas comuns.

“Várias pessoas vieram à AvistaVulcão confiar-nos o seu arquivo familiar, e falar-nos sobre este espólio magnífico e sobre as suas memórias individuais, mas que refletem, ao mesmo tempo, emoções universais”, diz Sophie.

Depois, surgiu a “Carta de um vulcão para o mundo” da escritora Judite Canha Fernandes, quando no fim de 2021, a AvistaVulcão produziu uma residência artística para o projeto 9x9: Artistas são ilhas - Ilhas são Artistas da Azores 2027 - Candidatura a Capital Europeia da Cultura, com a escritora, e da qual resultou uma carta que chegou a todas as caixas de correio das casas da ilha do Faial.

A partir deste texto, imagens de Gonçalo Tocha filmadas entre 2017 e 2022, e imagens de Raquel Soeiro de Brito de 1957 e 1958, a AvistaVulcão criou agora um objeto audiovisual, uma vídeo-carta, “Cartas do Vulcão”, promovido em conjunto com a Associação Amigos do Farol dos Capelinhos.

“Temos esperança que as pessoas tragam mais coisas espontaneamente”, porque há ainda mais um evento planeado: expor, todo o espólio e todos os manuscritos que sejam confiados à AvistaVulcão, a partir do dia 6 de outubro, na Casa do Artesanato do Capelo, na torre de exposição, junto com uma vídeo-instalação da realizadora Mar Navarro Llombart, a partir da correspondência da fotógrafa Hilda Rebelo no ano da erupção, retirada do seu filme “A fotógrafa do vulcão”.


Cartas revelam paradoxo

Para a escritora Judite Canha Fernandes, “a ida ao Faial foi extraordinária a muitos níveis”. “Pude desenvolver, no tempo em que estive lá, uma oficina de escrita, e isso permitiu-me estar em contacto permanente com o Faial, e depois, apoiada pela AvistaVulcão, tive acesso a alguma bibliografia sobre a erupção – a institucional e a produzida pelas pessoas do Faial – e encontrei histórias muito curiosas”. “Lembro-me de uma pessoa que conheci e que terá escrito, na altura com 13 anos, mais de 130 quadras sobre a erupção”, revela.

E, foi “a partir de todas estas experiências, das conversas com as pessoas, de ouvi-las contar como terá sido, ou como é que elas se sentiram, das idas ao vulcão, do contacto com o Faial que foi maravilhoso, muito intenso, e até fluido escrever a ‘Carta a um vulcão’”, explica, sublinhando que a sua intenção era precisamente “encontrar uma voz e um corpo para o vulcão, e que esse vulcão escrevesse uma carta dirigida ao mundo, particularmente ao Faial”.

Da partilha destas histórias e memórias nestas cartas, a escritora conclui que todas revelam um paradoxo: “por um lado, uma vivência de um enorme espanto, de algo que deslumbrou e que teve sempre uma dimensão de belo; por outro lado, de medo, de receio e, nalguns casos, de ter de partir, deixar as suas casas, das culturas que não produziram nesse ano, do ter de emigrar, e de perda. Esse paradoxo foi o que eu encontrei em comum nas múltiplas histórias que eu ouvi ou que li”, afirma Judite Canha Fernandes.


As cartas  que Ofélia escreveu ao marido durante a erupção

Entre os arquivos familiares mais curiosos que chegaram à AvistaVulcão estão o que conta a história da família Garcia, da Horta. “A Sra. Ofélia trabalhava nos CTT da Horta que, no ano da erupção, estavam abertos até à meia-noite - e, nessa altura,  o marido estava no continente a fazer um tratamento por causa de um problema de saúde e não podia voltar por causa do vulcão. E então a Ofélia escreveu uma carta por dia ao marido, e todos os dias contava o que se passava na vida deles, mas também com o vulcão”, conta Sophie Barbara. “É um diário quase, onde se sente a emoção da mulher, sozinha com os filhos, sem saber o que se iria passar”, explica, lembrando que hoje sabemos que a erupção teve a duração de 13 meses que é muito tempo, mas quando ela estava a escrever não sabia muito bem o que se iria passar”.



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