Açoriano Oriental
“Percebemos que a população passou a ter muito medo de ir às Urgências”

Isabel Cássio Presidente da Ordem dos Médicos nos Açores aponta várias medidas positivas no combate à pandemia do Covid-19, mas aponta a necessidade de se melhorar a comunicação e começar a preparar a retoma da atividade de saúde assistencial para tratar de outras doenças.

“Percebemos que a população passou a ter muito medo de ir às Urgências”

Autor: Luís Pedro Silva

Qual a avaliação que apresenta do combate efetuado à pandemia do Covid-19 nos Açores?
Acho que ninguém estava preparado para uma situação destas. Apesar de tudo há bastantes pontos positivos a destacar. Considero que aquilo que correu melhor foi a evolução dos números, que permitiu que nunca deixássemos de dar resposta aos problemas de saúde, como infelizmente se verificou, em alguns países próximos.
Destaco o trabalho positivo desenvolvido pelos médicos de saúde pública, em especial da Coordenadora Regional, na identificação das cadeias epidemiológicas. Isto permitiu manter a situação, até agora, controlada. Um outro fator positivo foi o comportamento da população que acatou as recomendações transmitidas. Existiram algumas exceções, mas a grande maioria está a cumprir as orientações das Autoridades de Saúde.
Houve, também uma preparação, em tempo recorde, das Unidades de Saúde para enfrentar esta pandemia, com separação de circuitos e a implementação de planos de contingência. Foram muitas mudanças, que provavelmente a população não teve a oportunidade de conhecer em pormenor , no interior do Hospital do Divino Espírito Santo, nos outros Hospitais e Centros de Saúde. Todos os profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, técnicos, administrativos e assistentes operacionais , tiveram de se adaptar muito rapidamente a uma nova realidade de doentes e uma nova forma de trabalhar.
Também destaco, como fator positivo, as medidas de confinamento aplicadas pelo Governo Regional dos Açores, que foram mais atempadas em relação ao Continente, e provavelmente contribuíram para que a evolução dos números de casos positivos fosse mais reduzida.
Também consegue apontar aspetos negativos?
O que tem corrido menos bem, ou verdadeiramente mal, é a comunicação da Autoridade Regional de Saúde. Na nossa ótica esta comunicação tinha de ser diferente. Não é preciso inventar muito, basta seguir o exemplo do que acontece no Continente, tornando-a mais gráfica e mais percetível. Não podemos ter sempre a mesma pessoa a responder a tudo, até porque também está a viver uma situação nova e difícil , gerindo muitas preocupações e necessitando de tomar decisões difíceis. Poderia pedir ajuda a outros profissionais (médicos, enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos, epidemiologistas, entre outros )para o ajudar a responder às questões dos jornalistas e melhorar a comunicação à população. Por exemplo, o Diretor Regional responde a todas as questões sobre o Hospital de Ponta Delgada, onde por mais reuniões e informação que lhe seja transmitida , será difícil estar permanentemente atualizado, podendo solicitar a colaboração da Diretora Clínica do Hospital. Este método, provavelmente, seria mais eficaz para otimizar a transmissão de informação precisa, correta e organizada para a população e comunicação social. É importante referir que as declarações diárias não se destinam apenas à população em geral mas também aos profissionais de saúde. E a verdade é que os profissionais de saúde não conseguem, verdadeiramente, entender, nos “briefings” diários o que se está a passar. É tudo muito confuso. Temos uma quantidade de números lidos diariamente, mas não são elucidativos. Gostaríamos de uma informação mais clara e transparente, porque ninguém tem nada a esconder . Os encontros com a comunicação social, para além da apresentação da estatística, deveriam ser aproveitados para se realizarem campanhas de sensibilização. Claro que se defende, diariamente, o confinamento, mas poderiam ser divulgadas outras mensagens convidando por exemplo,   profissionais de saúde e as forças de segurança para explicarem o que estão a fazer no terreno.
Também foi negativa a existência de orientações contraditórias entre os vários responsáveis. É preciso existir uma sintonia entre o Presidente do Governo Regional, Secretaria Regional da Saúde, Direção Regional da Saúde e restantes Autoridade de Saúde. Caso contrário é difícil interpretar , ouvindo uma coisa num dia e noutro dia o seu oposto. Claro que as orientações, mesmo a nível mundial, estão a mudar muito depressa. Sabemos que é difícil ter a informação sempre atualizada, mas dentro da Região todos devem falar em sintonia.
Também nos parece preocupante a assistência aos doentes, que não estão infetados pelo Covid-19. É evidente que esta pandemia é grave, mas as Unidades de Saúde tiveram de se adaptar a esta nova realidade. Agora, uma coisa é cancelarmos as atividades programadas durante uma semana e outra coisa é cancelarmos as consultas presenciais, exames complementares de diagnóstico e terapêutica, cirurgias eletivas durante mais de um mês. Primeiro foi decidido reduzir toda a atividade programada, porque era preciso deslocar profissionais de saúde para assistência aos doentes Covid e para diminuir a possibilidade de contágio, restringindo o acesso de pessoas às Unidades de Saúde. Também percebemos que a população passou a ter muito medo de ir ao Serviço de Urgência. Antigamente pedíamos às pessoas para pouparem este serviço, porque apenas se destinava aos casos graves, mas neste momento o número de utentes nas Urgências é muito reduzido. Isto significa que existem pessoas, com situações graves, que estão a sentir medo de se deslocarem ao Hospital. É preciso que os doentes com sintomatologia grave e aguda não respiratória ( as pessoas com queixas de febre, tosse, dificuldade respiratória devem sempre ligar primeiro linha Saúde Açores) continuem a recorrer ao Serviço de Urgência, sabendo que os circuitos são separados desde a pre-triagem e que protelar o diagnóstico e tratamento de outras doenças agudas pode ter consequências nefastas na evolução do seu estado de saúde.


Leia a entrevista na íntegra na edição impressa do jornal Açoriano Oriental de domingo, dia 19 de abril de 2020





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