Autor: Luís Pedro Silva
Qual a avaliação que apresenta do combate efetuado à pandemia do Covid-19 nos Açores?
Acho
que ninguém estava preparado para uma situação destas. Apesar de tudo
há bastantes pontos positivos a destacar. Considero que aquilo que
correu melhor foi a evolução dos números, que permitiu que nunca
deixássemos de dar resposta aos problemas de saúde, como infelizmente se
verificou, em alguns países próximos.
Destaco o trabalho positivo
desenvolvido pelos médicos de saúde pública, em especial da Coordenadora
Regional, na identificação das cadeias epidemiológicas. Isto permitiu
manter a situação, até agora, controlada. Um outro fator positivo foi o
comportamento da população que acatou as recomendações transmitidas.
Existiram algumas exceções, mas a grande maioria está a cumprir as
orientações das Autoridades de Saúde.
Houve, também uma preparação,
em tempo recorde, das Unidades de Saúde para enfrentar esta pandemia,
com separação de circuitos e a implementação de planos de contingência.
Foram muitas mudanças, que provavelmente a população não teve a
oportunidade de conhecer em pormenor , no interior do Hospital do Divino
Espírito Santo, nos outros Hospitais e Centros de Saúde. Todos os
profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, técnicos, administrativos
e assistentes operacionais , tiveram de se adaptar muito rapidamente a
uma nova realidade de doentes e uma nova forma de trabalhar.
Também
destaco, como fator positivo, as medidas de confinamento aplicadas pelo
Governo Regional dos Açores, que foram mais atempadas em relação ao
Continente, e provavelmente contribuíram para que a evolução dos números
de casos positivos fosse mais reduzida.
Também consegue apontar aspetos negativos?
O
que tem corrido menos bem, ou verdadeiramente mal, é a comunicação da
Autoridade Regional de Saúde. Na nossa ótica esta comunicação tinha de
ser diferente. Não é preciso inventar muito, basta seguir o exemplo do
que acontece no Continente, tornando-a mais gráfica e mais percetível.
Não podemos ter sempre a mesma pessoa a responder a tudo, até porque
também está a viver uma situação nova e difícil , gerindo muitas
preocupações e necessitando de tomar decisões difíceis. Poderia pedir
ajuda a outros profissionais (médicos, enfermeiros, farmacêuticos,
psicólogos, epidemiologistas, entre outros )para o ajudar a responder às
questões dos jornalistas e melhorar a comunicação à população. Por
exemplo, o Diretor Regional responde a todas as questões sobre o
Hospital de Ponta Delgada, onde por mais reuniões e informação que lhe
seja transmitida , será difícil estar permanentemente atualizado,
podendo solicitar a colaboração da Diretora Clínica do Hospital. Este
método, provavelmente, seria mais eficaz para otimizar a transmissão de
informação precisa, correta e organizada para a população e comunicação
social. É importante referir que as declarações diárias não se destinam
apenas à população em geral mas também aos profissionais de saúde. E a
verdade é que os profissionais de saúde não conseguem, verdadeiramente,
entender, nos “briefings” diários o que se está a passar. É tudo muito
confuso. Temos uma quantidade de números lidos diariamente, mas não são
elucidativos. Gostaríamos de uma informação mais clara e transparente,
porque ninguém tem nada a esconder . Os encontros com a comunicação
social, para além da apresentação da estatística, deveriam ser
aproveitados para se realizarem campanhas de sensibilização. Claro que
se defende, diariamente, o confinamento, mas poderiam ser divulgadas
outras mensagens convidando por exemplo, profissionais de saúde e as
forças de segurança para explicarem o que estão a fazer no terreno.
Também
foi negativa a existência de orientações contraditórias entre os vários
responsáveis. É preciso existir uma sintonia entre o Presidente do
Governo Regional, Secretaria Regional da Saúde, Direção Regional da
Saúde e restantes Autoridade de Saúde. Caso contrário é difícil
interpretar , ouvindo uma coisa num dia e noutro dia o seu oposto.
Claro que as orientações, mesmo a nível mundial, estão a mudar muito
depressa. Sabemos que é difícil ter a informação sempre atualizada, mas
dentro da Região todos devem falar em sintonia.
Também nos parece
preocupante a assistência aos doentes, que não estão infetados pelo
Covid-19. É evidente que esta pandemia é grave, mas as Unidades de
Saúde tiveram de se adaptar a esta nova realidade. Agora, uma coisa é
cancelarmos as atividades programadas durante uma semana e outra coisa é
cancelarmos as consultas presenciais, exames complementares de
diagnóstico e terapêutica, cirurgias eletivas durante mais de um mês.
Primeiro foi decidido reduzir toda a atividade programada, porque era
preciso deslocar profissionais de saúde para assistência aos doentes
Covid e para diminuir a possibilidade de contágio, restringindo o acesso
de pessoas às Unidades de Saúde. Também percebemos que a população
passou a ter muito medo de ir ao Serviço de Urgência. Antigamente
pedíamos às pessoas para pouparem este serviço, porque apenas se
destinava aos casos graves, mas neste momento o número de utentes nas
Urgências é muito reduzido. Isto significa que existem pessoas, com
situações graves, que estão a sentir medo de se deslocarem ao Hospital. É
preciso que os doentes com sintomatologia grave e aguda não
respiratória ( as pessoas com queixas de febre, tosse, dificuldade
respiratória devem sempre ligar primeiro linha Saúde Açores) continuem a
recorrer ao Serviço de Urgência, sabendo que os circuitos são separados
desde a pre-triagem e que protelar o diagnóstico e tratamento de
outras doenças agudas pode ter consequências nefastas na evolução do seu
estado de saúde.
Leia a entrevista na íntegra na edição impressa do jornal Açoriano Oriental de domingo, dia 19 de abril de 2020