Autor: Ana Carvalho Melo
José Serra é o autor da exposição “Da Pedra ao Bronze”, que está patente até 4 de outubro na Casa do Arcano, na Ribeira Grande. Esta exposição apresenta sete esculturas que exploram a relação entre a pedra e o bronze, refletindo a sua contínua paixão pelo oceano e pela arte.
O projeto, criado para celebrar o Dia dos Oceanos, incluiu também uma palestra sobre os oceanos com o investigador Sérgio Ávila, realizada no dia da inauguração, obras dos pintores António Ferreira Pinto e Emanuel Carreiro, e a exibição de um documentário que começa nos Açores e termina na Grande Barreira de Coral da Austrália. O documentário foca-se nas mudanças climáticas e apresenta imagens subaquáticas que têm cativado o público e as escolas.
“Estas imagens mostram que o nosso mar ainda está bem preservado, mas que a Grande Barreira de Coral – onde já estive duas vezes – já revela sinais de degradação”, conta José Serra.
“Esta exposição celebra os oceanos e reflete a minha personalidade, a minha relação com o trabalho e o meu percurso de vida”, conclui.
A paixão pela escultura surgiu ao longo da vida de José Serra, que se dedicou a trabalhar a pedra, focando-se em temas ligados ao mar, como peixes, baleias e criaturas marinhas. “Em 2012, comecei a fazer esculturas em pedra, quase sempre relacionadas com o mar”, recorda.
“A minha primeira exposição, intitulada ‘Aquário de Pedra’, foi um sucesso e levou-me a continuar a explorar esta forma de arte.”
O percurso de José Serra atravessa várias artes e paixões, como confessou o também realizador.
Nascido na Moita, José Serra e a sua família mudaram-se para a ilha das Flores quando ele tinha seis anos, onde o seu fascínio pelo mar despertou e moldou o seu futuro.
“Em 1963, as Flores não eram o que são hoje, ainda que a beleza se mantenha, mas o que mais me fascinou, desde logo, foi o mar, de onde surgiu todo o meu gosto”, recorda.
No entanto, aos 12 anos, para prosseguir os estudos, teve de regressar à Moita, onde concluiu o curso técnico de radiotecnia na Escola Alfredo da Silva, que “na época era uma inovação”.
“Aos 19 anos, ao vir ao Faial para férias, porque os meus pais estavam a fazer obras na ilha, fui convidado a trabalhar no Departamento de Oceanografia e Pescas. Assim, comecei a minha carreira profissional, onde trabalhei durante quatro anos. No entanto, o meu interesse pela imagem e pela fotografia sempre esteve presente, e desde os 16 anos que me dediquei a este hobby. Foi assim que, em 1981, surgiu a oportunidade de trabalhar para a RTP, primeiro como repórter de imagem e, mais tarde, como realizador”, relembra.
Ao longo da sua carreira na RTP, produziu vários documentários, muitos dos quais relacionados com o mar, como a série “Ilhas Vivas” e “Os Últimos Baleeiros”, onde registou as primeiras imagens subaquáticas de cachalotes. Em 1991, foi transferido para Lisboa e tornou-se um dos repórteres fundadores do programa “Bombordo”, que acompanhou veleiros à volta do mundo, fazendo reportagens em várias partes do globo.
“O ‘Bombordo’ era um programa semanal que marcou muito”, realça, contando que, aquando da Expo, participou, através deste programa, numa Volta ao Mundo em veleiro, na qual fez reportagens por todo o mundo, o que “foi uma experiência única”.
Mais tarde, em 2003, foi convidado a chefiar a delegação da RTP no Faial, onde esteve durante seis anos. Durante esse período, criou o programa “Mar à Vista”, que se destacou pelos documentários sobre o oceano e a vida marinha, beneficiando, mais uma vez, da colaboração com investigadores locais.
“Na profissão que temos, devemos sempre tirar o lado positivo, e foi isso que eu fiz. Como gostava do mar e do documentário, tentei sempre canalizar os meus trabalhos nesse sentido”, destaca.
Após a reforma, em 2013, José Serra continuou ativo, sendo convidado para uma expedição com o National Geographic a bordo do navio Santa Maria Manuela. Esse projeto resultou na produção de um documentário, algo que reacendeu a sua paixão pela arte de contar histórias visuais. Além disso, continuou a colaborar com a RTP Açores em diversas produções, especialmente em projetos ligados à cultura e história do arquipélago.
O mar sempre foi uma constante na sua vida, e não foi diferente na sua carreira pós-reforma. Um dos maiores projetos de José Serra foi o levantamento detalhado sobre os naufrágios nos Açores, um trabalho árduo e fascinante, realizado em parceria com José Luís Neto. Segundo José Serra, esta pesquisa exigiu paciência e dedicação, pois “muitas vezes os naufrágios não eram compostos por grandes navios, mas por fragmentos, pequenos pedaços de história que, juntos, formavam um quebra-cabeças a ser desvendado”. Também se dedicou à produção de documentários científicos, valorizando o trabalho de jovens cientistas.
Entre os seus projetos mais recentes, destaca-se uma série de documentários sobre a história da baleação nos Açores. Este trabalho nasceu de uma proposta para cobrir a visita de velejadores da Volvo Ocean Race ao Pico, interessados em aprender sobre a performance dos botes baleeiros açorianos. José Serra, no entanto, decidiu que era essencial contar a história completa da baleação, desde a importância cultural e económica até aos museus dedicados à prática, como o Museu dos Baleeiros nas Lajes do Pico. O resultado foi uma série de dois documentários, que devem ser apresentados na RTP até ao final do ano, e que capturam a essência e a grandiosidade dessa atividade, que marcou profundamente a história dos Açores.
Com uma casa no Pico, José Serra continua ligado ao mar de uma forma muito pessoal, onde gosta de passar o tempo a observar as baleias, tal como faziam os antigos vigias da baleação. Esse contacto direto com a natureza e o mar reafirma o seu amor pelos Açores e pelas histórias que o arquipélago tem para contar. Para José Serra, as coisas simples, como observar baleias ou redescobrir um pedaço de naufrágio, têm um valor imenso e fazem parte de uma herança cultural que deve ser preservada.