Açoriano Oriental
RSI deveria ser a chave numa estratégia contra a pobreza, diz Farinha Rodrigues

O especialista em desigualdades sociais Carlos Farinha Rodrigues defendeu que é preciso repensar e reajustar o Rendimento Social de Inserção no âmbito de uma política de combate à pobreza, mas também rever grande parte dos mecanismos de proteção social.

RSI deveria ser a chave numa estratégia contra a pobreza, diz Farinha Rodrigues

Autor: Lusa /AO Online

Em entrevista à agência Lusa, o professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), da Universidade de Lisboa, e investigador nas áreas da distribuição do rendimento ou da desigualdade e pobreza disse que “claramente” é preciso “rever grande parte dos mecanismos de proteção social”, sublinhando que “as políticas sociais são essenciais para responder a situações de maior precariedade social e de pobreza”.

No entanto, ressalvou que “não serão nunca as políticas sociais só por si que resolvem o problema da pobreza”, defendendo que para isso é preciso que haja uma articulação entre políticas sociais e políticas económicas e lembrando que o que acontece no Ministério das Finanças “tem implicações óbvias na distribuição dos rendimentos, na pobreza e na desigualdade”.

“Por isso, ponto um: a questão da pobreza não pode ser resolvida só pelas políticas sociais, ponto dois: as políticas sociais são indispensáveis para esse enquadramento”, defendeu.

Nesse sentido, apontou o Rendimento Social de Inserção (RSI), um apoio social destinado a pessoas que se encontrem em situação de pobreza extrema, como “uma das medidas que deveria ser chave numa estratégia de combate à pobreza”, admitindo que é preciso que seja repensada.

“Temos aqui uma medida que precisa de ser reajustada aos novos tempos, precisa de ser consensualizada e precisa de ser explicada”, defendeu Farinha Rodrigues, lembrando que esta prestação social completa 25 anos de existência e que, por isso, é preciso fazer um balanço do que correu bem e do que correu mal apesar de a ideia original ter sido “extremamente generosa e extremamente válida”.

De acordo com o professor e investigador, trata-se de uma medida que “é muito incompreendida por largos setores da população”, sobre a qual “existe um estigma muito grande”, nomeadamente de que é destinada a “quem não quer trabalhar”: “Ou pior ainda, é para os ciganos que não querem trabalhar”.

“Ambas as ideias são completamente falsas. Não é possível ver discriminação por etnia, mas não tenho dúvidas nenhumas que o número de beneficiários do RSI ciganos é menos de 5% do total”, defendeu.

Entende, por isso, que houve um “falhanço completo” por parte do Estado na sua obrigação de explicar a importância desta medida, razão pela qual defendeu que seja feita uma campanha de informação, apontando que “esta é a altura para o fazer”.

“Numa altura em que ao nível da União Europeia se estão a dar passos na implementação do pilar europeu dos direitos sociais, em que uma medida como o rendimento mínimo é estruturante desse pilar, acho que é necessário fazer uma rediscussão do que é o nosso RSI, o que é preciso fazer para o melhorar, o que é preciso fazer para lhe retirar esta capa negativa que muitos lhe puseram em cima e este é o momento para pensarmos nisso”, apontou.

Para isso, Carlos Farinha Rodrigues entende que é preciso aumentar a eficácia desta prestação social, que ela seja dirigida às pessoas que de facto necessitam e que tenha resultados, não só na parte da transferência de recursos, mas também no processo de inclusão na sociedade.

Defende igualmente que as alterações que venham a ser feitas sirvam para “dar consistência a um conjunto muito disperso de políticas sociais”, muitas com “montantes insignificantes”, mas que “geram ineficiências e perda de recursos”, sublinhando que a atual legislação permite acumular o RSI com outras 14 prestações sociais.

De acordo com o professor e investigador, é preciso também olhar para os próprios montantes do RSI, já que, com a atual legislação, e dependendo do tipo de família, o valor pago corresponde a entre 40% a 60% do limiar da pobreza, ou seja, valores entre os 216 euros e os 324 euros, já que o limiar da pobreza se situa nos 540 euros.

“Eu defendo que deveríamos caminhar, não de um dia para o outro, mas no horizonte temporal, por exemplo, durante esta década, para uma maior convergência entre os valores do RSI e os valores do limiar de pobreza”, disse Farinha Rodrigues, sublinhando que isso afetaria também o Indexante dos Apoios Sociais (IAS), o valor de referência para o cálculo das várias prestações sociais.

Esse aproximar progressivo ao valor do limiar da pobreza, implicaria necessariamente um aumento do valor, apesar de isso ser apenas “uma parte do que tem de ser mudado”.

Farinha Rodrigues admitiu que esse processo não será fácil, uma vez que o limiar da pobreza não está muito distante do valor do salário mínimo nacional (665 euros) e este do salário médio (cerca de 1.220 euros), o que, na opinião do especialista, significa que são precisas ao mesmo tempo medidas de combate às desigualdades que promovam não só o aumento do salário mínimo, mas tragam também um crescimento efetivo do salário médio.

“Claramente acho que o RSI é uma daquelas medidas que tem de ser repensada, os princípios básicos são exatamente os mesmos que estão desde o início, continuam válidos e estão consagrados no pilar europeu dos direitos sociais”, explicou.

Sublinhou, aliás, que a ideia original do RSI mantém-se, ou seja, é uma medida que é capaz de combinar transferências de recursos para as famílias em situação de grande precariedade e apoio na sua inclusão social, e defendeu que o RSI só faz sentido se tiver estas duas componentes.

Na opinião de Farinha Rodrigues, o RSI é “fundamental” para que os pobres deixem de ser pobres e faz “um balanço muito positivo” dos seus 25 anos de existência porque “permitiu de facto assegurar condições de sobrevivência, de recursos, de alguma dignidade e até da inclusão de algumas famílias”.

Como aspeto positivo mais importante destacou o papel que o RSI teve na diminuição do abandono escolar em Portugal, já que uma das condições para a atribuição era a obrigatoriedade da frequência escolar, enquanto como ponto negativo escolheu os fracos resultados ao nível da inclusão social, a parte mais fácil de cortar “quando se pretendia reduzir a eficácia e o efeito do RSI”.



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