Açoriano Oriental
Europeias2024
“Não vale a pena falar em crise de natalidade quando não se dá condições às pessoas”

Cátia Benedetti, candidata ao PE pela lista da CDU entende que a União Europeia devia prestar uma maior atenção aos Açores em três áreas fundamentais: transportes, agricultura e pescas. Diz que os fundos comunitários “nunca compensaram realmente” a perda da produção que implicaram


Autor: Rui Jorge Cabral/Paulo Faustino

Qual é o tema principal da CDUpara estas eleições europeias?

Como sabe, a nossa posição relativamente à União Europeia (UE) é extremamente crítica. Não fomos a favor da entrada de Portugal na UE porque reconhecemos neste projeto um projeto de unificação que não responde, a nosso ver, às necessidades dos cidadãos da Europa e, para já, é importante não confundir a Europa com a União Europeia porque existe esta tendência que não é inocente. A Europa é algo de muito mais vasto, muito mais fundamentado, muito mais importante que a UE, que não é senão uma organização conjuntural, por muito que seja uma conjuntura que dura há muito tempo. Portanto, para voltar à sua pergunta, o nosso tema fundamental é, como sempre, expor aquilo que é o projeto verdadeiro da União Europeia, mas não nos limitamos naturalmente a um papel de denúncia. É bem verdade que não nos reconhecemos neste projeto e que achamos que este projeto tem um objetivo que é, no fundo, de uma concentração capitalista, de uma concentração de meios de produção nas mãos de poucos. Entretanto, enquanto isto existe e resiste, é muito importante que, dentro das próprias instâncias criadas neste projeto, haja uma voz contrária. Uma voz contrária a vários aspetos que se vão, cada vez mais, esclarecendo. Mas certamente não a abstenção, não o baixar os braços porque, mesmo neste panorama de jogo viciado, é sempre possível e necessário defender os interesses reais das pessoas.

Os Açores perderam nestes últimos cinco anos por não terem representação no Parlamento Europeu (PE)?

Absolutamente não. Para já não é verdade que não tiveram representação. Isto, mais uma vez, é um entendimento que não corresponde à realidade. Portugal inteiro perdeu representação e os Açores com ele. Não é certamente pelo facto de os deputados viverem numa determinada região que esta região é mais representada. (...) Ninguém é eleito por um lugar ou por outro nessas eleições. A lista é nacional é única e, portanto, o voto de Viana do Castelo conta exatamente como o voto dos Açores, para dar um exemplo. Os deputados que daí são eleitos têm e devem ter a função de representar o país no seu conjunto. Agora, um país é formado por realidades muito específicas e os Açores são claramente uma dessas. Os Açores, a Madeira, no fundo todas as regiões têm as suas especificidades, e aí entra a componente do trabalho coletivo. Evidentemente, se existe uma organização como a nossa, por exemplo, que transmite continuamente aos deputados que se encontram em Bruxelas quais as necessidades reais de um determinado território, isto funciona um bocadinho melhor. Só neste mandato, temos  um conjunto de intervenções específicas sobre os Açores e específicas acerca de argumentos e questões muito especiais, desde o impacto do furacão Lorenzo, o porto espacial de Santa Maria, as obras na Lagoa do Fogo (...) - foram todas objeto da intervenção dos nossos deputados. O mesmo não se pode dizer de outras forças políticas que se diluem nas próprias famílias. (...)

Os fundos comunitários estão a ser bem aproveitados na Região?

Naturalmente não se pode generalizar. A CDU é uma força séria e, portanto, reconhece que parte destes fundos serão bem aproveitados e são necessários. O que nos preocupa muito, para além da utilização desses fundos, que no seu conjunto não vai na direção que a nossa ver era precisa - e a direção nomeadamente do reforço da economia regional - é o reforço também nos transportes. Também digamos que há, por parte da Região, uma espécie de fuga para a frente em muitas áreas. Dou-lhe o exemplo das áreas marinhas protegidas. Isto será um mau aproveitamento, a concretizarem-se os projetos que nem sequer a União Europeia impõe. Mas o que se prevê no futuro, e é um futuro a brevíssimo prazo desta vez, é uma diminuição fundamental desses fundos. E esses fundos nem sequer foram nunca fundos, digamos, virados para uma efetiva melhoria. Foram fundos de compensação e isto é algo que as pessoas têm que começar a interiorizar. Este debate, felizmente, está começando a ser muito vivo numa multiplicidade de países porque não é só Portugal que é afetado por estas decisões políticas. Temos que imaginar que estes fundos nunca compensaram realmente a perda, por exemplo, na produção, mas não só, que se verificou. E nós agora já estamos em condições de ter números que nos permitam ver que estes fundos ultrapassam pouco metade das perdas estimadas. Perdas estimadas em quê? O facto de termos abandonado as atividades produtivas tornou-nos dependentes e então, se somarmos os custos das nossas importações, que se tornam necessárias para a sobrevivência, aos custos dos juros pagos nas dívidas, nós obtemos valores muito superiores aos valores dos fundos (comunitários). E, portanto, estes fundos são, mais uma vez, algo que aparece como sendo muito bom, muito favorável ao desenvolvimento, mas na realidade acabam por não compensar sequer as perdas que as decisões da União Europeia induziram nas diferentes economias.

Qual é, no seu entender, a área em que a União Europeia devia prestar uma maior atenção aos Açores?

São três áreas. Transportes, em primeiro lugar, porque os transportes são transversais a toda a nossa economia. Transportes para os quais nós há muito tempo advogámos a criação de um Posei específico porque seremos sempre nove ilhas, ultraperiféricas. Isso não se alterará e, portanto, é preciso considerar que as soluções de transporte têm que ser soluções com caráter de permanência e, evidentemente, nós todos estamos a ver como tudo isso está a ser completamente descurado e, pelo contrário, as decisões vão num sentido contrário às necessidades reais. Portanto, responderia sempre transportes em primeiro lugar, mas também agricultura e pescas, porque são estas as áreas de excelência que os Açores podem e devem desenvolver, é onde se acumula saber, uma experiência e uma capacidade produtiva, que também custou muito a quem investiu e que se está completamente a perder. Portanto, há uma marginalização total que leva depois a toda uma série de perversões económicas e sociais. Por outro lado, e isto é uma exigência também aqui, existe hoje a possibilidade de um processo de reconstrução industrial, mas claro que é de uma indústria moderna, com uma incorporação tecnológica e científica que poderia ser a grande alavanca do nosso desenvolvimento, mas nós vemos que tudo está predisposto para que esta oportunidade seja negada tanto aos Açores como a Portugal, como a outros países periféricos, e que seja concentrada, como sempre, entre a Alemanha, a França, enfim, o grupo dos grandes países que dominam. E, portanto, se o projeto avançar, Portugal e os Açores estão destinados a fornecer sol, praia e serviços ao turismo.

O transporte aéreo nos Açores deveria ser financiado pela UE, nomeadamente as Obrigações de Serviço Público para as ilhas sem rotas liberalizadas?

Sem chegar a falar-se em financiamento direto, a União Europeia deveria permitir que os Estados se ocupassem disso. Agora, como sabe, há uma espécie de mantra da livre concorrência que impede injetar sequer um euro em companhias de bandeira ou em companhias regionais, e daí nós termos enormes problemas porque, mesmo tendo disponibilidade, não conseguimos investi-la nestes setores. Entretanto, não há limite para o investimento possível no privado e vemos que isto é uma tendência crescente. Isto é algo que nos preocupa muito. Evidentemente, todas as intervenções possíveis para fortalecer a possibilidade de um transporte que não é só aéreo. Quando falamos de um Posei Transportes, estamos sempre a imaginar uma solução integrada porque o transporte aéreo é, naturalmente, fundamental, mas também fundamental é o transporte marítimo e as próprias modalidades do transporte terrestre, e nisso tem uma grande importância também a dimensão da tutela do Ambiente, que nas nossas ilhas é particularmente sensível. Isso não pode ser descurado. Nós vemos circular nas nossas águas e utilizar os nossos portos enormes navios de turismo que não trazem benefício à nossa economia. Pelo contrário, são capazes de trazer prejuízos, sobretudo em termos ambientais, e ao mesmo tempo não temos a possibilidade, pelas restrições impostas pela UE, de financiar um outro tipo de transporte que seria muito mais compatível e que é muito mais urgente e necessário às populações e aos produtores das nossas ilhas.

O problema da desertificação dos Açores, principalmente das ilhas mais pequenas, é uma preocupação em que a UE também deveria intervir?

A minha resposta é que a UE está a intervir e que esta desertificação não é um acaso. Esta desertificação é, por exemplo, uma das consequências das políticas de centralização financeira que a UE está a desenvolver porque, naturalmente, não vale a pena falar em crise de natalidade e problemas ligados à preguiça reprodutiva das pessoas, quando não se dá condições a essas pessoas para trabalhar e viver. Portanto, nós podemos chorar sobre a desertificação, mas essa desertificação tem uma origem, tem uma explicação óbvia e, se continuarmos nesta trajetória de concentração de capitais, de riqueza, de possibilidade de produção nalguns lugares e não noutros, o que iremos sempre obter é isso. Se o nosso panorama económico é este, como se pretende fixar população nestas ilhas?

A UE ainda é um projeto solidário ou corre o risco de se desagregar face às ameaças de guerra e de um certo nacionalismo emergente em vários países?

A UE nunca foi um projeto de verdadeira agregação, portanto aqui cai bem aquele dito popular ‘o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita’. Está na própria origem da UE uma vontade precisa. A UE é instrumental, é um projeto económico. Aquele conjunto de valores que são propagandeados, são desmentidos pelos factos. Os cidadãos da UE nunca se expressaram, foi um projeto imposto do alto e imposto por determinados setores. Perante isto, é evidente que não se pode tapar o sol com uma peneira. Perante isto, as populações que sentem na pele os efeitos desse projeto e da sua aceleração - e estamos, sem dúvida, numa fase de aceleração - é evidente que se expressarão de várias formas contra isso. Agora, as formas escolhidas para se expressarem podem ser formas perigosas e formas que não levarão a um caminho melhor, mas sim a um perigo, isto sim, está de facto no nosso horizonte. A um nacionalismo bacoco, por exemplo, que é emergente - é o que nós antes já dizíamos acerca da extrema-direita. A extrema-direita é o fruto natural desta situação, a extrema-direita alimenta-se exatamente deste descontentamento, mas nunca põe o dedo na raiz real dos problemas. E, portanto, é esta sinergia de interação entre um projeto que em si é um projeto que não tem, na sua raiz, a melhoria da vida das pessoas, bem pelo contrário, e os efeitos perversos que provoca, juntamente com a capacidade de manipulação que é crescente por parte de certas formações políticas - isso pode dar um panorama verdadeiramente explosivo e pode levar à desagregação, claro.

Que mensagem quer deixar aos eleitores para contrariar a abstenção que costuma a ser muito elevada nas eleições europeias?

A mensagem é sempre a mesma: abster-se não é uma maneira de expressar o protesto e descontentamento, assim como não é escolher forças políticas que vivem desta situação e que terão só a ganhar com o piorar das condições de vida. É preciso, como sempre, não resignar, é preciso, como sempre, abrir os olhos e observar a realidade para além daquilo que nos é dito. E repare que isto nos é dito de mil e uma maneiras. Muito simplesmente, considerarmos se a nossa vida melhorou ou piorou desde que a União Europeia existe. De há vinte anos para cá tornou-se, de facto, o centro das decisões. ‘Eu tenho para os meus filhos um panorama pior ou melhor daquilo que os meus pais teriam para mim?’ Façam estas perguntas e a realidade suponho que tem força suficiente para abrir os olhos das pessoas. Agora não é ficando fechados em casa que as coisas melhoram, isto é verdade tanto em eleições europeias como autárquicas. Só a participação esclarecida e útil pode alterar as coisas.

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