Autor: Nuno Martins Neves
A Lei de Finanças Regionais tem aspetos que podem ser alterados, mas é
preciso ter cuidado com o que se deseja. O alerta foi dado por Vasco
Cordeiro, advogado e antigo presidente do Governo Regional dos Açores,
num extenso artigo de opinião publicado quarta-feira no Açoriano Oriental.
Sob o título “A revisão da Lei de Finanças Regionais ou O risco de “atirar fora a criança com a água do banho!”, o antigo líder do Partido Socialista dos Açores considera que as formulações que têm vindo a público - “com cada vez mais insistência, e não já sem alguma dose de desespero” - encerram “um engano e um perigo” que pode, em último análise, diz, deixar a Região Açores com menos Autonomia.
Para Vasco Cordeiro, a ideia de que a LFR tem de ser revista por já não cobrir as despesas da Região enferma do erro “com consequências que podem vir a revelar-se bastantes graves para a nossa Autonomia”.
Isto porque, explica, a LFR não tem esse objetivo, mas sim o de definir os recursos financeiros que, na relação com o Estado, a Região pode considerar como seus, e ser livre de administrá-los como entender, afetando-os às despesas que entende realizar e aos encargos que pretende assumir.
“Se a LFR tivesse por critério e medida a satisfação das despesas da Região, seria como se o rendimento de alguém fosse definido pelo montante das despesa que assume e não por aquilo que lhe é devido. Como qualquer família ou empresa açoriana bem sabe, a vida não é assim...”.
E considera, ainda, que esta visão da LFR é um “inequívoco fator de degradação e descredibilização da Autonomia (...) Em suma, segundo essa perspetiva, a Autonomia resume-se a gastar. O Estado deve pagar”.
O que, na sua opinião, abre o flanco a que o Estado “possa questionar o mérito ou demérito das opções políticas que aRegião toma na realização da despesa pública”, invocando que é quem paga.
Uma ameaça que, diz Vasco Cordeiro, “não é assim tão distante ou inverosímil”, lembrando o pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade pedido pelo Representante da Republica nos Açores em 2013.
O antigo presidente do executivo regional sublinha que a perceção que a atual LFR é má é errada, considerando, para esse efeito, o facto das receitas fiscais a Região receber na totalidade os impostos diretos (IRS, IRC) e indiretos (IVA, ISP, entre outros) gerados ou cobrados nos Açores. Algo que, em 2022, foi considerado pelo Conselho de Finanças Públicas uma “contradição económica”, uma “solução inusual” e sem fundamento económico; e um “anacronismo económico”, pelo professor doutor José Pereira da Silva.
Por via da LFR, entre 2021 e 2024, os Açores arrecadaram 4 mil e 300 milhões de euros (dos quais 3.105 milhões de euros via receitas fiscais), um valor idêntico ao que a Região recebeu de dois dos principais envelopes financeiros (FEDER e FSE) ao longo de sete anos (2014-2020).
“A pretexto de alterar a Lei de Finanças
Regionais para resolver os problemas financeiros da Região, poder
conduzir-se os Açores a uma situação em que a Autonomia pode abrir
brecha, ou a própria Lei de Finanças Regionais ficar fragilizada,
sobretudo, nos aspetos que, como atrás já vimos, são extraordinariamente
favoráveis à Região”, escreve.
Questão semelhante atribui à
formulação que o Estado deve assumir parte dos encargos com a Educação e
Saúde: ou seja, entrando a República com o dinheiro, quererá ter uma
palavra a dizer nas políticas.
“Este aspeto não tem a ver apenas com a questão de que, a partir daí, teremos uma Autonomia de fachada. Ele acaba por poder vir a influir e condicionar aspetos muito concretos da nossa vida coletiva, como as questões de acesso aos cuidados de Saúde e de acesso à Educação, bem como com aspetos da vida dos profissionais que estão ligados a estes setores, como por exemplo, os termos, eventualmente, mais favoráveis das respetivas carreiras, quando comparado com outras partes do território nacional”.
Cordeiro recorda que, excetuando o pedido do Governo Regional de 2014, a LFR foi sempre alterada “por iniciativa e no interesse do Governo da República”.
O artigo também versa sobre o que está errado na Lei e o que pode ser alterado, apontando Vasco Cordeiro a possibilidade de ampliar os poderes da regiões autónomas, na política fiscal, “sem limites, percentuais”, bem como a definição de os escalões do IRS ou o IVAdos bens. O que, diz, deve ser suportado “única e exclusivamente” pelo orçamento da Região. A “extensão e aprofundamento” da relação financeira entre autarquias locais e a Região, ou a participação dos Açores nas receitas obtidas por empresas públicas ou concessionárias privados de serviços públicos, como a NAV, por exemplo, são outros aspetos que podem ser melhorados.
“O que me parece verdadeiramente fundamental é que a lógica dessas alterações conducentes a um aumento de receitas da Região seja sempre uma de trade-off entre os Açores e o Estado e nunca uma de subsidiação pelo Estado de despesas decididas pelos órgãos de governo próprio”.
Por último, o socialista responde à questão se o único caminho da Região é um resgate, “face ao crescimento acentuado do desequilíbrio estrutural das finanças públicas regionais”, considerando que não.
Mas para isso não acontecer, considera necessário assumir
“inequivocamente, a necessidade imperiosa de maior atenção, rigor e
cuidado quanto à componente da despesa e da assunção de encargos”. Para
isso, diz, é necessário por fim ao “mimetismo face à República”,
copiando “sem juízo crítico” soluções organizativas, estruturais ou de
políticas setorias adotadas a nível nacional”. E, por último - e “talvez
o mais difícil de alcançar” - consensos políticos a médio/longo prazo.