Açoriano Oriental
Planeamento, consistência e regularidade: os pilares do sucesso do Santa Clara

Vasco Matos, treinador do Santa Clara revela, em entrevista conjunta ao jornal Açoriano Oriental e à Rádio Açores TSF, os segredos que levaram a equipa ao título de campeã da II Liga em 2023/2024 e levanta um pouco a ponta do véu sobre a nova época


Autor: Arthur Melo

Veni, Vidi e Vici, a expressão latina proferida pelo general e cônsul romano Júlio César bem se pode aplicar ao Vasco Matos que chegou aos Açores, viu e venceu ao serviço do Santa Clara?

As coisas correram bem. O planeamento foi bem feito. Não foi só um trabalho meu, foi um trabalho de toda a estrutura e o planeamento é o grande segredo das coisas. As coisas acabaram por correr bem e temos de tirar daqui grandes ensinamentos para o futuro, porque a preparação, tudo aquilo que envolveu esse processo, foi muito importante para o sucesso deste ano.

Outro dos ingredientes para este sucesso foi a união, o espírito que se criou dentro do grupo de trabalho?

Sim, também. Mas vem tudo do planeamento. Quando identificamos o jogador não olhamos só para aquilo que ele pode aportar para a equipa em termos do jogo. É muito importante o lado humano, conhecermos a pessoa que está por trás do jogador, aquilo que foi o seu trajeto enquanto jogador, mas também tirar o máximo de informações enquanto pessoa, enquanto ser humano. Para nós isso é muito importante porque estes valores, durante a época, vamos ter bons momentos e esses são fáceis de gerir e ultrapassar e de estar a vivê-los, mas também quando acontecem os maus momentos se não tivermos esses valores instituídos, por muito que nós os alimentemos e os trabalhemos, se o jogador não tiver esses valores, fica mais difícil. E isso, este ano, foi muito importante para o sucesso da nossa época.

O perfil do jogador foi uma característica tida em conta e que certamente está a ser tida em conta na elaboração do próximo plantel?

É uma coisa que não podemos, não devemos e não vamos abdicar. No ano da descida da I Liga a SAD não teve muito tempo na construção do plantel, mas temos tempo suficiente para construir um plantel. Temos de dar muito valor aos jogadores e plantel que nos ajudou e fez com que hoje o Santa Clara esteja na I Liga, porque o grosso da equipa está lá. Não vai haver grandes mudanças, mas temos de perceber que quem vem tem que vir acrescentar dentro daquilo que são as nossas ideias. Para nós o lado humano é muito importante. Temos de ser muito assertivos nessas escolhas e não podemos falhar, temos de ser muito criteriosos, escolher bem, porque isso é muito importante para aquilo que vai ser a época do Santa Clara na I Liga.

Para a próxima época acha que a equipa necessita de muitas contratações? O mercado nacional será novamente o mercado alvo?

Este ainda é um momento de análise, perceber o mercado porque o mercado de I Liga é diferente do de II Liga. Não é um mercado tão fácil. A maior parte do nosso plantel está resolvido, acreditamos muito naqueles jogadores que temos e que nos ajudaram a subir a divisão, mas queremos trazer jogadores para acrescentar e esses jogadores têm que ser bem escolhidos. Se me pergunta se as melhores opções são jogadores que já conhecem o nosso campeonato, para mim faz todo o sentido, mas temos que perceber o que é que o mercado nos dá para depois tomarmos as melhores decisões. Se pudéssemos escolher jogadores que reunissem as características para o nosso modelo de jogo, isso para mim é um fator importante. Não podemos estar a contratar jogadores só porque sim. Temos de contratar jogadores em função do que são as nossas necessidades, em função das características que pretendemos para nossa ideia de jogo e que acrescentem ao que precisamos ao nosso plantel. Mas também percebemos que é um mercado diferente e temos que estar muito atentos, não podemos ter pressa em tomar decisões. Temos é de ser assertivos e chegar a jogadores que tenham experiência no nosso campeonato.

Está preparado para perder algum atleta neste defeso?

Isso é natural. Estou preparado e fico contente se assim acontecer. É sinal que fizemos bem as coisas. Quando chegamos ao Santa Clara os jogadores estavam desvalorizados e acabamos a época com muitos jogadores valorizados, jogadores com muita qualidade que podem chegar a outros patamares e se assim for é sinal que fizemos bem as coisas, é sinal que o trabalho foi bem feito e que temos de ir à procura de outros jogadores. Não temos que ir buscar os melhores, temos que os tornar melhores e se eles saírem é porque fizemos bem as coisas e neste momento o Santa Clara tem jogadores que estão preparados para outros patamares e fico muito contente se assim acontecer.

Com a participação na I Liga vai manter o seu modelo de jogo (ideia de jogo) ou será necessário dotar a equipa com dinâmicas e sub-dinâmicas diferentes para que esta seja competente perante adversários mais fortes do que encontrou esta época na II Liga?

O ponto de partida na nossa ideia de jogo vai ser o mesmo, mas vão haver nuances. Vamos apanhar adversários com outra capacidade e vamos ter nuances em alguns momentos do jogo. Estamos a preparar isso e a perceber, na construção do plantel, em muitos momentos do jogo termos capacidade sempre dentro daquilo que é o nosso ponto de partida, criar essas dinâmicas e essas sub-dinâmicas para estamos mais confortáveis e a equipa estar mais confortável em jogo e percebermos que vamos para outro nível e que em determinados momentos do jogo temos de ser mais efetivos, mais fortes. Estamos a preparar-nos para isso, daí ser importante quando escolhermos esses novos jogadores que tem muito a haver com isso, com essas características que podemos dentro do jogo aportar à equipa e que façam a equipa estar ainda mais forte, mais preparada.

Defender bem e com rigor e atacar com eficácia foram as bases para o sucesso desportivo do Santa Clara. São também os alicerces para a próxima temporada?

Continuar dentro da nossa linha. Queremos melhorar algumas questões e acrescentar à equipa algumas coisas diferentes, mas temos que perceber que essa segurança tem que continuar. Como vão transitar muitos jogadores isso já está enraizado e trabalhado e a equipa sente-se confortável. Mas não podemos parar. Há muita coisa para melhorar na nossa equipa e novos desafios virão. A exigência vai ser muito maior, as dificuldades vão ser muito maiores e vamos ter que nos superar. A importância dos jogadores que possam entrar na nossa equipa é fundamental para evoluirmos como equipa, porque temos ainda muito trabalho para fazer e temos que nos preparar bem.

O processo defensivo é fulcral, como também o processo ofensivo. Queremos melhorar o nosso processo ofensivo e este ano faltou-nos quatro ou cinco golos e em termos ofensivos tinha sido uma época muito boa, não por falta de oportunidades, porque felizmente criamos e tivemos muitas oportunidades. No futebol isso acontece, nem todos os anos são iguais, mas o nosso ponto de partida, a nossa base, são bons posicionamentos, organização defensiva, porque, depois disso, advém o nosso processo ofensivo, ou seja, se defendermos bem estamos melhor preparados para atacar.

Quais vão ser os maiores desafios do Santa Clara – e do Vasco Matos, também – na próxima edição da I Liga?

O nosso foco, claramente, é o campeonato. O ano passado trabalhamos a parte mental por tudo aquilo que tinha sido vivido no ano anterior e este ano vamos ter de trabalhar a parte mental. Este ano na II Liga foi muito bom, onde a equipa bateu muitos recordes, tivemos muitas vitórias, a equipa teve um êxito tremendo. Mas para o ano as dificuldades vão ser muito maiores. Este ano batemos o recorde de pontos do clube, fomos a única equipa que não perdeu fora na I e na II Liga, a melhor defesa do campeonato e do top-10 europeu, a única equipa que pontuou contra todos os adversários, estivemos 15 jogos seguidos sem perder, estivemos 24 jornadas seguidas no primeiro lugar! Foi uma época onde tivemos muito sucesso, muito êxito e para o ano não vai ser assim. Vai ser mais difícil. A nossa preparação mental para isso vai ter que ser diferente porque vamos ter de conviver com dificuldades maiores, obstáculos grandes e vamos ter que estar preparados para os ultrapassar. Essa vai ser a nossa base, percebermos que vamos entrar num campeonato muito mais difícil e temos que ter consciência que se calhar não vai ser um campeonato onde vamos ter tanto êxito como este ano e vamos ter de trabalhar muito a parte mental dos jogadores e da estrutura. É fundamental a estrutura estar completamente alinhada.

Foram 40 jogos realizados ao longo da época 2023/2024, com 23 vitórias, 13 empates e quatro derrotas. Assim de repente, qual foi o melhor jogo do Santa Clara esta temporada?

Fizemos bons jogos. A equipa foi crescendo, no início, até pelo sistema de jogo, tivemos algum tempo de adaptação, mas depois a equipa foi crescendo, foi uma equipa muito regular, o nível exibicional manteve-se sempre na mesma bitola e acho que a equipa fez jogos muito consistentes, foi muito regular, não teve grandes oscilações. Falar de um jogo... Lembro-me da primeira parte da Oliveirense, no Mafra entrámos fortíssimos, com o FC Porto B também. Depois houve jogos em que nas segundas partes, por exemplo esse último com o Leiria, fizemos uma segunda parte avassaladora. Fomos muito consistentes e regulares ao longo da época. E este foi também um dos grandes segredos na nossa época.

E o pior?

Não gostei do jogo com o Penafiel em casa! Foi um jogo na parte inicial da época... Com o Benfica B também não gostei, tivemos alguns momentos do jogo em que não conseguimos controlar. Sinceramente, não me lembro de um jogo em que diga que a equipa esteve muito mal. Pode não ter sido regular ao longo dos 90 minutos, mas tivemos sempre uma consistência. A nossa equipa sempre soube estar em jogo. Mesmo nos momentos menos, bons mantivemos essa serenidade e tranquilidade e isso define muito uma equipa. Nos momentos menos bons mantivemos uma coesão e uma serenidade que nos permitiram voltar ao jogo e voltar a estar por cima no jogo. E é isso que queremos transportar para a próxima época.

De todas as equipas que defrontaram, qual o adversário que causou mais dores de cabeça na preparação do jogo?

Somos uma equipa técnica que trabalha muito, que vai sempre ao detalhe e ao pormenor. Tínhamos dias que saíamos do estádio pelas 19, 20 horas. Como temos o escritório ao lado do campo vamos ao campo perceber se os exercícios funcionam. Como equipa técnica fazemos isso muitas vezes e detalhamos todos os adversários ao pormenor.

No início da época o Vilaverdense era uma equipa bem organizada, uma equipa que metia muita gente por dentro, criava muita superioridade no corredor central e detalhávamos muito estas questões. Não houve uma equipa que nos desse mais ou menos trabalho, porque cada equipa tem a sua ideia de jogo, são diferentes, têm nuances diferentes e porque é um trabalho que gostamos de fazer, detalhamos muito aquilo que é o adversário, sempre dando a prioridade àquilo que é a nossa equipa, o nosso modelo de jogo. Damos muita importância à questão estratégica. Hoje há equipas bem orientadas, com excelentes treinadores, equipas que também trabalham o pormenor naquilo que é o jogo ofensivo, defensivo, os posicionamentos, as alterações que eles podem fazer em função daquilo que é o jogo e nós temos que preparar também esses momentos, onde eles alteram e temos que estar preparados para quando as coisas acontecerem nós já termos resposta para isso. Por isso é que é um trabalho que demora, longo porque há muitas questões que temos de estar preparados para elas e todos os adversários requerem muitas horas. Há muita coisa para ser vista, analisada, que são os esquemas táticos, as bolas paradas, todos esses detalhes têm de ser bem preparados. Por isso, olhamos para todos os adversários com máximo respeito e o nosso rigor e a nossa exigência, enquanto equipa técnica e equipa, olhamos muito para dentro e, em primeiro lugar, somos muito exigentes connosco.

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