Autor: Susete Rodrigues
Helena Amaral nasceu em Vila Nova de Gaia e atualmente vive no Pico. Dedicou-se à pintura durante largos anos até que deixou de pintar, não sabe muito bem porquê. Depois, aventurou-se nas esculturas. Aliás, em vários locais da ilha do Pico pode-se apreciar a sua arte, os “Sorrisos de Pedra”, um projeto que nasceu há 10 anos pelas suas mãos, com colaboração da MiratecArts.
Até chegar aos Açores e concretizar os seus sonhos, Helena Amaral, teve que ultrapassar alguns obstáculos. Mas hoje, com 72 anos, diz que continua muito feliz com a sua vida porque “não me falta nada e fiz tudo aquilo que queria”, acrescentando que “não mudava nada na minha vida, nem me arrependo de nada. Com 15 anos já tinha o pensamento e a mulher que sou hoje, não sei de onde é que isto veio, mas sei que este é o percurso que tinha imaginado. A minha alegria hoje é ter concretizado tudo aquilo que tinha sonhado”.
Diz que realizou todos os seus sonhos e continua a fazê-lo, mas foi um longo caminho. Conta-nos que teve uma “infância muito rica e campestre. Morávamos num bairro social em Laborim e participava nas vindimas, na apanha das abóboras, do milho... as cores dos campinos que ainda hoje tenho na minha casa... adoro o amarelo”. “O meu pai era professor e escultor. Quando tinha entre 10/11 anos, o meu pai rumou para África, e fomos todos para Moçambique. Foi onde fiz os meus estudos até ao 5.º ano, onde passei a minha adolescência”, sublinhando que “essa vivência de África marcou-me e penso que também modificou a minha maneira de ser e de estar no mundo, porque África marca sempre, pelas várias religiões, etnias, ideologias. Isto tudo me marcou e ficou na minha memória”.
Revela que a sua tendência para as artes começou muito cedo, ainda no preparatório: “Houve um exercício de amores perfeitos, apaixonei-me pelo amarelo, pelo roxo... Por volta dos 12/13 anos comecei a pintar através de cópias de caixas de chocolate, mas o meu pai não me incentivava e dizia que aquilo não valia nada porque estava a copiar e eu ficava triste... mas pronto... depois comecei a pintar com as guaches que chegavam da China”. O seu sonho era seguir as Belas Artes, mas “os meus pais não me apoiavam”, então “fui viver para África do Sul, onde tinha a minha irmã, e por lá fiquei quase dois anos, mas tive de regressar a Moçambique”.
Sempre com o sonho das Belas Artes no pensamento, Helena Amaral revela que “ainda fui bancária em Moçambique e estive também para casar - mas ele não queria que trabalhasse – então, um dia, deixei tudo porque não estava feliz”. Por outro lado, “a minha mãe não me deixava estudar. Disse-me que só quando tivesse 21 anos e quando os fiz, abalei”. Foi para Lisboa em setembro de 1973, “só que naquela altura, as Belas Artes tinham deixado de admitir pessoas com o 5.º ano e tive de ir para o Externato Marquês de Pombal fazer o 6.º e o 7.º ano, mas à noite, porque tinha que trabalhar de dia. Fui vendedora, fiz restauros de loiças... foi muito duro, não sei onde fui buscar aquela força toda...”.
A seguir foi para a Escola Artística António Arroios tirar artes dos tecidos, “terminei os quatro anos, e naquela altura estava a trabalhar na Brisa, contudo, depois do 25 de Abril de 74 foi criado o estatuto de trabalhador-estudante e aproveitei”. Ingressou na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, onde se licenciou em Artes Plásticas. Conta que foram seis anos “muito difíceis e muito rigorosos, porque não me adaptava a Lisboa e queria deixar a cidade. Foi quando rumei aos Açores”.
Revela-nos com boa disposição que naquela altura “não sabia que existiam os Açores, só tinha ouvido falar da Madeira. Fui à Casa dos Açores e uma senhora que lá estava disse-me que os Açores eram nove ilhas, mostrou-me um mapa e vi a montanha do Pico, apontei para aquela ilha, mas desaconselhou-me porque aquela ilha iria ser muito rural para mim, tendo em conta que estava a viver numa cidade como Lisboa. A senhora disse-me para ir para a ilha da frente – que era o Faial - e lá desembarquei no Faial com uma malinha de livros, para dar aulas pela primeira vez”.
Helena Amaral realizou diversas exposições nos Açores, mas “talvez fruto da idade, não sei o que é que se passou, deixei de pintar e fiquei triste com isso. Olhava para os pincéis e para as tintas – como hoje olho – mas não me saía nada – porque sempre pintei de dentro para fora e construí a minha obra de arte, em termos de conteúdo e forma, muito à base de espaços...”. Entretanto, “um dia olhei para uma pedra e disse para mim que aquilo dava um cachorro.Estava encantada com aquela pedra e comecei devagarinho a esculpir porque tinha muito medo da rebarbadora. Comecei com uns discos de madeira, depois esculpi uns peixes. Para ser sincera, não sei quando é que surgiram os ‘Sorrisos’, mas julgo que de todo o meu percurso e vivência, em sociedade e em solidão... penso que houve uma parte de interioridade com o próprio mundo que tem muita falta de sorrisos...”.
O certo é que o projeto começou em “parceria com o Terry Costa da MiratecArts e a primeira exposição dos ‘Sorrisos de Pedra’ foi no átrio da Câmara”. Nunca mais pararam, “as pessoas começaram a pedir para colocar na praça e, fruto de ter escolhido o Pico para viver, disponibilizei-me para oferecer à ilha as esculturas - os ‘Sorrisos’ - que foram colocadas em vários locais da ilha do Pico. Preenchemos a ilha e ainda estamos a preencher”, afirmou, para sublinhar que “já fizemos uma viagem itinerante pelos Açores e só nos falta ir às ilhas de São Miguel e Santa Maria”.
A finalizar, Helena Amaral, reflete que a “criatividade é algo que está dentro de nós. Nos ‘Sorrisos’ estão os meus afetos, os meus amores e desamores. Uma vez disse numa entrevista que os ‘Sorrisos’ nunca me vão pedir o divórcio e é verdade. Gosto de todos, eles estão comigo sempre, e há este enamoramento, porque à noite, às vezes, vou vê-los...”.