Açoriano Oriental
‘Solucionar os problemas dos Açores, é resolver os problemas dos países do Atlântico’

Miguel Bello, diretor executivo do AIR Centre, faz balanço da atividade do AIR Centre salientando que se trata de um centro de investigação que pretende reunir os países Atlântica para solucionar problemas globais, como as alterações climáticas ou a poluição do oceano


‘Solucionar os problemas dos Açores, é resolver os problemas dos países do Atlântico’

Autor: Ana Carvalho Melo

Como se pode caracterizar a fase em que atualmente se encontra o AIR Centre (sigla em inglês de Centro Internacional de Investigação do Atlântico)?


O momento atual do AIR Centre é de consolidação e expansão. Estamos a consolidar a nossa equipa que já conta com 15 pessoas e que até ao final do ano deverá chegar às 20-22 pessoas. 
Atualmente temos formadas a equipa técnica, a equipa para as operações e para a nossa rede. A rede de contactos do AIR Centre é muito importante porque se trata de uma organização internacional de colaboração que conta com parceiros de 15 países mas que vai crescer devendo chegar aos 20 países até ao final do ano, uma vez que a nossa ideia é ter todos os países do Oceano Atlântico no AIR Centre. Atualmente temos Estados Unidos, Brasil, África do Sul, Angola, Namíbia, Portugal, Espanha, Reino Unido. Já assinamos com a Noruega e vamos assinar com o México e a Colômbia. 
Também já temos projetos que estão a ser desenvolvidos. A nossa ideia é envolver todos os nossos parceiros do Atlântico nesses projetos.



A próxima fase será então ampliar de projetos em que estão envolvidos?

Exatamente. Já começamos a desenvolver alguns projetos, que vão abranger duas linhas de ação.
A primeira linha de ação abrange os projetos mais pequenos que são iniciativas internacionais envolvendo dois ou três parceiros para projetos da Estação Espacial Europeia ou da União Europeia, por exemplo. Estes projetos são nas áreas da energia, da aquacultura e da monitorização de ecossistemas. Destes alguns já estão a ser desenvolvidos com empresas açorianas porque queremos otimizar a componente dos Açores, dado que a nossa sede é na ilha Terceira, no Terinov. Como o centro de gravidade desta organização são os Açores, queremos a envolver empresas e parceiros do arquipélago, assim como de outros países.
Temos também projetos bandeira, que são projetos maiores e vão juntar vários países. Sendo que desses o maior é uma constelação de pequenos satélites para monitorização do Atlântico que poderá vir a ser usada em aplicações de sustentabilidade, proteção de pesca, monitorização de lixo, plásticos ou derrames de combustíveis no oceano.
Outro dos nossos projetos bandeira é construir uma base de dados global do Atlântico que possa ser partilhada com os nossos parceiros.
Queremos também desenvolver outro grande projeto que se chama “Atlantic: pole to pole, system of system” no qual a nossa ideia é ter sensores, robótica marinha, barcos automáticos, drones, ou seja, combinar vários sistemas num centro de controlo nos Açores, no Terinov, para podermos ter dados do Atlântico quando precisarmos. Estes dados poderão ser usados para a luta contra a pesca ilegal, o lixo no oceano, por isso queremos desenvolver este sistema.
Todos os projetos bandeira estão a arrancar e ainda estamos a abordar os países que gostariam de contribuir. Por exemplo, para a constelação de satélites já temos a confirmação de países que gostariam de se juntar, como a Espanha, o Reino Unido, a Noruega, a África do Sul, Brasil e México, para além de Portugal.



E em termos do contacto com outros países? 


Em paralelo ao desenvolvimento de projetos, estamos também a fazer um trabalho de divulgação, pelo que todas as sextas-feiras fazemos um webinar sobre assuntos diversos como a aquacultura, a arqueologia marinha ou os oceanos noutros planetas. Nestes webinares temos tido a presença de mais de 70 países, com mais de 300 participantes. Este trabalho de divulgação é muito importante porque nos ajuda a manter a rede ativa. Nos últimos meses eu deveria ter viajado todas as semanas de modo a fazer esta divulgação, mas devido ao coronavírus não pude, pelo que a forma de manter a rede ativa são estes webinares. 
Mas também temos realizado reuniões ao mais alto nível com ministros de vários países. A última reunião deveria ter acontecido em maio passado na Pensilvânia em Filadélfia, mas teve de ser adiada devido ao coronavírus. Agora estamos a organizar uma reunião que deverá acontecer em outubro, mas ainda não sabemos se será presencial ou virtual. O mais provável é que seja virtual, dada a situação nos Estados Unidos.
O trabalho de manter a rede ativa é muito importante e para isso temos como diretor da rede José Luís Moutinho.
Temos um diretor técnico Pedro Silva que mora nos Açores e dirige a equipa nos Açores. E temos um diretor de operação Emir Sirage. Todas estas pessoas desempenham um importante papel de diplomacia científica e tecnológica porque esta relação ajuda na marcar a posição de Portugal nesta área.



Como tem sido a relação com os Açores e as instituições locais?


Os Açores estão a meio caminho no Atlântico, o que é uma situação ótima. A ligação dos Açores ao Atlântico é muito forte pelo que têm uma localização ótima e neste ponto a relação com o Governo Regional dos Açores - que apoia o projeto - é muito importante porque este tipo de iniciativas precisa de apoio institucional. 
Quando estamos a procurar soluções tecnológicas ligadas ao espaço para problemas do Atlântico, estamos também a procurar soluções para os Açores.
Nesse sentido, temos feito reuniões com as diversas secretarias regionais para ver em que tipo de problemas podemos ajudar. Por exemplo, na agricultura estamos a fazer um protótipo para uma aplicação para identificar fungos que são um problema na lavoura. Esta aplicação vai usar dados de satélites de modo a permitir identificar o mais cedo possível o problema.
Também já reunimos com a Secretaria Regional da Energia, Ambiente e Turismo para ver aplicações que poderão ser úteis para a Região , assim como com a Secretaria Regional do Mar, Ciência e Tecnologia para a proteção do banco pesqueiro.
Como os Açores são o local onde temos a nossa sede, pretendemos conceber todos estes protótipos de modo a responder às necessidades do arquipélago.
Está também sedeado nos Açores o Laboratório de Observação da Terra (EO LAB, sigla em inglês de Earth Observation Laboratory) que pertence à Agencia Espacial Europeia e faz parte da Rede de Observatórios. 
Dentro de dois a três anos teremos os dados da nossa constelação de satélites, mas atualmente já temos muitos dados de satélites europeus que vão servir as necessidades dos Açores.
Os satélites de observação da terra podem fazer todo o tipo de observação desde a monitorização de fogos e calamidades, proteção de ecossistemas costeiros. E são estas aplicações que queremos desenvolver com nossa a equipa multidisciplinar.
Outra infraestrutura tecnológica muito importante do AIR Centre é o secretariado do MBON - Marine Biodiversity Observation Network (Rede de Observação da Biodiversidade Marinha, em português) onde temos no Terinov duas pessoas que fazem a ligação com uma organização com mais de 120 países, que monitoriza o impacto das mudanças climáticas na biodiversidade de espécies em risco ou de valor comercial importante. 
Em resumo, no AIR Centre estamos a realizar atividades muito diversas, ligadas ao oceano, ao espaço e ao clima. E nem sempre é fácil porque ninguém pode dominar todas estas capacidades, por isso é que precisamos de especialistas nas diversas áreas para que se possam complementar. A nossa ideia é termos uma combinação de saberes multidisciplinar porque os problemas não podem ser resolvidos com recurso a uma única tecnologia. Precisamos sempre de ter uma variedade de métodos e tecnologias para podermos resolver os problemas que são cada vez mais complexos.



O que avaliaria como sucesso na sua ação como diretor executivo do AIR Centre?


Eu gostaria de deixar duas marcas. Uma seria desenvolver um conjunto de soluções para problemas do quotidiano nas áreas da agricultura e da pesca, por exemplo, mostrando como os satélites podem ser usados para criar soluções para os problemas do dia-a-dia.
Por outro lado gostaria de contribuir para o desenvolvimento de emprego. O AIR Centre deve ser uma forma de criar emprego ligado à alta tecnologia e para mim seria importante se conseguíssemos criar 100 ou 200 empregos. Não serão todos empregos no AIR Centre, porque o que nós procuramos é ser catalisadores de projetos com parceiros, por isso serão empregos em centros de investigação dos Açores, assim como de outros países. Não queremos competir com a Universidade dos Açores nem com as empresas regionais, queremos é ser o catalisador que ajuda a que se realizem projetos que juntem empresas e universidades. 
Gostaria de insistir que o AIR Centre é um meio de ter a comunidade Atlântica em parceria e que os problemas são globais pelo que não podemos pensar que um só país vai encontrar a solução para todos os problemas. É preciso ter consciência que problemas como o lixo no oceano ou as alterações climáticas são globais e não têm fronteiras pelo que só serão resolvidos com a colaboração de todos os países. E é aí que a que surge a mais-valia de haver uma organização internacional para trabalhar com todos esses países, que junta o conhecimento de todos estes parceiros. O facto deste Centro localizar-se nos Açores é muito interessante porque estamos no centro do Atlântico, numa Região que tem exatamente os mesmos problemas que os outros países do Atlântico, daí que solucionar os problemas dos Açores será resolver os problemas dos outros países do Atlântico.

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