Autor: Paula Gouveia
Sem sair de casa na ilha Terceira, a sua música tem corrido o mundo. “A canção tomou um caminho impossível de calcular”, diz o compositor e músico Cristóvam. “Andrà Tutto bene” (Vai ficar tudo bem), a música que compôs nos seus primeiros dias de quarentena, quando “as primeiras imagens chocantes dos efeitos do vírus na Europa” começaram a chegar pela televisão, está agora nos tops de vários países.
“Lembro-me de ver aquelas imagens de Itália carregadas de drama na televisão, e no meio daquilo tudo ver as crianças a pintar arco-íris com aquelas palavras, naquela fé ingénua que as crianças têm, e que vamos perdendo com a nossa vida adulta. Era um contraste grande: aqueles símbolos eram a esperança no meio daquela escuridão”, conta o músico terceirense.
“Já é habitual para mim que sempre que tenho alguma coisa que precisa de ser processada, recorrer à guitarra, ao papel, e desta vez não foi exceção”, explica. “Pela primeira vez em muitos anos temos a humanidade sintonizada na mesma frequência, com os mesmos sentimentos, os mesmos receios, as mesmas ansiedades. Mas todos estamos a lidar com isto de maneiras diferentes, e a minha maneira de lidar foi esta”, confessa.
A
letra surgiu de uma frase solta que tinha escrito no telemóvel: “tempos
em que a distância era a maior prova de amor”. “Eu achei que esta era
uma ideia interessante: era como se os valores se tivessem invertido, e o
amor que costuma a estar ligado à proximidade e ao calor, neste momento
é ao contrário - a maior prova de amor é as pessoas estarem afastadas
por respeito e por medo de contagiar quem se gosta”.
Tal como a frase
escrita pelas crianças junto dos arco-íris que começou a ser
reproduzida noutros países, o refrão de “Andrà Tutto bene” é cantado em
várias línguas - seis, adianta Cristóvam. “Talvez por isso a canção tem
‘uploads’ em tantos países diferentes”, repara.
Lançada junto com o filme do realizador Pedro Varela há um mês apenas, a canção seguiu o seu próprio rumo. “ A música viralizou, via WhatsApp. Eu lembro-me que fizemos o ‘upload’, eu fui dormir, e no dia a seguir acordei, e a música já tocava nas maiores rádios de Portugal, e nem tinha sido eu a enviar para lá. O filme estava a ser postado no instagram e no facebook por milhares de pessoas no Brasil e à volta do mundo. No Brasil, chegou a criar-se o mito que a música era dos U2 - houve vídeos carregados como sendo dos U2 que tiveram de ser retirados pela minha editora”, conta Cristóvam.
O compositor diz por isso que “é completamente irreal e
imprevisível alguém dizer que está à espera que uma coisa feita sem um
budget promocional, sem nenhum tipo de marketing estudado tivesse este
resultado”. “Foi uma coisa puramente orgânica”, afirma.
O realizador Pedro Varela que fez campanhas publicitárias para grandes marcas, e com quem o músico trabalha há já alguns anos, acreditou na canção ainda quando esta estava em esboço, e decidiu fazer um filme para ela. Contudo, revela Cristóvam, “mesmo para a expectativa que ele tinha, é impressionante o que aconteceu”.
“Foi surreal. Temos dado entrevistas
para os quatro cantos do mundo, para a Globo, a CNN... E tudo isto
aconteceu sem eu sair, ou o Pedro Varela, de casa, e sem nunca sequer
termos estado um com o outro - o que torna tudo ainda mais bizarro”,
confessa.
Músico e compositor está a gravar o segundo disco a solo
Flávio Cristóvam começou a tocar aos 11 anos, e aos 19 decidiu que queria viver da música. Faz
parte da banda October Flight (editaram um disco em 2012 e estiveram
três anos em concertos a promover o disco). Em 2015 começou a trabalhar
no disco a solo “Hopes & Dreams” (2018), do qual foram extraídos
quatro singles (um deles fez parte da banda sonora do filme “A Canção de
Lisboa”). Trabalha como “ghostwritter” em campanhas de marcas
nacionais.
Ganhou o concurso “International Songwriting Competition”, onde foram jurados Tom Waits, Keane, Grant Lee Phillips.
Está
envolvido num novo projeto “Contos e Canções”, com vários músicos dos
Açores, Sara Cruz, Romeu Bairos, e João Félix. E está a gravar o segundo
disco a solo.