Autor: Cristina Pires / Rui Jorge Cabral
Porque decidiu candidatar-se à Câmara de Ponta Delgada pelo Livre?
Porque
há pressupostos que dominam sistematicamente o debate político, que
precisam ser denunciados e é preciso demonstrar que há alternativas...
Temos, por isso, a obrigação de apresentar a nossa candidatura e de nos
movimentarmos para deslocar o debate de temas muito focados e
específicos para o âmbito dos princípios mais gerais da política e do
objetivo de gestão de uma cidade e de um concelho.
Mas que temas, no seu entender, dominam o debate político e precisam ser alterados?
Temos
vindo a assistir a um debate em torno de propostas apresentadas com
base em pressupostos que não são explicitados. Nós próprios fizemos
esse debate interno, quando estávamos a preparar um conjunto de
propostas e questionámo-nos: estamos apresentar estas propostas porquê?
Por isso, pensámos que os princípios das propostas teriam de ser
explicitados e o nosso programa vai começar precisamente por dizer quais
são os nossos princípios, a partir dos quais surgem as nossas
propostas.
E quais vão ser os princípios do Livre nesta candidatura a Ponta Delgada?
São
princípios de ordem ecológica, ambiental e social. O nosso lema vai ser
‘Por um Concelho ecológico e solidário’. Isto porque os problemas que
causam a desigualdade social são os mesmos que causam os problemas
ambientais e ecológicos.
Estas são duas áreas que não têm sido convenientemente abordadas em Ponta Delgada?
Estão
são áreas que, muitas vezes, estão ausentes do discurso político ou
subentendidas. Dou-lhe o exemplo das questões económicas, que são
colocadas num patamar superior a todas as outras políticas. Ou seja, o
que é bom para a economia, é bom para as pessoas e nós entendemos
exatamente o contrário... Nós temos de colocar o interesse das pessoas
primeiro e a economia é o meio para assegurar uma justa repartição de
recursos para que se possam executar políticas que sirvam as pessoas.
Qual é então a alternativa do Livre ao atual modelo económico?
Precisamos
ter uma economia complementar a esta economia ‘internacional’ que
temos... E há muito que se pode fazer a nível local, nem que para isso
seja preciso criar uma moeda própria local. E há exemplos disso na
Alemanha e em França. O exemplo que estou a seguir é o de Barcelona, em
que a própria câmara municipal está apostada na criação de uma moeda
local, só de Barcelona, que está a ser implementada este ano apenas numa
freguesia, como experiência-piloto, para ser alargada à cidade inteira a
partir do próximo ano. E não estamos a falar de ‘contrafação’ de
dinheiro... Estamos a falar de um mecanismo complementar para preencher
os espaços deixados vazios pela arquitetura do Euro.
E acha que uma moeda local funcionaria em Ponta Delgada?
Sim,
porque temos um desemprego muito elevado e temos produtores que não
conseguem escoar os seus produtos em competição com os produtos que vêm
de fora. Por exemplo, o facto do Euro ser uma moeda internacional faz
com que se coloquem batatas e cenouras de França com facilidade à venda
nas grandes superfícies de Ponta Delgada. E quando o fazemos, o nosso
dinheiro vai para França quando temos produtores locais que não
conseguem vender os seus produtos... Contudo, se esses produtores
puderem vender o seu produto numa moeda local, cria-se um mercado
complementar de pessoas que recebem o seu dinheiro na moeda local e
compram produtos na moeda local... Não se compram carros ou computadores
com moedas locais, por exemplo, mas compram-se batatas ou cebolas e
pagam-se jardineiros, mecânicos ou eletricistas com moedas locais. Falta
só conseguirmos ‘ligar’ tudo isto.
Já teve a oportunidade de apresentar esta proposta a pequenos produtores e à população em geral?
Sim,
mas o olhar é de espanto, porque as pessoas nunca pensaram numa coisa
destas... Porque nós não estamos habituados a questionar os princípios
básicos da nossa economia e há muitos pressupostos que são aceites sem
questionamento. Um deles é este: o de que não há dinheiro! Porque o
dinheiro ou vem do continente, ou vem de Bruxelas e se não houver
dinheiro, não podemos fazer nada...
A gestão dos resíduos é uma das preocupações do Livre nesta candidatura à Câmara de Ponta Delgada. Porquê?
Porque
a ecologia é um dos princípios do partido, na ideia de que há limites
para as atividades humanas, num ‘choque’ com o modelo tradicional de
crescimento económico, que defende que os nossos problemas são
resolvidos com o crescimento económico, numa lógica de que precisamos de
mais dinheiro, de mais cimento, de mais turistas, de mais hotéis e
quando tivermos mais isso, os nossos problemas irão ficar resolvidos...
Mas não é isso que acontece, os problemas até se agravam. O caso dos
resíduos é um paradigma disso mesmo, de um consumo irresponsável do
ponto de vista ambiental, porque implica um movimento linear: extraímos
os produtos, utilizamos e deitamos fora... Contudo, temos de caminhar
rapidamente e por questões ambientais para uma economia circular em que
os produtos são reciclados e reutilizados e são mais ‘leves’ para o
ambiente. E essa economia também é melhor para as atividades locais,
porque se tivéssemos uma legislação - que está ao alcance da autarquia
de Ponta Delgada - que obrigasse à utilização de embalagens
reutilizáveis, isso fatalmente iria beneficiar as indústrias locais. As
autarquias não podem olhar para os resíduos como um fardo, por um lado,
nem como uma fonte de lucro, por outro lado. Porque o lixo não deve ser
um negócio. O lixo é um problema social.
Como é que avalia o atual sistema de recolha de resíduos no Concelho de Ponta Delgada?
É
insuficiente, porque começa logo com uma desigualdade que é a de todas
as pessoas pagarem o mesmo como taxa de resíduos, independentemente dos
seus hábitos de consumo e do impacto que têm sobre o sistema... O que
nós defendemos é um sistema em que se pague pelo lixo que é produzido, o
que implicaria ampliar os sistemas de recolha porta-a-porta,
responsabilizando as pessoas e fazendo-as pagar pela quantidade de lixo
que produzem, através de um sistema de taxas que penalize quem não
recicla e quem não reutilize. Falta também no nosso sistema a recolha de
resíduos orgânicos, que representam um terço dos resíduos sólidos
urbanos e, neste momento, vão diretamente para aterro. É urgente, por
isso, implementar um sistema de recolha seletiva dos resíduos orgânicos,
com compostagem.
Qual a sua posição sobre a incineração?
Sou
absolutamente contra! Se o Livre ficar responsável pela Câmara de Ponta
Delgada, iremos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para conseguir
inverter o processo da incineradora.
E acha que é possível?
Depende
só das pessoas, porque já vimos que não é pelas instituições - Câmaras
Municipais e Governo Regional - que haverá alguma intervenção nesse
sentido... Por isso, se as pessoas não se mobilizarem, a incineradora
irá mesmo para a frente.
O Livre tem-se mostrado também preocupado
com o aumento do Alojamento Local na cidade de Ponta Delgada. Qual é a
sua visão sobre o crescimento do turismo na cidade?
Essa é uma
situação complexa, porque se, por um lado, o aumento do Alojamento Local
tem servido para rejuvenescer a cidade - o que era muito necessário -
por outro lado, gostaríamos de ver em Ponta Delgada um desenvolvimento
sustentável do turismo. Contudo, o que estamos a ver é um
desenvolvimento muito rápido, que está a ultrapassar a capacidade de
reação das entidades que é suposto controlarem esse desenvolvimento.
Precisávamos de um debate muito sério, precisávamos de saber exatamente
qual o impacto que o Alojamento Local está a ter sobre o alojamento de
longa duração (arrendamento de casas para habitação principal) e se está
a acontecer em Ponta Delgada o que está a acontecer noutras cidades,
que é as pessoas estarem a ser ainda mais afastadas do centro da cidade
para a periferia. E feita essa avaliação do impacto, claramente que pode
e deve haver uma intervenção camarária, nomeadamente ao nível das taxas
e licenças, por forma a ‘equilibrar’ o alojamento temporário com o
permanente, ou mesmo recorrendo-se ao estabelecimento de um limite de
Alojamentos Locais em determinadas zonas.
Outra das suas propostas principais está relacionada com a mobilidade em Ponta Delgada. O que é que o Livre defende nesta área?
Temos
um problema de dependência do transporte individual e entramos num
círculo vicioso onde todos têm carro porque os transportes públicos
funcionam mal, porque todos têm carro e assim sucessivamente... Temos
que alterar isso, apesar desta ser uma alteração que se faz com muito
tempo, mas em que é urgente começar já. Precisamos de um investimento
sério na mobilidade coletiva, que tem de ser elétrica e, por isso, vemos
com preocupação o atual caderno de encargos para os Mini Bus não
referir a tipologia do transporte, centrando-se no melhor preço. Isso
está nos antípodas do que um município preocupado com as questões
ecológicas deveria fazer... Para nós, os centros urbanos devem ser
sobretudo pedonais, assegurando-se depois as condições para que as
pessoas se movimentem e cheguem aos sítios através de transportes
elétricos vocacionados para pequenas distâncias.
É a primeira vez que o Livre se apresenta a eleições autárquicas. Com que expectativas encara as eleições de 1 de outubro?
Vamos
a eleições com a expectativa de gerar o maior debate possível em
torno das ideias que defendemos. Temos meios limitados ao nosso alcance,
mas achamos importante haver uma voz que levante estes assuntos e que
possa eventualmente apoiar a Câmara Municipal na tomada de decisões que
são difíceis de tomar, quer perante o poder político, quer
crescentemente perante os interesses económicos que se opõem a
determinadas medidas.