Autor: Nuno Martins Neves
Desde que foi criada, em 2012, Estratégia Regional de Prevenção e Combate ao Abuso Sexual de Crianças e Jovens (ERASCJ) já acompanhou 524 crianças e jovens vítimas de abuso sexual. E no ano passado foi registado o maior número de sempre de vítimas (92), praticamente um quinto do registado ao longo dos últimos 13 anos.
Os dados foram revelados ao Açoriano Oriental pela Direção Regional para a Promoção da Igualdade e Inclusão Social (DRPIIS), a entidade responsável pela iniciativa, que deu ainda conta do número de agressores adultos que foram intervencionados: 457, desde 2012, sendo que no ano passado foram 71. Mas a estes é preciso juntar os quatro abusadores menores, que foram intervencionados ao abrigo da Lei Tutelar Educativa. Aliás, nos últimos três anos, a ERASCJ registou 10 abusos sexuais perpetrados por menores com idades entre os 12 e os 16 anos.
Em termos de prevalência, as duas ilhas mais populosas do arquipélago, São Miguel e Terceira, destacam-se das restantes.
Olhando para os números ao longo dos 13 anos, assinala-se uma discrepância entre o número de vítimas acompanhados e agressores intervencionados, com o primeiro a ser quase sempre superior (exceção feita aos anos 2014, 2021 e 2022, em que houve mais agressores alvo de intervenção do que vítimas apoiadas).
Esta diferença é explicado pela DRPIIS pelo facto de “estarmos perante intervenções que ocorrem em tempos diferentes, e também devido ao aumento dos crimes de abuso perpetrados através da via online”.
Mas não só: nos primeiros anos da implementação da estratégia, entre 2012 e 2016. só foram alvo de intervenção os agressores com medidas não-privativas de liberdade, ou seja, aqueles que não se encontravam a cumprir pena de prisão, “passando em 2016 também a abranger os agressores condenados a pena de prisão nas situações em que a sua libertação tem lugar antes do final da pena”.
De realçar que a ERASCJ foi inicialmente implementada na ilha de São Miguel, em formato de projeto-piloto. Só em 2018 a estratégia foi expandida ao restante arquipélago.
“A sua aplicação em todas a ilhas, resulta de um processo de forte cooperação interinstitucional que permitiu universalizar o acesso às respostas criadas no âmbito desta iniciativa”, refere a DRPIIS.
Em termos de entidades que colaboram com a ERASCJ, as unidades de saúde públicas (unidades de saúde de ilha, centros de saúde locais e hospitais) são vitais no que à reabilitação da vítima e do agressor, sendo parceiras em oito das nove ilhas, exceção feita a São Miguel, onde o Centro de Terapia Familiar e Intervenção Sistémica tem a seu cargo a reabilitação da vítima, tendo ainda um técnico na reabilitação do agressor, trabalho que também é da responsabilidade da Associação de Promoção de Públicos Jovens em Risco.
Já os Agentes de Suporte (profissional que assegura o suporte técnico às vítimas aquando das diligências relativas ao processo penal) provêm das Santas Casas da Misericórdia da Região, do Instituto de Segurança Social dos Açores, e de mais parceiros, como escolas e entidades religiosas.
O que é a ERASCJ
A ERASCJ tem como destinatários crianças e jovens vítimas de abuso sexual e respetivos contextos familiares e comunitários; e agressores sexuais de crianças e jovens (intervencionados pelo Sistema de Justiça) e os respetivos contextos familiares, quando operacionalizável; estruturas organizacionais com intervenção regular sobre a temática do abuso sexual de crianças e jovens; e a comunidade em geral.
Os objetivos da estratégia são reforçar a capacidade interventiva das organizações envolvidas, sobre a temática; desenvolver mecanismos de divulgação ativa de informação, visando uma disseminação pública de fatores de proteção e de risco, relativamente à temática do abuso sexual de crianças e jovens – resposta de prevenção universal; desenvolver um dispositivo de apoio integrado, para crianças e jovens, vítimas de abuso sexual e respetiva realidade familiar, que garanta um suporte reabilitador às mesmas; efetivar a implementação de um processo de acompanhamento/reabilitação de agressores sexuais de crianças e jovens, num processo de forte interação entre o Sistema de Saúde e de Justiça.