Açoriano Oriental
Empresário de Maçainhas luta para manter tradição dos típicos cobertores de papa
Um empresário têxtil da região da Guarda é o último do sector a produzir o cobertor de papa, um acessório característico dos pastores serranos, também utilizado para aquecer as camas durante o Inverno.

Autor: Lusa-António Sá Rodrigues/ AO online
    José Pires Freire, 74 anos, iniciou a actividade em 1966, justamente com a produção do cobertor de papa (peça de lã de fio grosso), que ainda fabrica e comercializa para todo o país, a par de outros géneros de cobertores e mantas.

    O empresário reconhece que a produção do cobertor típico está à beira do fim, pois para além de ser o único a fabricá-lo, já o faz em pequenas quantidades.

    O cobertor que também é conhecido por cobertor de pêlo, manta lobeira, amarela e espanhola, pode ser produzido numa só cor (branco, verde e vermelho), com a cor "barrenta" (branco e castanho), bordado a azul, verde e vermelho (comercializado no Minho e no Norte) ou fabricado com tiras coloridas de castanho, amarelo, verde e vermelho (típico do Ribatejo).

    José Pires Freire explica que com o aparecimento de outros artigos no mercado, este deixou de ter a procura de outros tempos, apontando que apenas já tece cobertores de papa "temporariamente".

    "Quando teço, vem um tecelão e uma caneleira para o ajudar", diz à Agência Lusa.

    "Nalgum tempo - recorda -, fabricava todo o ano e agora só temporariamente, porque não se gastam muito, já não se vendem tanto".

    Por outro lado, refere que "já não há lãs em qualidade para este cobertor", que se distingue dos outros pelo facto de ser fabricado com lã churra de ovelha, que tem dificuldades em encontrar.

    "É uma lã macia das ovelhas de Idanha-a-Nova, Monsanto e Medelim, mas o lavrador já acabou com essas ovelhas", explica, referindo que só com "bons contactos" junto dos comerciantes é que a vai obtendo.

    "Noutros tempos vinham milhares de toneladas de lã e, agora, faço 500 ou 600 quilogramas de cada vez", refere, assumindo que a sua produção está "condenada a desaparecer".

    "Já não é rentável e eu não tenho ninguém a aprender. Tenho só uma filha com o curso de gestão e não trabalha nisto nem a aconselho, porque os têxteis estão em crise", afirma Por outro lado, garante que as vendas do artigo "não têm significado".

    "Tenho sempre alguma coisa em stock, tenho-os prontos e, depois, vão-se vendendo. Noutros tempos, eram muito conhecidos e vendiam-se muito, mas agora não", frisa, indicando que chegou a comercializar para África e Brasil.

    O cobertor de papa pesa, em média, três quilogramas e mede 1,70 m de largura e 2,40 m de comprimento e a sua produção é mais praticável nos meses quentes.

    "Já não me disponho a fabricar no Inverno, porque a água está muito fria e os cobertores têm que ser levados ao pisão e no Verão é melhor", diz José Pires Freire.

    "Secá-los com o tempo bom também é melhor, porque ficam mais direitinhos", esclarece o empresário, que já teve 15 operários e hoje tem apenas dois.

    A feitura deste artigo tradicional tem diversas fases.

    A lã é comprada e enviada para a fiação, entrando na fábrica transformada em fio. Segue-se a fase da tecelagem, por um único tecelão, num tear manual em madeira.

    Na etapa seguinte, quando o corte [porção de tecido que equivale a sete cobertores] estiver feito é transportado para o pisão para lavar e feltrar [tomar "corpo", volume]. Quando o corte tiver o "corpo" necessário, vai à carda para puxar o pêlo.

    De seguida, os cobertores são cortados e vão à râmbula [peça em ferro onde se prendem esticados para secarem e ficarem com uma determinada medida].

    Por último, o cobertor é etiquetado e embalado.

    O empresário tem na sua fábrica um tear manual para cobertores de papa e cinco alimentados a electricidade para mantas e outro género de cobertores.

    Garante que continuará a produzir cobertores de papa "até quando puder".

    "Tenho isto por carolice. Enquanto tiver forças, tenciono fazê-lo, mas, o futuro a Deus pertence", afirma à Lusa encostado ao velhinho tear de madeira, na ocasião parado, que ostenta o nº 10-231 do cadastro de máquinas da antiga FANIL - Federação Nacional da Indústria dos Lanifícios.

    "Estas coisas deviam manter-se", opina o empresário, que teme pelo fim de uma tradição que apenas já se mantém na aldeia de Maçainhas, situada nas proximidades da cidade da Guarda.

    A fama do cobertor de papa ultrapassou fronteiras, ao ponto de, numa data que não sabe precisar, este artigo ter sido oferecido ao príncipe de Inglaterra.

    "Aqui há uns anos largos, ainda o meu pai fabricava, o príncipe Carlos de Inglaterra, que era um jovem, veio a Portugal com a Rainha e, uma firma de Vila Franca de Xira que era nossa cliente, pediu ao meu pai para lhe arranjar uma manta [cobertor de papa] para o Príncipe", contou.

    "Fizemos três e eles levaram-nas, tendo-as oferecido ao príncipe Carlos, juntamente com o traje de campino", recorda José Pires Freire, com orgulho.

    Na aldeia de Maçainhas conta-se que a indústria têxtil terá ali chegado após o incremento dado ao sector no século XVIII e, segundo a Junta de Freguesia, "em 1942-1943 quase todas as famílias tinham um tear para fabricar cobertores chegando a existir 35".

    Hoje em dia, a realidade é bem diferente: um único empresário ainda vai garantindo a sua existência.
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