Autor: Lusa / AO online
“Podia escrever sobre todas as experiências que vivi [como funcionária das Nações Unidas, em sítios como Moçambique, Suriname, Libéria, Sudão e Guiné-Bissau], mas queria começar pelo princípio”, disse em entrevista à Agência Lusa durante o festival Correntes d’Escritas, que hoje termina na Póvoa de Varzim.
E o “princípio” de Aida Gomes é Angola, a guerra, o colonialismo, tudo aquilo que marcou a sua geração, uma geração que nasceu no final dos anos 60.
A autora angolana, socióloga de formação, queria contar a sua história, ainda que de forma ficcionada, para completar um processo de auto-descoberta: “Queria tentar perceber o que aconteceu ali [em Angola], como se processou esse encontro entre negros e brancos e como é que isso afetou as pessoas”.
O seu encontro com a colonização, revelou, foi ainda mais imediato. Filha de mãe “100 por cento angolana” e pai “100 por cento português, daqueles que saiu jovem de Portugal e tomou Angola como a sua terra”, Aida Gomes reflete na sua primeira obra sobre “a questão da descolonização portuguesa, que foi tardia em relação ao resto da Europa”.
Para a escritora, “o digerir de um passado colonial, de um legado colonial em Portugal” só agora começou.
“Só agora começaram a sair livros sobre a guerra colonial, porque há todo um processo de dor, de desentendimento”, referiu.
Uma forma da expressão dessa dor, garantiu, foi a relação entre “preto e branco”, “civilizado e não civilizado”. “Foram essas as palavras que demarcaram este processo e este encontro”, acrescentou.
Assim, “Os Pretos de Pousaflores” foram “uma tentativa” de fazer “um retrato social de Portugal nos anos 80”.
“É uma época em que Portugal, depois do 25 de abril, ainda tem de se reajustar a uma nova situação, encontrar-se a si mesmo politica, económica e socialmente. São anos difíceis”, assumiu, reportando-se às páginas do seu livro.
E, se na obra existem personagens que são africanas, “num contexto português atrasado, complicado”, também existem “imediatamente” mecanismos de exclusão, como o racismo ou a oposição pobre-rico.
Aida Gomes quis, em “Os Pretos de Pousaflores”, quebrar preconceitos sociais e, por isso, atreveu-se a ir mais longe: “Li muitos relatórios sociais, pesquisa sobre a prostituição, porque queria lutar contra o tabu da mulata que é voluptuosa e é prostituta”.
A socióloga pretendeu também condenar a “mesquinhez” social e dar uma imagem diferente dos “negros”.
A obra “Os Pretos de Pousaflores” tem a chancela da Leya e foi apresentado durante o festival literário Correntes d’Escritas, que termina hoje na Póvoa de Varzim.