Autor: Lusa/AO Online
Este novo quadro político, saído das eleições legislativas antecipadas que convocou no fim do ano passado, significa que António Costa poderá ser o único primeiro-ministro com quem irá conviver enquanto Presidente da República, tendo em conta que a próxima legislatura se estende seis meses para lá do seu segundo mandato, que termina a 09 de março de 2026.
O seu sexto aniversário como Presidente acontece num momento de guerra na Ucrânia, onde a 24 de fevereiro a Federação Russa iniciou uma ofensiva militar com invasão por forças terrestres e bombardeamentos, e no plano interno coincide com um período de transição entre governos – mais longo porque, devido à mistura de votos válidos com votos considerados nulos, o Tribunal Constitucional determinou a repetição de eleições no círculo da Europa.
Desde as legislativas de 30 de janeiro, que o PS venceu com maioria absoluta, o Presidente da República remeteu-se ao silêncio sobre a conjuntura política nacional até ao discurso que fará na posse do XXIII Governo Constitucional, prevista para 29 de março.
Ainda antes de ser eleito, Marcelo Rebelo de Sousa expôs o seu guião para o exercício dos poderes presidenciais, na Voz do Operário, em Lisboa, a 24 de outubro de 2015, e atribuiu ao Presidente um papel variável, de "maior apagamento" ou "maior relevo", consoante o quadro político.
"Se houver uma maioria absoluta de um partido ou de uma coligação, muito coesos e com um líder forte no Governo, o Presidente tende a apagar-se. Se houver uma maioria absoluta com uma coligação instável, o Presidente ganha mais peso. Se houver uma maioria relativa, o Presidente ganha ainda maior relevo. Se houver crise nos partidos, cisões e instabilidade no parlamento, o Presidente pode chegar a ter um poder particularmente decisivo, embora sempre no respeito da Constituição", disse.
"E, à margem destas situações, conta muito o estilo do Presidente, e conta muito se ele está no primeiro ou no segundo mandato e, neles, mais perto do começo ou mais perto do fim", acrescentou o então candidato presidencial, na altura com 67 anos, agora com 73.
O professor universitário de Direito, entretanto jubilado, antigo presidente do PSD, entre 1996 e 1999, e comentador político televisivo durante 15 anos, apresentou-se a eleições como um moderado, vindo da "esquerda da direita", apostado em "fazer pontes", e foi eleito à primeira volta nas presidenciais de 24 de janeiro de 2016, com 52% dos votos expressos.
No seu primeiro mandato de cinco anos, iniciado a 09 de março de 2016, Marcelo Rebelo de Sousa encontrou no poder uma solução inédita de governação minoritária do PS suportada no parlamento pelos partidos à sua esquerda, BE, PCP e PEV – à qual o seu antecessor, Aníbal Cavaco Silva, tinha dado posse com reservas e advertências, após exigir acordos por escrito –, chefiada por António Costa, seu antigo aluno.
Num contexto de crispação e bipolarização, o novo chefe de Estado desdramatizou a solução governativa vigente, denominada "Geringonça", e assumiu funções prometendo "afetos, proximidade, simplicidade e estabilidade".
A estabilidade política prevaleceu durante todo o seu primeiro mandato, em que se afirmou como um Presidente popular e interventivo, no centro da vida política, com atividade intensa e presença mediática constante, em contacto próximo e informal com os cidadãos.
Quando a legislatura estava perto de se concluir, descreveu o quadro político em Portugal como "uma combinação única" de elementos que obrigava "a um equilíbrio constante entre o Governo e a base de apoio parlamentar, e a um equilíbrio entre o Governo e o Presidente da República", observando: "É uma coabitação especial".
Na sequência das legislativas de 04 de outubro de 2019, que o PS venceu sem maioria absoluta, Marcelo Rebelo de Sousa deu posse a um segundo executivo minoritário do PS chefiado por António Costa, já sem o suporte de acordos escritos – condição que o próprio chefe de Estado considerou desnecessária e que o PCP rejeitava.
O Presidente apelou a que continuasse a ser a "Geringonça" a aprovar orçamentos, desaconselhando "soluções pontuais", mas a partir de 2020 a maioria começou a desfazer-se: PCP e PEV votaram contra o Orçamento Suplementar para aquele ano, meses mais tarde o BE votou contra o Orçamento para 2021.
Quase até ao fim do seu primeiro mandato presidencial, manteve em aberto candidatar-se a um segundo, o que só anunciou a 07 de dezembro de 2020.
Em plena pandemia de covid-19 e consequente crise económica e social, que marcou os últimos dois anos da política nacional, Marcelo Rebelo de Sousa foi reeleito com 60,67% dos votos expressos, à primeira volta, nas presidenciais de 24 de janeiro de 2021, eleições em que o PS optou por não dar apoio a nenhum candidato, mas aprovou uma moção com "avaliação positiva" do seu primeiro mandato.
Ao tomar posse para um segundo mandato, a 09 de março de 2021, o Presidente da República declarou que era "o mesmo de há cinco anos" e assegurou que "assim será, com qualquer maioria parlamentar, com qualquer Governo".
Entre as prioridades para os próximos cinco anos, elegeu a defesa de uma "melhor democracia", com "convergência no regime e alternativa clara na governação" e "estabilidade sem pântano".
Seis meses mais tarde, a maioria à esquerda desfez-se de vez, na votação na generalidade do Orçamento do Estado para 2022, a 27 de outubro de 2021, em que BE, PCP e PEV juntaram os seus votos aos da direita para rejeitar a proposta do Governo, e o Presidente da República acabou o ano a dissolver o parlamento, cenário para o qual tinha avisado com antecedência.
"É o único caminho que permite aos portugueses reencontrarem-se neste momento com os seus representantes nacionais, decidirem o que querem para os próximos anos, que são anos determinantes, em efeitos da pandemia, em volume de fundos, para reconstruir a economia e a sociedade, e escolherem aquelas e aqueles que irão o mais rapidamente possível votar o Orçamento que faz falta a Portugal", defendeu.
Numa comunicação a partir do Palácio de Belém, em 04 de novembro, sustentou que as divergências na base de apoio parlamentar do Governo eram "de fundo, de substância", "inultrapassáveis", e que "não havia a terceira via" de esperar por outra proposta de Orçamento.
Marcelo Rebelo de Sousa tornou-se o quinto Presidente da República consecutivo a utilizar a chamada "bomba atómica", que decretou oficialmente a 05 de dezembro, convocando eleições para 30 de janeiro.
Das legislativas antecipadas resultou uma maioria absoluta do PS e uma Assembleia da República reconfigurada, sem CDS-PP e PEV, que não conseguiram representação parlamentar, e as subidas de Chega e Iniciativa Liberal a terceira e quarta maiores bancadas, seguindo-se PCP, BE, PAN e Livre.