Eram talvez quatro ou cinco da tarde de uma sexta-feira interminável, quando me caiu a ficha. Esse instante tão pequeno e absoluto em que a consciência se abre como uma ferida. Lembrei-me de que tinha deixado ao lume uma ideia, daquelas que se esquecem porque a vida nos consome em minudências e ruídos, e que, sem aviso, levantam...
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A condição de sem-abrigo é como um rio. Um rio que nasce bem longe das ruas onde desagua — nasce da pobreza, da doença mental, da...
O relatório final da Estrutura para a Saúde Mental dos Açores (ESMA) é um retrato simultaneamente esperançoso e preocupante. Mostra o empenho diário de muitos profissionais, da ESMA e da tutela, mas...
Vivemos há anos em guerra híbrida. Mantém, na frente leste europeia, a faceta clássica e reconhecível dos conflitos armados: mísseis,...
Morreu mais um dos grandes. E logo outro a seguir. Pinto Balsemão e Laborinho Lúcio — homens que carregaram o país às costas sem fazer barulho, sem slogans, sem o teatro triste da política de claque....
Jó não é hoje personagem bíblica. Vive, enrolado em cobertores com cheiro a urina na Gare du Midi, em Bruxelas. Perdeu casa, família,...
O cheiro a cadáver foi talvez primeiro mestre. Não o professor da maldita anatomia, nem os pesadíssimos tratados, ilustrados com veias e artérias artificialmente coloridas para facilitar a leitura...
Há guiões que a vida escreve que seriam terminantemente recusados em qualquer concurso para argumentistas. Demasiado fáceis, demasiado simples, demasiado caricatos. Se nos aparecessem num filme de sábado...
Não tenhais medo. João Paulo II dizia-o como quem atira pedras contra tanques, como quem sabe que o corpo pode ser esmagado mas...
Querido filho,
Fazes hoje dezoito anos. Muitos parabéns! Como estás crescido. É um marco bonito e podia escrever-te apenas sobre...
Nos Açores, a adversidade não é notícia, é pequeno-almoço. A dívida milionária da Saúde como herança maldita, o incêndio e o cheiro a plástico queimado no hospital, a demografia de velhos que não para...
Chamam-lhe Camões. Não pela poesia, não por glória. Por um murro que lhe roubou um olho numa briga. A alcunha colou-se-lhe à pele como uma cicatriz. Mais uma entre tantas. Zé Maria era o seu nome, no...
Ao sábado, depois de almoço, iam às Portas do Mar. Ele pedia um café curto com um risquinho. Ela um galão que deixava arrefecer devagar. Falavam da humidade, da previsão de chuva, dos jogos do fim de...
