Autor: Rui Jorge Cabral
Foi em 1983 que disputou os primeiros ralis num Fiat 124 Spider, numa das mais longas carreiras dos ralis nacionais, que já leva quase 40 anos, com poucas interrupções. Como é que tudo começou?
Eu sempre
gostei de automóveis e de ralis, embora a minha primeira ligação ao
desporto tivesse sido com o futebol. Depois, liguei-me às motas e fiz
algumas provas de motocrosse. Foi aliás com uma mota que fiz negócio
para o meu primeiro carro, um Fiat 124 Spider e foi com ele que fiz as
minhas primeiras provas. Ninguém da minha família estava ligado aos
automóveis e foi por mim que me liguei a isto, porque gostava da
adrenalina e da velocidade. Fui sempre aprendendo sozinho e já quando
fazia ralis, tive a possibilidade de treinar com o Joaquim Santos, no
tempo da equipa Diabolique, quando ele vinha cá fazer a Volta à Ilha.
Nessa altura, aprendi muito e ainda hoje acho que temos de estar sempre
disponíveis para aprender. Por exemplo, mesmo agora com o meu atual
carro, o Porsche 997 GT3, quando voltar a haver ralis, virá cá um piloto
espanhol que foi várias vezes campeão com este tipo de carro, para que
eu possa aprender mais sobre o Porsche e ganhar experiência. É sempre
importante ter esta humildade de pedir a quem perceba de um determinado
carro e tenha experiência com ele para nos transmitir o seu conhecimento
e podermos testar o mais possível, para conduzirmos com segurança e
podermos tirar o máximo partido do carro.
A primeira vitória surge em 1986, com um Renault 5 Turbo, no Rali de Santa Maria. Que recordações guarda desse carro, tão especial no tempo dos Grupo B e desta primeira vitória?
A primeira vitória fica sempre guardada na memória. Este Renault 5 Turbo tinha um motor central e era um carro como o do Joaquim Moutinho, que foi campeão nacional nesse tempo. O carro que tive era do António Barros e fazia velocidade. Teve, por isso, de ser adaptado para ralis. Na altura não havia a facilidade que há hoje de arranjar material para os carros de rali e lembro-me de não ter conseguido arranjar uma caixa de velocidades mais curta, própria para ralis. Por isso, corria com uma relação muito longa, o que me fazia perder muito tempo nas sequências mais apertadas dos troços. Mas era um carro muito bom e ainda ganhei alguns ralis com ele.
É nos anos 90, já na fase dos carros e Grupo A, que ganha os seus quatro títulos de campeão dos Açores em 93, 94, 95 e 98. Nos seus primeiros anos, os seus principais adversários, como o Horácio Franco ou o Gustavo Louro, corriam com carros inferiores e havia quem desvalorizasse os seus títulos por causa do fator carro. Como é que responde hoje - à distância de mais de 20 anos - a essas críticas?
Claro que ter um carro melhor ajuda... Mas também tive ralis que ganhei com carros de Grupo A, tal como o Gustavo e consegui ser campeão (1998)... E tanto eu como o Gustavo ‘mostrávamos serviço’ nesse tempo, quando vinham cá os pilotos nacionais e estrangeiros ao Rallye Açores e discutíamos com eles as primeiras posições, o que era sinal que andávamos depressa. Inclusivamente, quando fui fazer o Rali da Suécia, em 1997, o meu navegador foi o Duarte Silva, que era o navegador do Gustavo Louro, o que demonstra a minha maneira de estar nos ralis. Nunca tive problemas com nenhum piloto, porque dentro do rali cada um quer ganhar, mas quando acaba, temos de ser todos amigos.
Nesses anos 90, os ralis eram diferentes dos de agora. Recordo, por exemplo, que a sua condução era muito exuberante e espetacular, algo que hoje se pagaria caro no cronómetro... Naquele tempo, podia-se usar mais o coração do que a cabeça na pilotagem e ainda assim ser-se campeão?
Antigamente,
tínhamos muita potência nos carros, incluindo os de Grupo A, enquanto
que hoje em dia os R5 estão limitados a cerca de 280 cavalos de
potência, embora tenham um chassis fabuloso e uma suspensão do melhor
que há. Por isso, ainda há pilotos que ao andarem de R5 não conseguem
fazer bons tempos, porque o R5 não tem muita potência. Antigamente era
ao contrário. Não tínhamos suspensões tão boas nos carros de Grupo A,
mas tínhamos mais potência e isso refletia-se na condução e na forma
como o público nos via a passar nos troços. Por exemplo, hoje no
asfalto, num R5 ou mesmo até com o Porsche, tem que se andar com linhas
direitas, numa condução tipo ‘Fórmula 1’, porque senão os tempos não
aparecem.
Há pouco falava da necessidade de um piloto estar sempre a aprender e recordo os tempos em que teve a ajuda de pilotos do WRC, como o sueco Kenneth Eriksson ou o tetra campeão mundial e atual diretor da equipa Toyota no WRC, o finlandês Tommi Makinen. Como é que entrou em contacto com esses pilotos e de que forma aprendeu com eles para evoluir enquanto piloto?
No caso do Eriksson, como eu corri muitos
anos com o Mitsubishi Galant VR-4, cheguei a ter cá mecânicos da
Ralliart (antiga equipa oficial da Mitsubishi) a trabalhar no meu carro.
Um deles, que era freelancer, ficou mesmo a viver cá nos Açores durante
três anos, fazendo a sua base aqui e só saía para fazer as provas do
mundial de ralis ou mesmo o Paris-Dakar. Ele era mecânico do Kenneth
Eriksson na equipa oficial da Mitsubishi e foi ele que o convidou para
vir cá. O Kenneth Eriksson experimentava o carro comigo, ia às
classificativas para avaliar o tipo de troço que íamos fazer, tanto em
asfalto como em terra, para sabermos o tipo de afinação que tínhamos de
fazer no carro. Ele também ajudava bastante na afinação dos diferenciais
eletrónicos, nomeadamente na potência que ia para as rodas da frente e
para as de trás, porque eram várias as afinações possíveis. O carro
ficava sempre perfeito e sempre que tinha uma evolução no carro, ele
ajudava-me a pôr o carro a 100%. Muitas vezes lhe disse que era giro ele
vir fazer uma prova cá, mas nunca se proporcionou.
No caso do Tommi
Makinen, eu comprei-lhe três Subarus Impreza (de Grupo N) e fui também à
escola de pilotagem dele, na neve, fazer um curso. Eu era cliente dele e
todo o ‘know-how’ dele foi sempre importante. Uma vez no SATA Rallye
Açores, já com o Subaru Impreza N12, toda a equipa técnica dele veio cá
para me apoiar no rali.
Nos últimos dois anos, tem corrido com um Porsche 997 GT3, um carro inédito nos ralis açorianos. Quais são os seus objetivos com este carro?
O Porsche era o carro dos meus sonhos para
pilotar em asfalto. A minha intenção este ano é a de mandar o carro
para fora, para que ele possa ter a homologação FIA para os RGT,
permitindo-me assim participar em provas do ERC como o Rali das Canárias
ou o Rally di Roma Capitale ou até mesmo em provas do Mundial, como os
Ralis de Monte Carlo ou da Alemanha. Ainda tentei aguentar o carro aqui
para ver se fazia algum rali cá, mas está muito difícil haver provas
este ano. Para a terra, eu tenho alugado um Mitsubishi Lancer EVO X e,
se tiver apoios, gostaria mesmo de comprar um carro desses para fazer
algumas provas em terra.
Como piloto mais antigo em atividade nos ralis açorianos, assumiu e foi reconduzido recentemente na presidência da Associação de Pilotos de Ralis. Acha importante haver uma maior união entre os pilotos e haver também um organismo que os represente?
Nós
fizemos recentemente eleições na associação, tendo alterado também os
estatutos e o próprio nome da associação que será agora dos Açores, uma
vez que já temos pilotos de todas as ilhas. Porque esta associação
nasceu para que os pilotos pudessem estar mais unidos e para terem mais
apoios. Às vezes, as pessoas esquecem-se que podemos ter grandes
patrocinadores e grandes clubes organizadores, mas sem pilotos não há
ralis... Por isso, temos procurado apoios para os pilotos, por exemplo,
através de protocolos com hotéis ou com empresas de transportes, porque
não devemos deixar de estar unidos nesta razão comum de gostarmos todos
de automóveis e tentarmos todos em conjunto conseguir o máximo de apoios
possíveis.
Na sua longa carreira, quais foram os pilotos e carros que lhe deixaram maiores recordações?
No
carros, sem dúvida o Porsche 997 GT3 no asfalto e o Subaru Impreza de
Grupo A, na terra. Também recordo especialmente o Mitsubishi Galant
VR-4, um carro fabuloso, que nunca me deu problemas e com o qual fui
campeão dos Açores três vezes. Tenho ainda hoje uma saudade muito grande
daqueles tempos e daquele carro. Quanto aos pilotos, foram o Horácio
Franco e o Gustavo Louro aqueles com quem tive mais lutas, mas
antigamente tínhamos sempre quatro/cinco pilotos a lutar pelas vitórias e
os ralis e campeonatos eram sempre discutidos. Infelizmente, hoje a
luta está reduzida a dois. Por isso, queremos também na Associação de
Pilotos de Ralis procurar soluções junto das entidades e dos
patrocinadores no sentido de começarem a aparecer mais pilotos, porque
senão, daqui a uns anos, não haverá pilotos novos a correr. Temos ideias
que estamos a desenvolver, como o aparecimento de um troféu, para que
possam aparecer mais pilotos jovens e para não fiquem sempre os mesmos a
correr.
Com quase 40 anos de carreira, até quando iremos ver o Luís Pimentel nos ralis açorianos? Que melhor recordação guarda dos ralis?
Eu
nunca vou desistir de correr, nem que seja um rali por ano, quando
estiver já demasiado velho para correr regularmente. Porque gosto deste
desporto, gosto do convívio e guardo dos muitos ralis que fiz o poder ir
hoje ao continente, à Madeira e a qualquer ilha dos Açores e ter gente
conhecida em todos os sítios. Para mim, a grande riqueza dos ralis foi
isso, porque gosto de conviver com toda a gente e a minha postura nos
ralis foi sempre a de dar-me bem com toda a gente e estar sempre
disponível para ajudar quem precisava. Guardo essas recordações com
orgulho e, por isso, digo que valeu a pena todo o esforço que fiz para
poder correr. Quando fizer 40 anos de carreira (em 2023) quero fazer uma
festa com todos os amigos dos automóveis, mas não é para parar a
seguir, é para continuar sempre. Porque há pilotos que correm e, quando
já não têm a possibilidade de ganhar ralis, desistem... Mas para mim, um
piloto que gosta de automóveis a sério corre sempre! Eu tive alturas na
minha vida em que discutia as vitórias e é normal hoje em dia que já
não o possa fazer, porque há pilotos mais novos e mais rápidos do que
eu, mas isso não me tira o prazer nem a vontade que tenho em correr.
Hoje, quando entro para um troço com um carro de ralis, seja em terra,
seja em asfalto, sinto o mesmo prazer que quando comecei a correr.