Autor: Lusa/AO Online
“Quando, pouco depois de chegar à Casa Branca, Biden disse a célebre frase ‘America is back’ ['A América está de volta'], ele esqueceu-se de que não há regresso para o lugar no passado ocupado pelos Estados Unidos”, disse Bruce Stokes, investigador convidado sénior do German Marshall Fund.
Numa conferência virtual sobre os sucessos, insucessos e incertezas no primeiro ano de mandato de Biden - organizada pelo German Marshall Fund, centrada nas relações transatlânticas e a que a agência Lusa assistiu – Stokes defendeu que a posição do Presidente norte-americano na geopolítica está muito condicionada pela sua incapacidade em se afirmar internamente.
Neste ponto, Stokes foi acompanhado de perto por Ines Pohl - correspondente-chefe em Washington da estação radiofónica alemã Deutsche Welle e a outra palestrante na conferência – que também salientou as dificuldades que Biden sentirá no relacionamento externo, por causa da pesada herança que recebeu das mãos do seu antecessor, o republicano Donald Trump.
“Ele chegou à Casa Branca dias depois do ataque ao Capitólio por apoiantes de Trump, no meio de uma pandemia cujo combate não fora programado, com guerras que teimavam em não terminar”, explicou Pohl, para dizer que entende bem por que razão, 12 meses depois de ter chegado à Casa Branca, Biden goza de fraca popularidade.
“A saída para estes problemas é difícil”, defendeu a jornalista alemã a trabalhar em Washington, recordando que tem acompanhado os recentes comícios de Donald Trump e que sente que o líder republicano continua a ter uma forte base de apoio, muito crítica da atuação do atual Presidente.
Bruce Stokes sublinhou que Biden surgiu, aos olhos da comunidade internacional, em particular da Europa, com a vantagem de suceder a Trump, marcando rapidamente a diferença e conquistando a simpatia de muitos aliados.
Contudo, acrescentou Stokes, esse prestígio aumentou as expectativas sobre o desempenho de Biden na cena mundial, que parecem agora cada vez mais longe de ser cumpridas, sobretudo porque os aliados começam a desconfiar de que ele nem sequer consegue ter sucesso dentro de casa.
“Talvez lhe suceda como a Obama, que, quando chegou, criou muitas expectativas. Mas, mesmo quando ficou aquém do que era esperado, os aliados europeus continuaram a gostar dele”, concluiu o investigador do German Marshall Fund.
Para os dois analistas, Biden depara-se com muitos cenários de incerteza nas relações transatlânticas, enfrentando, no imediato, a situação na Ucrânia e as ameaças colocadas pelo Presidente russo, Vladimir Putin.
“Os EUA estão a olhar muito para a Ásia. E isso nem sempre agrada aos europeus”, argumentou Bruce Stokes.
“Mas para lidar de forma eficaz com a China, ou também com a Rússia, Biden vai precisar da Europa”, acrescentou Ines Pohl, que salientou a desconfiança que Biden continua a alimentar internamente, mesmo junto da sua base de apoio democrata.
“Parece-me muito provável que os democratas percam as duas câmaras do Congresso, nas próximas eleições intercalares”, defendeu a jornalista, para quem Biden nunca conseguiu unir o seu próprio partido, muito menos fazer as pontes com os republicanos.
Outra das incertezas no relacionamento entre os EUA e a Europa prende-se com as atitudes de Londres e de Berlim.
Na fase final da conferência, os dois analistas reconheceram que a atitude do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, é uma incógnita para Biden, que deixou de contar com Londres como porta de contacto privilegiado com a União Europeia (UE), depois do ‘Brexit’.
“Basta ver como Biden nem sequer se aproxima do tema quente do acordo comercial entre Londres e Bruxelas, para se perceber que há ali um embaraço”, defendeu Stokes.
Para Ines Pohl, outra incógnita no relacionamento de Biden com a Europa é a atitude do novo Governo alemão, que parece ter dificuldade em clarificar como se vai situar, por exemplo, face à Rússia de Putin, em particular numa questão que separa Berlim de Washington: a ativação do gasoduto Nord Stream 2.
“A diplomacia alemã está a falar com voz grossa contra Putin, no que diz respeito à Ucrânia. E isso agrada a Biden. Mas falta saber como será a relação da Alemanha com a Rússia, se a dependência energética se mantiver”, concluiu Pohl.